Joe Biden, numa entrevista à CNN, foi claro ao dizer que "haverá consequências pelo que eles (sauditas) fizeram com a Rússia", mas não foi tão claro ao explicar que tipo de consequências terá a monarquia saudita de enfrentar.
Mas sabe-se que as relações do senhor da Casa Branca e o de facto chefe do poder em Riade, o Príncipe Mohammed bin Salman, herdeiro directo do Rei Salman bin Al Saud e primeiro-ministro, são péssimas a ponto de Biden ter visto bin Salman ter-se recusado a atender-lhe várias chamadas telefónicas.
Esta deterioração das relações de Biden com a coroa saudita corresponde a uma clara aproximação do poder em Riade ao Kremlin, com Vladimir Putin e Mohamed bin Salman a entenderem-se como nunca na gestão da OPEP+, cartel alargado criado em 2017 com os 13 membros da Organização dos Países Exportadores (OPEP) e 10 não-alinhados encimados pela Rússia, criando uma plataforma que abrange metade da produção mundial, cerca de 50 milhões de barris por dia, e uma capacidade inigualável de manipular os mercados.
Com esta junção de esforços, que os membros da OPEP+ têm procurado expurgar de questões políticas, apontando exclusivamente para razões racionais em torno do negócio do crude, a verdade é que o barril tem-se mantido há largos meses acima dos 90 USD e muito tempo mesmo acima dos 100, o que, sendo uma bonança para os exportadores da matéria-prima, são uma dor de cabeça para as grandes economias ocidentais, a atravessar uma crise gigantesca que agrega inflação, recessão, desemprego e desconfiança no futuro, como o relatório do FMI conhecido esta semana deixa em evidência.
E é por isso, que Joe Biden tem insistido de forma abrasiva junto dos seus aliados do Médio Oriente para que o cartel aumente a produção em vez de a diminuir, aumentando os preços do petróleo que estão na génese de uma grande parte da inflação que esmaga as economias ocidentais e pode levar ao naufrágio eleitoral do seu Partido Democrata nas eleições intercalares de 08 de Novembro, onde as sondagens admitem que venha a perder as maiores no Congresso, tanto no Senado como na Câmara dos Representantes, devido aos problemas económicos, a maior parte deles gerados no rasto da guerra na Ucrânia e das sanções aplicadas à Rússia, que é um dos três maiores produtores e exportadores de crude e gás natural.
No entanto, na entrevista à CNN onde fez esta ameaça a Riade, Joe Biden não revelou o que em mente, reafirmando que "não vai dizer o que acontecerá" mas reafirmando que "vão haver consequências" para a decisão que empurrou para cima o valor do barril, mais uma vez.
Alias, como o demonstra o gráfico do Brent, em Londres, o barril neste que é o mercado referência para as exportações angolanas, está hoje a valer 94,64 USF +0.48% que no fecho de terça-feira.
Mas são cada vez mais as vozes no Congresso que exigem medidas severas e alguns, como Robert Menendez, o democrata líder do Comité das Relações Internacionais do Senado, que propõe mesmo que Washington deixe de fornecer armas a Riade e ponha fim às relações de cooperação com a monarquia saudita.
Putin procura acalmar ânimos
Durante uma visita do Sheik Mohammed bin Zayed Al Nahyan, Presidente de Abu Dabi (Emirados Árabes Unidos) à Rússia, o Presidente Vladimir Putin procurou sossegar Biden e os seus aliados ocidentais, sublinhando que a OPEP+ não tem como propósito "atacar seja quem for com as posições que assumimos" nesta organização.
"Estamos a trabalhar activamente no âmbito da OPEP+ e as nossas posições não saõ tomadas contra ninguém, são apenas consideradas razões relacionadas com a estabilidade dos mercados da energia, procurando um patamar de entendimento entre os consumidores e os produtores/exportadores", disse Putin, citado pela Russia Today.
Isso é o que Putin considera ter acontecido a 05 deste mês, quando a OPEP+ avançou com o maior corte na produção em anos, ao retirar de circulação 2 mbpd, justificando a medida, que contrariou a forte pressão dos EUA sobre os sauditas, com os receios fundados de arrefecimento da economia global devido às consequências das sanções ocidentais contra a Rússia e antecipando, como sublinhou o primeiro-ministro russo, Alexander Novak, uma esperada quebra na procura e uma descida abrupta nos preços.
O Kremlin, via Dmitri Peskov, o seu porta-voz, acusou os EUA de quererem resolver os seus problemas com uma redução artificial do valor do petróleo, mesmo sabendo que isso iria redundar num perigoso desequilíbrio nos mercados energéticos.
E quando os EUA e as grandes economias europeias, como a Alemanha e Itália, vão entrar em recessão já em 2023, ou correm esse risco de forma consistente, com inflação a bater recordes de meio século, este corte de 2 mbpd na produção do cartel, vai elevar o barril além dos 100 USD, a Goldman Sachs admite mesmo ir além dos 120 em escassas semanas, gerando uma espiral que pode levar a uma crise maior ainda que a de 2008...
Embora, como costume, não se saiba qual foi a posição de Angola nesta reunião da OPEP+ que está a gerar este turbilhão de reacções, Luanda só tem a ganhar com o resultada deste encontro de Viena de Áustria porque ainda depende grandemente dos rendimentos do petróleo para amaciar a crise económica que o país atravessa há anos.
Alias, este momento de valorização da matéria-prima é relevante ainda porque o crude responde a 95% das exportações nacionais, mais de 35% do PIB e perto de 60% das receitas fiscais angolanas.
E, a sublimar ainda esta posição angolana, está o facto de que a sua produção actual, perto de 1,1 mbpd, está longe da quota atribuída inter pares na OPEP+, devido, essencialmente, ao envelhecimento dos seus campos e à falta de investimento na pesquisa e na manutenção da sua infra-estrutura produtiva offshore que vem em crescendo desde 2014, ano em que a crise ganhou rubor e o barril deu um tombo ruidoso para baixo da fasquia dos 100 USD.
Os avisos do FMI
Isto tudo, quando, com o "sugestivo" título na introdução "inflação e incerteza", o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou o seu relatório de Outubro onde adverte para o risco da inflação e um decréscimo do crescimento económico em todo o mundo, apontando para a África Subsaariana um crescimento de 3,6% para 2022, contrastando com os 4,7 em 2021, e 3,7 por cento em 2023.
Neste "report", o FMI aponta para Angola um crescimento de 3% do seu PIB em 2022 subindo ligeiramente para 3,3 por cento em 2023, sendo bastante mais optimista para 2024, onde chegará aos 3,8% e para 2025, prevendo para esse ano um crescimento de 4%.
Na África Subsaariana o melhor comportamento em 2022 e 2023 vai para países sem produção expressiva de petróleo, como o Senegal, com 5% e 9,2%, respectivamente, o Níger, com 6,9 e 7,3 % e para a RDC, com 6,4 e 6,9 por cento.
No global, o FMI sublinha que a economia mundial está a atravessar um período de aperto geral e um arrefecimento mais substantivo que o esperado, por causa da inflação mais alta em várias décadas, arrastando consigo uma "crise de aumento do custo de vida", afunilando as condições financeiras em muitas regiões, como é o caso da África Subsaariana.
Por detrás deste cenário delicado estão, com maior peso e influência, ainda, os efeitos de longo prazo da pandemia da Covid-19 e, mais perto, a invasão da Ucrânia pela Rússia, o que conduz o crescimento global a um descer de degrau acentuado de 6.0 em 2021 para 3,2% em 2022 e 2,7 por cento em 2023.
No documento, o FMI chama a atenção para o facto de se tratar do mais frágil crescimento verificado nos últimos anos, exceptuando as fases agudas da pandemia e da crise financeira mundial.
Sobre a inflação, que o próprio FMI admite poder, com alguma certeza, levar a uma recessão nos EUA e na Europa ocidental, as previsões para 2022 são de 8,8%, contra os 4,1 em 2021, devendo descer para perto dos 6,5 em 2023 e 4,1 por cento em 2024.
O Fundo aconselha a que seja mantida a politica monetária de forma a restaurar a estabilidade dos preços e a política fiscal deve ser aliviada para reduzir o custo de vida, sublinhando ser ainda fundamental proceder às reformas estruturais necessárias de forma a suportar a luta contra a inflação e melhor a produtividade e diluir os constrangimentos no acesso aos bens.
A "cooperação multilateral é necessária para avançar na transição energética", aponta o FMI.
No mundo, o pior desempenho este ano vai claramente para a Ucrânia, com uma quebra muito acentuada ( - 35% ) no seu PIB, e o melhor vai para o Iraque, com 9,3 por cento. E em 2023, o pior vai ficar na Europa com - 2,3 para a Rússia, cenário bastante melhor que o inicialmente previsto, e - 0,3 para a Alemanha, - 0,2 para a Itália e - 0,1 para a Suécia, não havendo dados sobre o que espera a Ucrânia, sendo o melhor desempenho esperado para a Líbia, com 17,9 %.