Os Estados Unidos não estão a pressionar Riade para salvar Angola, a Nigéria ou mesmo os sauditas, querem ver o barril de crude subir porque essa é a única forma de retirar a corda da garganta da indústria norte-americana do petróleo de xisto, ou fracking, que está em colapso perante os valores irrisórios do barril, abaixo de 30 USD, muito longe do breakeven que neste sector ronda os 70 dólares e as falências começam a amontoar-se.

O fracking, que consiste em extrair gás e petróleo da rocha de xisto no subsolo explodindo-a através da injecção de água e químicos a grande pressão, permitiu nos últimos anos aos EUA sair da condição de importador líquido de crude para passar a ser exportador e um dos três maiores produtores do mundo, com mais de 11 milhões de barris por dia (mbpd) de produção máxima actual e o Presidente Trump é um fervoroso apoiante desta indústria, onde tem uma boa parte do seu eleitorado de base que, agora, perante as eleições de Novembro, lhe será mais útil que nunca para a reeleição que almeja.

Para isso, o Secretário de Estado Mike Pompeo está, segundo estão a relatar os media árabes, como a Arab News ou a Al jazeera, e ainda algumas agências e sites especializados, a exercer uma forte pressão diplomática sobre o Reino Saudita para que este considere colocar um ponto final na guerra que mantém em curso com a Rússia e que é grande responsável pela perda de valor da matéria-prima.

Guerra essa que surgiu depois de a 05 e 06 deste mês, em Viena, Áustria, a OPEP+, organização que agrega os Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e um grupo de 11 não-membros liderados por Moscovo, não ter conseguido um entendimento para aumentar os cortes à produção global como forma de manter os preços nos mercados equilibrados devido à recusa da Rússia em seguir por esse caminho, mesmo perante os efeitos adversos da pandemia de Covid-19 sobre a economia global e sobre o valor do crude.

Moscovo alegou que os cortes em vigor, de 1,7 mbpd, eram suficientes e os sauditas, profundamente irritados, logo ameaçaram com o fim do acordo e que iriam passar a produzir no máximo do seu potencial, de 12,3 mbpd, o que inundaria os mercados com petróleo muito barato, fazendo com que, na segunda-feira seguinte, a 09, o mundo assistisse à maior queda diária no valor do barril desde 1991, aquando do início da I Guerra do Golfo.

Isto, quando o barril já vinha de uma queda acentuada desde o início do ano, de mais de 65 USD para menos de 35, tendo depois acelerado em baixa para menos de 27 em meados deste mês, estando hoje, quinta-feira, 26, cerca das 09:40, o Brent, em Londres, que serve de referência às exportações nacionais, a perder 3,93 por cento face ao fecho de quarta-feira depois de três dias consecutivos com subidas ligeiras.

Agora, com o mundo a observar o declínio da economia planetária a uma velocidade brutal por causa da pandemia de Covid-19, que atinge a Europa, os Estados Unidos e a América do Sul de forma violenta, depois de ter fustigado com rara brutalidade, em Janeiro e Fevereiro, a China, onde tudo começou e agora as coisas começam a regressar à normalidade, os EUA procuram estancar esta sangria na sua economia e na economia mundial, desde logo para salvar a sua preciosa indústria do petróleo de xisto.

Para isso, Mike Pompeo tem falado com o Príncipe Mohammed bin Salman, antecipando a reunião do G20 - organismo que agrega os 20 mais ricos do mundo - por videoconferência e por iniciativa da Casa Real de Saud, procurando inverter a situação actual, recorrendo à tradicional influência de Washington sobre o seu mais próximo aliado no Médio Oriente.

Mas esse esforço poderá ser em vão, visto que o que os sauditas estão a fazer é precisamente o contrário, levar os preços a um patamar tão baixo - algumas casas financeiras, como a britânica Barclays, avança a Forbes, estimam que o barril desça para os 10 USD - que obrigue o Governo russo a admitir a derrota face à igualmente grave crise económica que o país atravessa e à sua igualmente óbvia dependência das vendas de crude.

Mas, o que os analistas não escondem é a possibilidade de Washington conseguir os seus intentos devido à enorme influência que sempre tiveram em Riade, desde logo porque são a potência militar que, tradicionalmente, embora cada vez menos assim seja, garante que o Médio Oriente, devido aos antagonismos existentes, por exemplo entre o Irão e a Arábia Saudita, não entre em ebulição.

E se assim suceder, Angola está na linha da frente dos países que podem ganhar mais com o sucesso de Donald Trump e Mike Pompeo neste confronto com os sauditas, porque o valor actual do barril é irrisório face à necessidade do Governo de João Lourenço que, entre outras frentes, tem o OGE 2020 elaborado com o valor de referência de 55 USD para o barril e essa média está à beira de se esfumar, exigindo mesmo, como sublinham a generalidades das consultoras internacionais, que este tenha de ser revisto no curto prazo e ainda uma dívida que absorve uma boa parte dos rendimentos do país - mais de 90% provenientes do petróleo -podendo abrir caminho a um default.

Em Angola, com o estado de emergência declarado e perante uma acentuada perda de valor do barril de petróleo, com uma diminuição dos gastos do Estado e um menor consumo de combustíveis fortemente subsidiados, como sublinham economistas, o país também poderá, a par de conter a propagação da pandemia de Covid-19, ganhar não gastando, sendo disso exemplo os mais de 1,3 mil milhões USD que a Sonangol emprega anualmente para garantir a gasolina e o gasóleo nos preços actuais.

Mas Luanda pode manter-se por mais algum tempo como uma das grandes vítimas da guerra entre Moscovo e Riade, visto que, como sublinham alguns analistas, para os sauditas, neste momento, apesar do auto-sofrimento imposto, quanto menos valer o barril mais pressão conseguem meter sobre os restantes produtores, nomeadamente os russos, para conseguir que estes voltem aos carris anteriores e admitam negociar de novo um plano de cortes na produção mais ousado para lidar com o efeito negativo sobre a matéria-prima da grave crise económica que o planeta vive desde o início da pandemia do novo coronavírus.

Para já, os países petrodependentes têm até 01 de Abril, quando termina o acordo no seio da OPEP+ que vigorava desde Janeiro de 2019, menos de uma semana, para ver se a pressão norte-americana sobre os sauditas surte ou não efeito.

Alexandre Novak, o ministro da Energia russo tem feito declarações públicas dúbias que, se por um lado servem de manifesto de tranquilidade face à ameaça de Riade, por outro, mantêm em aberto o campo negocial, por exemplo, quando disse recentemente que nunca deixou de falar com os parceiros da OPEP+ e está sempre disponível para o efeito.

Outro sinal de que entretanto podem surgir bandeiras brancas de um lado e do outro foi o encontro, de segunda-feira passada, entre Novak e os CEO"s das petrolíferas russas para um encontro de urgência com a questão desta guerra de preços com os sauditas na agenda.

Os analistas admitem que o Governo de Vladimir Putin está a procurar saídas para este imbróglio e a disponibilidade de cedências face a Riade se os americanos conseguirem levar o Príncipe saudita Mohammed bin Salman a proceder de igual modo, gerando um aproximar de posições de forma a que nenhum dos lados saia desta situação com o seu orgulho ferido.

Para o resto do mundo, e para Angola e os outros países produtores dependentes das exportações da matéria-prima, em particular, até 01 de Abril a tensão vai ser grande e algumas unhas vão ser roídas até lá na expectativa de que o barril volte a valorizar de forma consistentes, sabendo-se que basta o anúncio de tréguas entre os dois gigantes do petróleo mundiais - Arábia Saudita e Rússia - para que o barril ganhe novo fulgor.