Quase sempre que a CPLP, em duas décadas de vida, saltou para o radar mediático, foi porque uma polémica emergiu no seu seio, sendo os dois últimos casos a entrada da Guiné Equatorial para a organização ou a questão da escolha do secretário-executivo.
Todos sabem que a Comunidade pode e deve ser mais do que foi até aqui... mas falta, ainda, muito caminho para que a CPLP seja, por exemplo, equiparável às suas congéneres francófonas ou anglófonas em influência no mundo.
O ministro angolano das Relações Exteriores, Georges Chicoti, defendeu que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) deve solidificar as suas estruturas e clarificar, por exemplo, as regras na "ordem de sucessão no secretariado-executivo", e "fazer com que essa alternância funcione com regularidade, como um instrumento importante de concertação para a cooperação internacional entre os países de língua portuguesa".
Georges Chicoti, que falava no âmbito dos 20 anos da organização, a assinalar neste domingo, 17, considerou como positivas as duas décadas da CPLP, mas reconheceu, por outro lado, a necessidade de discutir uma eventual reestruturação da organização. O chefe da diplomacia angolana falou na necessidade de as estruturas da organização se consolidarem cada vez mais.
CPLP aquém do desejável
No entanto, investigadores ouvidos pela Lusa a propósito da data consideram que a organização está aquém das expectativas e defendem que vá mais longe, mas divergem no sentido do progresso.
"A CPLP é um instrumento de valor acrescentado para os Estados-membros, de outro modo há muito teria deixado de existir. Por outro lado, está muito aquém do que seria possível e desejável", defendeu o director do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS).
De acordo com Paulo Gorjão, cujas declarações anteriores relativas ao mandato de Murade Murargy levaram o actual secretário-executivo da organização a vir a terreiro defender-se, disse que a organização lusófona deveria ir mais longe no plano político, de concertação diplomática ou na cooperação em outras organizações internacionais. Exemplificou com a inexistência de "qualquer concertação diplomática no sentido de coordenar as candidaturas dos Estados-membros ao Conselho de Segurança" da ONU.
"Há períodos em que não há Estados--membros da CPLP no Conselho de Segurança e há outros em que há mais do que um. Faria todo o sentido articular (...) para que houvesse sempre que possível um Estado-membro no Conselho de Segurança", defendeu.
Para o analista, a organização tem falta de recursos financeiros, mas so-bretudo de uma estratégia "que saia do papel e que se traduza em algo de subs-tantivo", algo que não acredita que esteja para breve.
Visão estratégica
Uma outra opinião ouvida foi a de Alexandra Dias, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa (UNL), que assinalou as diferentes expectativas que os Estados-membros têm face à CPLP como um entrave ao crescimento da organização.
Num estudo recente que realizou e apresentou no ano passado no Institute of Commonwealth Studies, a professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL concluiu que os principais problemas da CPLP são a inexistência de uma visão estratégica e a divergência das expectativas dos nove Esta-dos-membros.
Um orçamento "algo errático", que em 2014 estava na ordem dos 2,5 milhões de euros, também não contribui para o êxito da organização lusófona, acrescentou Alexandra Dias, que se manifestou
expectante quanto à nova visão estratégica para a CPLP, que deverá ser apresentada na próxima cimeira.
"Agora vamos ver quais serão os domínios com prioridade, será a vertente económica, a dimensão social, cultural... Tudo aponta para que será a dimensão económica", afirmou a investigadora, sublinhando que nesse caso "o empenhamento dos Estados-membros noutras dimensões, como a política, também terá de acompanhar".
A aposta da CPLP na vertente económica é a principal crítica do investigador Fernando Jorge Cardoso, do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa.
Para este analista, o principal problema da organização lusófona é terem-se criado expectativas irreais, particularmente na sociedade civil e no tecido empresarial, de que a CPLP poderia levar a um aumento dos fluxos de relações comerciais, de investimento, de relações empresariais.
"A CPLP não pode ser, não tem condições nem vocação, nem existe motivação e realidade que permita que a CPLP seja uma comunidade de natureza económica", disse à Lusa, recordando que cada um dos Estados-membros está integrado em comunidades regionais que têm agendas próprias, como a União Europeia ou o Mercosul.
Opinião contrária tem Feliciano Barreiras Duarte, docente universitário e autor de livros sobre a CPLP, para quem a comunidade "tem de ser uma organização muito vocacionada para as áreas económicas".
O que é a CPLP?!
A maioria dos cidadãos lusófonos ouvidos pela Lusa conhece a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que cumpre hoje 20 anos, mas idealiza mais e melhor, com a livre circulação de pessoas à cabeça.
Nos depoimentos recolhidos pela agência Lusa em oito dos nove Estados-membros da organização - Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste -, poucos mostraram saber da adesão da Guiné Equatorial em 2014.
A maioria dos entrevistados pela Lusa destacou a importância da CPLP na ligação entre povos com história comum, mas admitiu desconhecer os Estados-membros que a integram, omitindo frequentemente a Guiné Equatorial, incluindo, nalguns casos, Macau e esquecendo-se, por vezes, de Timor-Leste, que aderiu em 2002.
Outra das grandes dúvidas manifestadas está ligada aos objectivos da CPLP, sobretudo a pouca visibilidade da organização e o pequeno ou nulo impacto prático nas populações, destacando a necessidade de ser promovida a livre circulação de pessoas e bens no espaço lusófono, independentemente da descontinuidade geográfica.
Em Luanda, todos juntos...
Em Luanda, António Cascais, 44 anos, técnico de telecomunicações, Francisco Neves, relações públicas, 59 anos, Joaquim Capulende, estudante, 26 anos, e Ana Pascoal, funcionária pública, 41 anos, todos angolanos, relevaram a pretensão da livre circulação, lembrando as dificuldades em conhecer outro país que não o seu.
"É tudo o que o povo deseja. Haveria mais facilidade de estarmos todos juntos e trocarmos interesses", disse Francisco Neves, corroborado pelos restantes angolanos ouvidos pela Lusa em Luanda, defendendo, paralelamente, que a promoção do ensino da língua portuguesa terá de ser "mais apoiada".
Em Moçambique, de onde é natural o actual secretário-executivo da organização, Murade Murargy, as ideias são as mesmas, mas Paula Saranga, técnica de informática, e Hilário Caldeira, funcionário público, pedem maior intervenção da CPLP na resolução de problemas políticos e económicos dos Estados-membros.
"Os países da lusofonia precisavam de uma organização que unisse as diferentes realidades e a CPLP, felizmente, trouxe isso. Agora, é importante avaliar o impacto da CPLP na resolução dos problemas dos países integrantes. A CPLP precisa de ter uma posição mais ativa na resolução dos problemas", sintetizou Hilário Caldeira.
A CPLP também não é desconhecida em Cabo Verde e, embora seja difícil enumerar correctamente quem pertence à organização, os cabo-verdianos ouvidos pela Lusa insistem na questão da livre circulação, "urgente", assim como o fim das sucessivas burocracias.
Salvador dos Reis Borges, 72 anos, reformado, e Hilário Varela, 54 anos, comerciante, afirmaram acreditar que a CPLP, com o tempo, trará melhorias, pois ainda há muito caminho a percorrer.
"Não sei muito mais sobre a CPLP, mas acho que é uma boa instituição. Pena que a livre circulação ainda não funcionou. Não sei porque ainda não aconteceu. É urgente. Eu não tenho problemas em circular nos países da CPLP, mas conheço muita gente que tem problema, porque, para adquirir visto, são precisas muitas condições", defendeu Hilário Varela.
Em Bissau, a história repete-se, mas a importância da CPLP conferida pelos guineenses ouvidos pela Lusa é esbatida pela ideia de que se esperava mais da organização lusófona, que nem sequer consegue "uma integração efectiva" entre os diferentes povos.
Com a exceção do taxista Yaya Cassamá, que disse desconhecer o que era a CPLP, os restantes guineenses exigem "mais esforços" de concertação política e de "mais apoios" aos Estados-membros com problemas, como no caso da Guiné-Bissau.
Moacir Go e Macário Sampa, ambos estudantes, Ivone Barreto, administrativa, e João Mendes, docente da Faculdade de Direito de Bissau, são, porém, unânimes na necessidade de maior apoio político à Guiné-Bissau e a uma "maior abertura" à livre circulação, afirmando compreender, no entanto, que tal não tenha ainda acontecido.
"Entendo as críticas que são feitas à CPLP. Não é fácil fazê-la funcionar a 100%, são vários países em diferentes continentes. Dentro das limitações próprias de uma organização desta natureza, a CPLP tem funcionado bem", argumentou Ivone Barreto que, tal como Macário Sampa, defendeu mais trocas comerciais dentro dos "nove".
Em São Tomé e Príncipe, de uma forma geral, os são-tomenses conhecem a CPLP e reflectem idênticas preocupações e críticas, havendo, porém, quem, alegando "não perceber muito de política", diga que a organização lusófona "é aquilo de Portugal" e "aquela coisa da língua portuguesa", tal como referiu António Fernandes, 56 anos, nascido em São Tomé, uma ilha de onde nunca saiu.
Curiosa é a impressão deixada por Diego, 11 anos: "não sei o que é. Mas sei que falamos todos português, que foram os portugueses que ensinaram toda a gente", disse à Lusa, apontando cinco países onde se fala a mesma língua: "Portugal, Brasil, Cabo Verde, Angola. Ah! e São Tomé".
No Brasil, a CPLP será menos conhecida. A começar pelo que significa a sigla da organização lusófona: "algo relacionado com a cooperação de línguas portuguesas", disse o cirurgião dentista Leomar Diniz, 50 anos.
"Tem havido muitas reuniões entre Portugal e os países que já foram colónias portuguesas para tentar, de alguma forma, equilibrar a língua e a gramática, padronizar e fortalecer o conhecimento da língua portuguesa", disse Leomar Diniz, admitindo desconhecer outras valências da CPLP.
A contabilista Kelly Neves respondeu à Lusa que nunca ouviu falar na sigla CPLP, tal como o estudante estagiário Andrei Júnior e a publicitária Marina Padrão, a quem nem a designação Comunidade dos Países de Língua Portuguesa soou familiar.
O analista de segurança Cláudio Nogueira também não identificou a sigla CPLP, mas admitiu saber tratar-se de uma organização que congrega "todos os países que falam a língua portuguesa", sem conseguir identificar os nove países.
Idênticas dificuldades foram manifestadas em Díli, onde Salomão Maia, funcionário público, 30 anos, sabe muito pouco da CPLP além do que a sigla significa e que Timor-Leste faz parte por causa da língua portuguesa. No entanto, não sabe o que a organização faz e muito menos conhece qualquer projecto.
Guilhermina Soares, 29 anos, contabilista, Manuel Correia, secretário, 23 anos, e Maria Silva, empregada de balcão, 24 anos, também sabem pouco sobre a CPLP, afirmando, porém, ser bom que Timor-Leste pertença ao grupo.
"Ajuda na ligação entre os países, nas áreas da política, da economia e outras. Mas deviam explicar mais o que fazem, porque não sabemos", disse Maria Silva.
Em Lisboa, Pedro Borges, reformado, 66 anos, Ricardo Santos, empregado bancário, 43 anos, Rita Mendes, empregada de balcão, 21 anos, Pedro Soares, desempregado, 25 anos, e Júlia Palhinhas, estudante, 18 anos, afirmaram conhecer a CPLP, mas criticaram a "pouca visibilidade" da organização.
"Cooperação com Países de Língua Portuguesa" foi a forma como Júlia Palhinhas identificou a sigla da CPLP, enquanto os nomes dos Estados-membros foram avançados correctamente por Pedro Soares, amante de futebol e da leitura de jornais desportivos, que disse ter-se baseado nos "rankings" mensais da FIFA, cuja tabela destaca a prestação de Portugal e de todos os restantes países de língua portuguesa.