Desde Agosto de 1990 que não se verificava uma queda desta dimensão, quando rebentou a primeira Guerra do Golfo, levando o caos a todos os mercados bolsistas do mundo e o pânico aos corredores dos governos dos países exportadores de crude, especialmente aqueles com economias petrodependentes, como é o caso de Angola.
Na sexta-feira, o Brent londrino fechou acima dos 45 dólares por barril e hoje, na abertura, o valor caiu de forma brutal para os 31,49, mais de 14 USD, o que quer dizer que Angola, entre duas sessões neste mercado, perdeu mais de 7% do seu Produto Interno Bruto e viu o valor do barril fixar-se 25 dólares abaixo do valor de referência usado pelo Executivo para elaborar o seu Orçamento Geral do Estado (OGE 2020).
As notícias não poderiam ser piores para os países exportadores de petróleo, especialmente para aqueles que têm economias que dependem mais das exportações desta matéria-prima, como é o caso de Angola, mas também da Nigéria, da Venezuela, da Líbia, ou do Iraque e da Arábia Saudita...
E a Rússia, que esteve por detrás desta hecatombe, também não sai sem danos profundos desta que já é a mais recente crise petrolífera e, provavelmente, a mais grave do século XXI.
No início desta verdadeira tragédia financeira para as economias dos membros da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) está a reunião que o "cartel" realizou na passada quinta-feira, 05, a anteceder a outra, do dia seguinte, sexta-feira, 06, onde os 14 membros da OPEP se sentariam com os não-membros agregados na chamada OPEP+, onde entram a Rússia a liderar um grupo de mais 10 países, incluindo os também importantes Cazaquistão ou o México, para os últimos retoques na estratégia.
Um painel de peritos da OPEP tinha sido incumbido de elaborar uma proposta para responder à baixa sentida no valor do barril em consequência da epidemia de coronavírus Covid-19, que continha a ideia de retirar mais 1,5 milhões de barris por dia (mbpd) à produção da OPEP+, como forma de contrabalançar os mercados e levar o crude a voltar a ganhar valor.
Os membros da OPEP, liderados pela Arábia Saudita, o maior exportador do mundo, e onde está também Angola desde 2007, rapidamente chegaram a acordo em torno do valor proposto pelos peritos, faltava depois obter a concordância da Rússia, o que só se saberia no dia seguinte, embora já houvesse sinais, por fontes anónimas citadas pelas agências de que Moscovo poderia não estar alinhado no mesmo diapasão. E foi assim mesmo.
A notícia explodiu como uma bomba logo na tarde de sexta-feira, embora sem tempo para se reflectir com essa capacidade destruidora nos mercados petrolíferos, quando o Governo russo de Vladimir Putin fez saber que não alinharia com a Arábia Saudita nos cortes suplementares de 1,5 mbpd.
Recorde-se que estes 1,5 mbpd iriam ser acrescentados aos cortes na produção já em vigor 1,7 mbpd desde o início de 2019, e ainda dos 400 mil bpd que Riade estava a retirar dos mercados por sua iniciativa e à margem do acordo.
É ainda de lembrar que entre 16 de Dezembro de 2019 e sexta-feira, 06 de Março, a perda no barril de Brent já era muito significativa, de 65,34 USD para cerca de 44 dólares, e sempre por causa do impacto da epidemia do novo coronavírus que começou no último mês do ano passado na China.
Mas, por detrás da hecatombe de hoje, está uma violenta "guerra" entre a Arábia Saudita e a Rússia - e a desintegração com estrondo da OPEP+ -, despoletada em resposta dos sauditas, pressionados pela urgente necessidade de elevar o preço do barril devido à crise nas suas contas públicas, ao finca-pé dos russos, protegidos pelo facto de as suas contas - Orçamento do Estado - serem há largos anos elaboradas com os 40 USD como referência para o preço médio do barril de petróleo.
Sauditas e russos são ainda dois dos três maiores produtores de crude do planeta, aos quais se junta no pódio os EUA, embora apenas os dois primeiros sejam exportadores.
Riade quer com esta alteração radical à sua postura normal nos últimos anos punir de forma severa Moscovo por não alinhar na estratégia de cortes em vigor para manter o petróleo em valores aceitáveis.
E a resposta de Riade à intransigência de Moscovo foi no sentido de cortar com grande impacto os preços de referência das suas vendas - menos 10 USD que o valor do Brent, segundo algumas fontes - e anunciar planos para fazer a sua produção nacional - o maior potencial global - subir para máximos de há muitos anos, podendo, com isso, chegar aos 12 milhões de barris por dia, ou seja mais cerca de 5 milhões de barris que aquela que é a sua produção actual, em apenas algumas semanas, quando no início de Abril terminar o acordo de cortes em vigor.
Esta resposta caiu que nem uma bomba nos mercados e hoje, logo ao primeiro minuto da abertura em Londres, mas também no WTI de Nova Iorque, os efeitos foram sentidos como não sucedia há três décadas, quando o Iraque de Saddam Hussein invadiu o Kuwait, em 1990, dando início à I Guerra do Golf, com a resposta dos EUA e mais 33 países, sob a bandeirada ONU, invadindo o Iraque.
Por detrás desta nova realidade nos mercados petrolíferos está ainda de forma clara a fragilidade da economia mundial, com destaque para a gigante China, onde foi mais forte o impacto da epidemia de Covid-19, que rapidamente se espalhou ao resto do mundo, dos EUA à Europa.
O que poderá agora fazer o barril de petróleo voltar aos valores normais é a questão a que todos procuram responder, mas, segundo a maior parte dos analistas, dois pontos são essênciais, mesmo não sendo os únicos: até quando vai a Rússia conseguir aguentar o barril abaixo dos 40 USD?, e qual o tempo de duração da crise gerada pela epidemia do novo coronavírus na economia planetária?
Keith Barret, da ARM Energy, EUA, citado pela Reuters, admite que o período de preços baixos vai ser de "escassos meses, excepto se a epidemia de coronavírus continuar a ter impacto negativo pesado no mercado global e a falta de confiança despolete uma nova recessão mundial".
Face a este cenário, e se não surgirem alterações substanciais nesta "guerra" Riade-Moscovo, Angola vai ser um dos países mais afectados, porque, como lembrou recentemente na sua conta no Twitter, Isabel dos Santos, ex-PCA da Sonangol, por cada 10 USD a menos no valor do crude, que é responsável por mais de 95 por cento das exportações nacionais, o país perde 5% do seu Produto Interno Bruto (PIB), o que significa que só entre sexta-feira e hoje, segunda-feira, esfumaram-se cerca de 6% deste e entre Dezembro último e hoje, esse valor supera os 15%.
E como o ministro dos Recursos Minerais e Petróleos, Diamantino Azevedo, já admitiu em recente entrevista à TPA, se esta situação de baixo preço no barril se mantiver por mais algum tempo, sem apresentar qualquer calendário, o Executivo de João Lourenço vai ter de considerar uma revisão do OGE 2020, que foi elaborado com um valor de referência para o barril de 55 dólares norte-americanos.
Diamantino Azevedo esteve em Viena de Áustria, entre quinta e sexta-feira da semana passada, na reunião trágica da OPEP e da OPEP+, à frente de uma comitiva com executivos da Sonangol e da ANPG, e vai, seguramente, ter muito que contar ao Presidente João Lourenço.
O Presidente da República tem, nesta nova situação, um travão inesperado à sua estratégia, que até aqui tem tido algum importante sucesso, de fazer crescer a produção nacional com nova legislação fiscal e, entre outras, a transformação da petrolífera nacional e ainda com a criação da Agência Nacional de Petróleo e Gás - ANPG.
Para responder a este problema novo, João Lourenço não deverá contar com um recuo rápido da violenta guerra entre sauditas e russos, que procuram fazer rolar o barril sobre o outro para o esmagar, embora isso não esteja fora das possibilidades.
Isto, porque o Presidente russo, Vladimir Putin, no Domingo, afirmou que os preços "actuais", em torno dos 45 USD por barril, eram aceitáveis para a economia russa, mas com a queda brutal para os actuais 33 de hoje, segunda-feira e com alguns analistas a admitirem que já pouco ou nada poderá estancar a descida para a casa dos 20 USD devido ao excesso de oferta gerada pelas decisões de Riade - onde já esteve em Fevereiro de 2016, por exemplo -, o posicionamento do líder russo poderá mudar.
Com a conhecida volatilidade dos mercados petrolíferos, perspectivar o que vão ser as próximas semanas, ou mesmo dias, é um exercício inútil, mas para Angola e os restantes produtores com economias mais fragilizadas, este é um dos momentos mais duros dos últimos anos e vão ter de ser tomadas medidas. Só não se sabe ainda quais.
E outra questão será decisiva em breve, se este cenário se mantiver, que é o impacto que vai ter no fracking norte-americano, o petróleo extraído através da explosão de rochas de xisto a grande profundidade, indústria que permitiu aos EUA passar a ser um dos grandes produtores mundiais e chegar à auto-suficiência energética.
Isto, porque o breakeven do fracking situa-se entre os 60 e os 70 USD por barril, e os actuais preços, como sucedeu no início de 2016, vão levar muitos destes produtores à falência, retirando alguns milhões de barris do mercado, diminuindo a oferta, o que, normalmente, leva a um aumento do valor do crude nos mercados.