A guerra na Ucrânia, que está no seu 105º dia e a caminho do 4º mês, o fim dos confinamentos na China, especialmente em Xangai e Pequim, devido a recentes surtos da Covid-19, as sanções à Rússia, com destaque para o embargo decretado pela União Europeia ao crude russo, e as viagens de Verão em família nos EUA, uma tradição que envolve milhões de pessoas e as suas viaturas de grande cilindrada e grande consumo de gasolina... é isto que está a "encher" o barril.
Em Londres, o Brent está a valer, nos contratos para Agosto, 121,32 USD, mais 0,65% que no fecho de terça-feira, enquanto em Nova Iorque, o WTI, vendas para Julho, estava a valer 120,32 USD, mais o,75% que no anterior fecho de sessão, sendo de realçar a anormal diferença escassa no valor do barril vendido nos dois lados do Atlântico.
Se as sanções europeias à Rússia, por causa da invasão da Ucrânia a 24 de Fevereiro, e o embargo ao seu petróleo, que representa perto de 40% do que é consumido nos 27 países da União Europeia, assustou os mercados mas só se espera o impacto mais lá para o final do ano, a diluição dos confinamentos de milhões de pessoas na China é um sinal claro de que o gigante asiático está de volta à sua condição normal de maior importador da matéria-prima do mundo e a isso os mercados não são alheios.
Mas o que excita mesmo os gráficos das duas mais importantes referências, o Brent, em Londres, e o WTI, em Nova Iorque, é ver as reservas norte-americanas de petróleo a enxugar, e é precisamente isso que está a suceder por estes dias, como constatou a agência Reuters depois de ouvir um grupo alargado de analistas.
Ou seja, o que é de esperar nas semanas que se avizinham é uma contínua descida das reservas de crude nos EUA, o maior consumidor do mundo, prevendo-se mesmo uma aceleração desse decréscimo à medida que se intensifica a época das grandes viagens em família com o "acordar" das férias de Verão no Hemisfério Norte, o que tem ainda importância na Europa mas com menor impacto no consumo porque as viaturas mais em uso no velho continente são de cilindrada bastante mais modesta e menos "gulosas".
O que pode fazer implodir este cenário promissor para os países exportadores, como Angola, que estão a viver dias de grandes ganhos, como já não sucedia há mais de uma década, bastando recordar que a 09 de Março o barril chegou aos 139 USD, apenas a oito dólares do seu recorde de sempre, em Junho de 2008, quando chegou aos 147 USD, é a crise económica de grande amplitude que se adivinha no horizonte.
Se na Europa ocidental é o desemprego, a inflação e o aumento dos juros bancários, nos Estados Unidos, além disso emerge um problema de distribuição de bens, especialmente os alimentares, e ainda o surgimento de crises inesperadas, como a dificuldade enfrentada pela Administração Biden em garantir o fornecimento de energia eléctrica aos seus 300 milhões de cidadãos.
No mundo, se o problema mais grave e a mais violenta frente de batalha da guerra na Ucrânia está longe das fronteiras daquele país do leste europeu, no oriente africano e no Médio Oriente, face à escassez de cereais no mercado internacional depois da interrupção das exportações da Ucrânia e da Rússia, os dois maiores fornecedores mundiais de grãos, o que emerge desta crise é o prognóstico negativo tanto do FMI como do Banco Mundial para a economia planetária que não pára de perder viço e porosidade e isso é um mau indicador para o consumo de energia global.
A emergência americana
Para responder a esse perigoso "cisne negro", o Presidente dos EUA, Joe Biden, mandou publicar uma declaração de emergência para evitar falhas no fornecimento de energia eléctrica no país devido às consequências da guerra na Ucrânia.
Na declaração onde Joe Biden acusa a Rússia pela situação que se vive no seu país, é explicado que esta medida visa facilitar a importação de equipamentos da Ásia para as unidades nacionais de produção de energia solar.
Esta ordem Presidencial cria um espaço temporal onde são levantadas as taxas de importação de células solares como forma de aumentar a resposta solar ao défice de energia que o país atravessa e que, no Inverno, deverá ser ainda mais grave.
Os dois principais motivos para as disrupções que os EUA estão a observar no sistema de distribuição de energia eléctrica são a questão da guerra na Ucrânia e os fenómenos meteorológicos extremos devido às alterações climáticas.
Porém, recorde-se, também por determinação de Biden, os EUA proibiram totalmente as importações de carvão, gás e crude russos e os media norte-americanos divulgaram notícias sobre um alegado esquema que mostra que esta decisão pode ter sido irreflectida porque os EUA estarão a comprar crude russo na forma de refinados na Índia, país que aumentou de forma intensa as compras a Moscovo.
E isso só pode ter uma interpretação: o mundo tem dificuldades sérias em substituir as exportações russas de petróleo porque as infra-estruturas produtivas sofreram rudes golpes devido ao desinvestimento dos últimos anos, especialmente desde 2014, por causa das abruptas perdas de valor da matéria-prima, que, recorde-se, chegou a valer menos de 30 USD no início de 2016 depois de ter estado durante anos acima dos 100 dólares entre 2007 e 2014.
Há ainda, segundo alguns especialistas no sector, a questão das centrais nucleares, fundamentais no sistema de produção de electricidade nos EUA, que são alimentadas em grande medida por urânio fornecido pela Rússia e não se sabe se Moscovo interrompeu ou não o envio deste material radioactivo para os EUA, o país que mais alimenta em verbas e material militar o esforço de guerra da Ucrânia.
E o Governo russo acusa mesmo Washington de hipocrisia porque, segundo dados do Departamento de Energia dos EUA, entre Fevereiro, mês em que começou a guerra, e Março, já depois de Joe Biden proibir as importações de crude russo, estas aumentaram levando mesmo a Russia a passar de 10º para 6º maior fornecedor de petróleo aos Estados Unidos.
De acordo com esses dados, as importações de crude russo pelos EUA subiram de 2,325 milhões em Fevereiro para mais de 4,2 milhões de barris em Março, isto, apesar de se tratar do maior produtor de crude do mundo e ter um excedente de produção, em teoria.
Depois do início da invasão russa, há 3 meses, os EUA são o 3º país a avançar com medidas radicais para esbater os efeitos secundários do conflito no leste europeu, depois de a Alemanha ter aconselhado os seus cidadãos a manter reservas alimentares para 10 dias e o Governo da Polónia ter dado autorização extraordinária aos seus cidadãos para se abastecerem de madeira em todas as florestas do país como forma de garantir reservas para o aquecimento no tempo mais frio.
Barril a caminho dos 150?
O CEO da Trafigura, um dos maiores negociantes globais de commodities, estima que o barril possa chegar aos 150 USD ainda este ano devido a um aumento da procura, como o atesta o facto de a maior parte das refinarias de referência em todo o mundo estarem à beira da sua capacidade máxima face a uma procura galopante de combustíveis devido especialmente ao fade out da pandemia que o mundo vive.
A isso acrescenta-se, como, segundo a Reuters, avança o JP Morgan, a Rússia está a retirar de circulação entre 500 mil a 700 mil barris por dia por falta de compradores devido às sanções aplicadas pelos países ocidentais no âmbito da invasão ucraniana.
Na mesma nota, a JP Morgan adianta que se não suceder uma súbita revolução na produção dos países do Médio Oriente, respondendo à crescente demanda, ou se a China, que, graças aos confinamentos, viu aumentar os seus stocks, não retirar as restrições à exportação de produtos limpos ou se o fizer de forma parcial apenas, o cenário só vai piorar, especialmente neste período de forte consumo de refinados com a eclosão do Verão no Hemisfério Norte.
Um dos sinais de que existem problemas sérios de oferta é a recente decisão dos sauditas em aumentar os preços médios da venda das suas ramas, o que coincide com uma decisão inesperada no seio da OPEP+, organismo que desde 2017 agrega os 13 Países Exportadores (OPEP) e 10 desalinhados encabeçados pela Rússia, de aumentar aos esperados 432 mil bpd, para Julho e Agosto, mais perto de 200 mil barris por dia, ou seja, para 648 mil, num claro sinal de que se está perante um afunilamento do espaço entre a oferta e a procura.
Porém, esta nova incandescência nos mercados levou, recorde-se, num claro volte-face histórico, e fruto da guerra na Ucrânia, os Estados Unidos, que mantêm há anos a Venezuela sob fortes sanções, confrontados com a necessidade de escolher entre "inimigos", escolheram manter a pressão sobre Moscovo e permitir a Caracas que volte a exportar crude em quantidades assinaláveis, através das petrolíferas europeias Repsol e ENI, como forma de aliviar o problema das sanções europeias a Moscovo.
Sendo que, no imediato, a Venezuela não estará em condições de fazer uma diferença substantiva porque, apesar de ter as maiores reservas do mundo, mais de 300 mil milhões de barris, a sua infra-estrutura extractiva está profundamente deteriorada por anos a fio de desinvestimento e sanções de Washington.
Mas, enquanto os mercados não encontram o equilíbrio, Angola é um dos países exportadores mais beneficiados porque o petróleo representa cerca de 95% do total das exportações nacionais, mais de 35% do seu PIB e até 60% das receitas fiscais que garantem o funcionamento do Estado.