Este impulso nos mercados da matéria-prima vital para a economia angolana, inesperado porque as notícias sobre problemas com vacinas anti-Covid sucedem-se nas últimas semanas, resulta do efeito produzido pela divulgação quase em simultâneo dos relatórios periódicos da OPEP e da Agência Internacional de Energia (AIE) que apontam para uma subida robusta da procura já no ano de 2021.

E, face a esta antevisão de um cenário promissor para os países exportadores de crude, os mercados reagiram como sempre o fazem, com subidas substanciais no valor do barril, atingindo o Brent, que serve de referência para as ralas exportadas por Angola, os 66,58 USD no fecho de quarta-feira, preço que já não se via desde meados de Março, estando, todavia, hoje, cerca das 09:40, a corrigir ligeiramente em baixa para os 66,19, menos 0,59%, enquanto o WTI de Nova Iorque, nos 62,76 USD à mesma hora, exibe comportamento semelhante.

Entretanto, um dos oráculos desta indústria, a Goldman Sachs, reafirmou agora, segundo a Reuters, a sua confiança de que o barril de crude Brent vai atingir os 80 USD nos últimos meses de 2021, fundamentando esta antevisão com a recuperação da economia planetária à medida que a Covid-19 recua face às campanhas de vacinação em curso.

Este banco de investimento deixa, no entanto, um aviso substantivo sobre o futuro do petróleo enquanto combustível da economia global: tem os dias contados.

A partir de 2026, ano em que atingirá o pico na procura de transporte de crude, a procura por esta matéria-prima vai manter-se ainda por dois ou três anos como elemento estruturante e só depois, já na segunda metade da década, tornar-se-á cada vez mais "irrelevante" face ao avanço exponencial da electrificação da economia global.

Para já...

... o olhar optimista da OPEP e da AIE para 2021 conseguiu mesmo diluir o impacto potencialmente negativo das más notícias sobre a vacina da Johnson & Johnson, que prometia ser uma ajuda sólida no combate à pandemia da Covid-19, que, afinal, é responsável pelo ano negro que o sector petrolífero atravessa desde o início de 2020 até hoje devido à devastação que provocou na economia planetária.

E, ainda por cima, o argumento central da OPEP para sustentar tamanho optimismo no crescimento da procura pela matéria-prima da qual depende em grande medida a economia angolana é que o esperado melhor desempenho, à medida que o tempo passa, das vacinas, vai impulsionar as grandes economias globais com efeito de arrasto sobre as demais, levando a um sustentado crescimento do consumo de energia.

Isto, tendo em conta que vai ser possível, antecipa a OPEP, uma progressiva diminuição das medidas anti-Covid-19, com menos confinamento, com mais consumo, com a retoma dos voos comerciais, um aumento progressivo na transportação marítima de carga e de passageiros recreativos (turismo)...

No seu relatório de Abril, a OPEP estima uma subida de quase 70 mil barris por dia em relação ao relatório de Março, apontando para um consumo médio diário em 2021 de mais 5,95 milhões de barris por dia (mbpd).

Recorde-se que este optimismo já estava contido na recente decisão, tomada na reunião de 01 de Abril, de avançar para um aumento progressivo da produção entre os 23 membros da OPEP+, organismo que junta os membros da OPEP e um grupo de exportadores não-alinhados liderados pela Rússia, com o calendário definido para mais 350 mil barris por dia em Maio, outro tanto em Junho e 400 mil em Julho.

E a AIE...

... no seu relatório mensal, avança com o mesmo optimismo da OPEP, apontando para um crescimento do consumo mundial de crude de mais 230 mil barris por dia em 2021 que a sua estimativa avançada em Março.

Com esta nova perspectiva, a AIE (Agência Internacional de Energia), que é o "oráculo" do sector petrolífero com mais acesso a informação global, aponta para um consumo na ordem dos 96,7 mbpd ao longo deste ano, em média.

No relatório mensal sobre o mercado petrolífero publicado hoje, a AIE estima que em 2021 serão consumidos em média 96,7 milhões de barris por dia, mais 230.000 barris por dia do que tinha previsto em Março, o que resulta num acumulado esperado de mais 5,7 mbpd este ano que em 2020, ano de forte impacto da pandemia da Covid-19.

Para a AIE, o essencial subjacente a esta renovada estimativa em alta para o consumo planetário de petróleo, tal como a OPEP, é que tudo indica que a economia mundial vai reemergir do longo mergulho pandémico do ano passado com mais vigor e força que nunca, como, alias, o FMI também já assinalou, prevendo um crescimento robusto do PIB mundial em 2021 na casa dos 6%.

Só uma forte derrota das campanhas de vacinação poderão reverter este cenário, alerta a AIE.

As ameaças

No entanto, o horizonte não está livre de ameaças para os membros do "cartel", especialmente aqueles com maior dependência das exportações de crude, como é o caso de Angola, que ainda ostenta uma gigantesca dependência do valor diário do barril para respirar economicamente melhor.

Os cortes actuais situam-se próximo dos 7 mbpd, contando com o 1 mbpd que os sauditas retiraram de circulação à margem do acordo da OPEP+, quando, no início de 2020, para equilibrar os mercados, fortemente pressionados pela pandemia, esse cortes foram acima dos 9,5 mbpd.

Outra ameaça séria a esta estratégia da OPEP+ é o quase certo regresso em forma da produção no sector do fracking (petróleo de xisto) norte-americano, cujo elevado breakeven obriga à suspensão da extracção sempre que os preços descem abaixo de um determinado valor.

Para já, este grupo entende que em 2021 a produção média diária vai consolidar nos 27,4 mbpd, mais 200 mil bpd que a sua anterior estimativa.

Existe ainda como ameaça a esta perspectiva optimista a possibilidade de um regresso em força do "business" do Irão, um dos maiores produtores do mundo que tem estado fora do circuito por causa da sanções norte-americanas impostas pelo anterior Presidente, Donald Trump, que agora devem ser retiradas por Joe Biden, que pretende regressar ao acordo nuclear assinado em 2015.

Mas a China...

... está a permitir esquecer estes riscos com dados recentes que mostram um crescimento efectivo das suas exportações e, como se sabe, o gigante asiático sustenta a sua robusta economia, a 2ª maior do mundo, nas exportações, o que só é possível quando o mundo respira saúde económica e se as exportações Made in China crescem, isso quer dizer que a saúde da economia planetária está a melhorar...

Outro facto relevante é que a China está a aumentar há vários meses as suas importações de crude, tendo esse crescimento chegado aos 21% em Março, como refere a Reuters, o que significa que o consumo de energia está a voltar ao que era antes da pandemia.

É ainda relevante o facto de os stocks de crude nos EUA estarem a descer há três semanas consecutivas, outro sinal de grande relevância tendo em conta que os EUA são a maior economia do mundo e o maior consumidor de petróleo do planeta.

E Angola...

... apresenta melhores resultados em Março que em Fevereiro, no que diz respeito à sua produção diária, segundo o relatório da OPEP.

O País produziu em Março, diariamente, 1,163 milhões de barris, mais cerca de 40 mil que no mês anterior, que, no entanto, não afasta o fantasma do declínio da extracção angolana nos últimos anos, tendo mesmo atingido e ultrapassado o cenário pessimista desenhado pela Agência Internacional de Energia (AIE) em 2018, quando previa que Angola estivesse a produzir 1,29 mbpd em... 2023.

Com estes valores, Angola foi ultrapassada pela Líbia, que passa a ser o segundo maior produtor africano, apenas atrás da Nigéria, beneficiando claramente da progressiva estabilidade político-militar, depois de anos a fio de guerra civil, que começou em 2011 com o assassinato de Muammar Khadaffi.

A Nigéria produz actualmente 1,481 milhões de barris diários e a Líbia está nos 1,196 milhões de barris por dia, amos referentes ao mês de Março.

Ainda assim...

A produção nacional média em 2020 foi de 1,22 mbpd, evidenciando o constante declínio devido ao desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional, especialmente a partir de 2014, quando se verificou uma quebra abrupta do valor do barril, que passou de mais de 120 USD para menos de 30 dois anos depois, em 2016.

As exportações de petróleo e gás de Angola caíram 7,26% no ano passado, para 18,2 mil milhões de dólares, resultantes das vendas de 446 milhões de barris de petróleo e gás equivalente.

Estes valores condizem com a exportação de 446 milhões de barris de petróleo e gás, avaliados num preço médio de 41,8 dólares por barril, segundo números fornecidos pelo director do Gabinete de Estudo Planeamento e Estatística do Ministério dos Recursos Naturais e Petróleo, Alexandre Garrett, citado na página oficial do MIREMPET.

Isto compreende ainda a exportação média de 1,22 milhões de barris por dia, consubstanciando uma diminuição de 7,2% em relação a 2019, mostrando uma continuada perda anual da produção nacional.

Apesar das mudanças substanciais na legislação referente ao sector e às alterações profundas nesta indústria decisiva para o País, a produção afasta-se cada vez mais dos patamares que se viram no passado.

Para já, com o barril na casa dos 66 USD, o Executivo de João Lourenço conta com uma folga de cerca de 27 USD em cima dos 39 USD que foi o valor usado como referência para a elaboração do OGE 2021, o que permite encarar com maior optimismo esta saída esperada da crise mundial, apesar dos fortes constrangimentos que a economia nacional enfrenta.

O crude é ainda responsável por mais de 94% das exportações angolanas, mais de 50% do PIB e representa 60% das receitas do Executivo para poder gerir as necessidades da governação, o que, face a uma lenta e demorada diversificação da economia nacional, se traduz numa mais optimista entrada no novo ano e nova década do século XXI.

E no que respeita ao futuro breve, o sector exige reflexão e claramente uma forte aposta na diversificação da economia, porque, como é hoje já consensual, o petróleo não tem muito mais tempo como principal combustível da economia mundial.

O alerta da Carbon Tracker

Alias, um estudo internacional recente, elaborado pela iniciativa Carbon Tracker aponta Angola como um dos países mais vulneráveis ao processo global de descarbonização da economia por razões de protecção climáticas que se traduz mesmo no desinvestimento das petrolíferas no sector para investirem nas denominadas energias limpas.

Este estudo denominado "Beyond Petrostates" nota que Angola enfrenta, até 2040, um défice de receitas na casa dos 76%, o que coloca o País na linha da frente das maiores vítimas deste processo planetário de substituição do petróleo como grande fonte energética mundial, o que exige de Angola um redobrado empenho na diversificação da sua economia.

O estudo diz isso mesmo, que os países nestas condições estão obrigados a definir políticas fortes de substituição de fontes de rendimento sob risco de enfrentarem dificuldades devastadoras para o seu futuro.

Para exemplificar esse abismo que têm pela frente, o estudo revela que as quedas das receitas nos próximos anos vão ser superiores a 13 mil milhões de dólares.

A Carbon Tracker é um think tank financeiro independente que desenvolve análises detalhadas e aprofundadas sobre o impacto da transição energética nos mercados de capitais e no potencial investimento em combustíveis fósseis.