Subjacente a esta observação está o facto de ser daquela região que diariamente sai 40% do crude consumido em todo o mundo, precisamente 40 milhões de barris por dia (mbpd), para um consumo que ronda os 102 mbpd, mas, estranhamente, apesar do devastador ataque de Israel a Gaza, em retaliação à incursão do Hamas ao sul de Israel a 07 de Outubro, e das ameaças do Irão de abrir novas frentes de guerra, os mercados estão serenos...
A explicação, que mais tarde será depurada pelos historiados, poderá estar na forte presença militar norte-americana na região, para onde foram e enviados dois porta-aviões e dezenas de navios de guerra de suporte, que serve de "firewall" para eventuais apetites bélicos dos vizinhos sobre Telavive, mas também no desinteresse chinês num refulgir do barril de pólvora que é o Médio Oriente.
Isto, porque a China está a atravessar uma severa crise económica interna e um alargamento da crise de Gaza para o resto do poço de crude que é o Médio Oriente iria fazer explodir os preços da matéria-prima, da qual o gigante asiático é o maior importador mundial, e neste momento qualquer oscilação em alta é um problema para Pequim, bem como o é para os EUA, o maior consumidor de energia do mundo, mas a atravessar igual crise com o "plus" de ter eleições à porta e o Presidente Joe Biden estar em risco de não conseguir renovar o "aluguer" da Casa Branca.
Para já, num contexto único na história da Humanidade em séculos, onde o petróleo está à beira de ser deposto como combustível do mundo pelas energias verdes, num momento em que as alterações climáticas há muito deixaram de ser uma mera ameaça, e com duas guerras em curso que afectam directa ou indirectamente quatro dos maiores produtores de crude do mundo - Arábia Saudita, EUA, Rússia e Irão -, o barril consegue mostrar resiliência substantiva mantendo-se acima dos 85 USD.
A isso não deve ser alheio o facto de, em contraciclo com as expectativas ambientalistas que as grandes organizações globais do sector, como a OPEP+ e a Agência Internacional de Energia (AIE), ou as maiores casas financeiras, como a JPMorgan ou a Goldman Sachs, estarem a "adivinhar" uma procura contra-intuitivamente crescente de petróleo até, pelo menos, 2030, onde, então, se deverá assistir a uma redução ligeira mas sólida, ano após ano, até que, almejam os ambientalistas, em 2050 o mundo estará na bolha mágica do "carbono zero", ou seja, os combustíveis fósseis serão, então, um resíduo poluente esquecido no tempo em que a economia mandava mais que o clima.
Neste jogo do empurra, o barril de Brent, que o que conta para as exportações angolanas, aguenta-se estoicamente nos 85,86 USD, mais 1,14% que no fecho de sexta-feira, perto das 10:00, hora de Luanda, embora se aconselhe as economias petrodependentes, como a angolana, a olhar bem para os "oráculos" porque está tudo preso por fios e bastará uma palavra menos pensada de um dos lideres regionais, como, por exemplo, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, para transformar o "barril de crude do mundo" num devastador barril de pólvora.
Atentos a este circo global onde o barril sobe e desce numa gigantesca montanha russa, norte-americana, iraniana, israelita... os membros da OPEP+, organização liderada por russos e sauditas, voltaram a analisar o contexto global e, para já, Moscovo e Riade, separadamente, pensaram igual, e anunciaram que vão manter os cortes às suas produções que estão em vigor, cerca de 1,3 mbpd, pelo menos até ao final do ano.
Sabendo ambos que o "cartel", onde está como membro desde 2007 Angola, fará o que lhes é mais conveniente, que é vender o barril pelo valor mais alto possível, até porque uma boa parte dos 13 membros da OPEP e os nove que a ele estrategicamente se aliaram em 2017, atravessam crises económicas, umas mais severas que outras, como é o caso da angolana, onde uma avalanche inflacionista coincide com um abalo telúrico na sua moeda nacional, o Kwanza, que mostra não ter capacidade para sair do buraco, russos e sauditas vieram agora dar este sinal de união para que os mercados anotem a disposição comum de agir se isso vier a revelar-se necessário.
A Bloomberg avança esta segunda-feira, 06, que a Arábia Saudita anunciou que vai rever as suas quotas actuais no próximo mês, em Dezembro, admitindo a possibilidade de aprofundar os cortes ou aumentar o volume extraído, dependendo do contexto global, o que resume bem aquilo que é a mensagem estrutural de Riade e Moscovo: aconteça o que acontecer, agir-se-á em conformidade.
A flutuação, curiosamente negativa, do valor do barril neste último mês, precisamente um mês passado deste o assalto audaz do Hamas ao sul de Israel, onde espalhou terror e morte, e a resposta abissal de Israel com um ataque punitivo colectivo sobre a população de Gaza jamais visto, não deve, adianta a agência especializada em assuntos económicos e financeiros, ser encarado como estático, porque o conflito em Gaza pode escalar para uma confrontação entre as diversas potências regionais no Médio Oriente, envolvendo um dos grandes produtores globais, o Irão.
A Bloomberg, citando a AIE, nota que se os sinais de agravamento da situação flamejarem, Moscovo e Riade não estancarão o passo para a acção, com novos cortes, tendo ainda a AIE feito saber, em jeito de recado que queima, que um aumento no preços dos combustíveis vai incidir de forma dramática na inflação e isso terá um impacto infectante" na economia mundial, que sempre acaba por "infectar" o consumo de crude.
Com russos e sauditas, sem falar de angolanos e nigerianos, a necessitarem como de pão para a boca do barril bem mais alto que os actuais 85 USD, falando os especialistas em pelo menos 100 USD, até porque, sublinha a Bloomberg, Riade tem de pagar projectos muito caros, incluindo nestes as aquisições de futebolistas internacionais para o seu campeonato interno, e Moscovo tem em mãos uma guerra com a Ucrânia onde derrete dinheiro como se dissolve no ar o fumo dos bombardeamentos que varrem o leste europeu, é natural que novos passos sejam dados para conseguir esse objectivo. Resta saber quais.
As pedras no caminho de Angola
Em Angola, os tempos são de expectativa, não só porque a economia não mostra capacidade de sair do buraco, com cada vez mais sinais de dificuldades, seja na inflação galopante, seja na incapacidade de contornar a petrodependência, e com, sendo esse um dos mais graves problemas da actualidade, com a moeda nacional, o Kwanza à beira de uma derrocada histórica.
O problema da depreciação do Kwanza ganhou ainda mais nervuras com o Fundo Monetário Internacional (FMI) a vir a público dizer na passada semana que o Governo deve deixar a moeda flutuar livremente para que a desvalorização conduza à sua verdadeira posição, apesar de a divisa angolana ser a que demonstrou o pior desempenho em todo o mundo nos últimos tempos.
Segundo a Reuters, a queda significativa do Kwanza, cerca de 1/3 entre Maio e Junho, ainda não é suficiente, defendendo o FMI que deveria manter o ritmo de quebra sem travão, como fez o Banco Nacional através de medidas restritivas às operações cambiais.
Segundo o responsável pelo Fundo em Angola, Victor Lledo, citado pela agência, o FMI recomenda a flutuação cambial livre do Kwanza porque isso "funciona como uma almofada para choques externos", enquanto a chefe do departamento África do Fundo, Catherine Pattillo, entende que os países devem ter em conta as pressões sobre as trocas cambiais e deixar as suas moedas reajustar e depreciar.
Por detrás deste difuso e complexo mapa de soluções, está, em pano de fundo, o crude produzido e exportado por Angola, porque ainda é este o grande garante de divisas ao responder por 95% do total das exportações, mais de 30% do PIB e até 60% das receitas fiscais.
Para Angola, as contas são estas...
Para Angola, que é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, manter o Brent aos valores dos últimos meses, entre os 85 e os 95 USD, permite diluir os efeitos devastadores da crise cambial e inflacionista e gera superavit relevante face ao valor de 75 USD por barril com que foi elaborado o OGE 2023.
O Presidente da República, João Lourenço, deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de manter a produção nacional acima de 1,1 mbpd com os campos "Ndola Sul", "Agogo Fuel ou os projectos "Begónia", "Cameia" e "Golfinho", gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.
O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.
Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.
Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.
A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.