A última semana foi marcada por alguns dos mais ousados e devastadores ataques entre russos e ucranianos, com mais de 1300 drones lançados por Kiev sobre Moscovo nos últimos dias de Maio, a que a Rússia respondeu com a mais violenta chuva de misseis e drones em dezenas de cidades ucranianas.

E quando se pensava que os dois contendores tinham realizado estas tempestades de fogo sobre o outro lado para marcar posição antes da segunda ronda de negociações directas em Istambul, na Turquia, eis que Kiev surpreendeu tudo e todos com a mais ousada operação especial em três anos de conflito.

Isso foi conseguido com o ataque simultâneo a cinco bases aéreas espalhadas pela Federação Russa, a largas centenas de quilómetros, uma delas a mais de 4 mil kms, junto à Costa do Pacífico, ou no Árctico, destruindo mais de uma dezena de bombardeiros estratégicos TU-22 e TU-95, que integram a tríade nuclear da Federação Russa.

Mas antes, em duas operações de sabotagem, igualmente planeadas e executadas pela secreta ucraniana (SBU), e supervisionadas pelo Presidente Zelensky, foram explodidas duas pontes sobre e sob vias ferroviárias, atingindo um comboio de passageiros onde morreram sete pessoas e mais de 100 ficaram feridas (ver links em baixo).

E já depois do encontro de Istambul, na segunda-feira, 02, na terça-feira, 03, os ucranianos, noutra surpreendente operação, atacaram de novo a Ponte de Kerch (Crimeia) com a colocação de explosivos num dos seus pilares, ou através de um veículo subaquático, conseguindo mais uma ofensiva mediática de grande impacto, mas sem anular a infra-estrutura que liga a Rússia à península.

Com este cenário em pano de fundo, alguns analistas admitiam que Moscovo não se faria representar na segunda ronda de negociações directas em Istambul, mas, contrariando essa expectativa, os russos estiveram na Turquia, embora de pouco tenha servido a reunião de apenas uma hora, embora tenha depois sido conhecido um segundo momento inesperado deste encontro (ver aqui).

Sobre tudo isto, Donald Trump manteve-se num ruidoso silêncio, logo ele que comenta tudo e sobre tudo, seja em declarações aos jornalistas seja na sua rede social Truth Social, deixando pendente a tradução para essa postura, se era para criticar Zelensky numa altura de pressão sobre Moscovo ou se seria para evitar demonstrar uma nova reviravolta na estratégia de mediação do conflito que o Presidente dos EUA encetou assim que chegou à Casa Branca, em Janeiro deste ano, onde vai mostrando mais simpatia por Putin e depois por Zelensky.

Mas esse silêncio acaba de ser explicado e não é, na perspectiva da Casa Branca, favorável e Kiev, embora essas mudanças de agulha já não surpreendam e não sejam encaradas como de grande relevo, até porque Washington nunca deixou de manter o apoio, mesmo que menos robusto, ao esforço de guerra ucraniano.

Com a anunciada ausência do secretário da Defesa dos EUA, Pete Hegseth, de mais uma reunião alargada de aliados de Kiev - que não é o mesmo que a reunião da NATO - em Bruxelas, Bélgica, que decorre esta quarta-feira, 04, Donald Trump está claramente a traduzir o seu silêncio como incómodo pela forma como Kiev procurou implodir o processo de negociações de Istambul.

Essa situação é incómoda porque o inquilino da Casa Branca colocou acabar com a guerra como assunto prioritário na sua agenda enquanto mediador aceite pelas duas partes, apesar dos EUA serem, de longe, o mais forte aliado e municiador de Kiev em armas e dinheiro nos três anos de conflito.

Agora, com a ausência de Hegseth em Bruxelas, coisa que nunca aconteceu nas dezenas de encontros deste tipo, desde a invasão russa da Ucrânia, a 24 de Fevereiro de 2022, Trump dá um sinal evidente de que os ucranianos foram longe demais ao atacar a tríade nuclear da Federação Russa.

Ainda assim, a única indicação da Casa Branca directa sobre este contexto dramático, partiu da porta-voz, Karoline Leavitt, que disse aos jornalistas que o Presidente Trump mantém abertura para estar presente em Istambul num encontro onde estejam igualmente Vladimir Putin, que anda não recusou essa possibilidade, e Volodymyr Zelensky, que já disse estar disponível para esse momento.

Pode é não estar com o mesmo humor que mostrou nas últimas semanas, onde mudou o discurso de uma aproximação a Putin para uma postura mais simpática com Zelensky, porque ao manter, pela primeira vez, o secretário da Defesa dos EUA ausente do encontro de 50 ministros da Defesa em Bruxelas onde normalmente se desenham novos apoios a Kiev, Washington está a enviar uma mensagem de forte descontentamento.

Além de mostrar incómodo com Kiev, Trump está igualmente a mostrar que não está a gostar da postura dos países europeus que, aparentemente, estão a engendrar manobras de adiamento sobre o aumento dos gastos na Defesa nos seus orçamentos, que os EUA querem ver subir para pelo menos 5%...

E o sinal é de tal modo evidente que Pete Hegseth, que, garante a publicação norte-americana Politico, não vai estar no encontro dos aliados de Kiev esta quarta-feira, 04, estará em Bruxelas para um encontro da NATO, um dia depois, na quinta-feira, 05

Com este gesto, Washington mostra também que está em vigor o processo de passagaem de testemunho da liderança da frente internacional de apoio à Ucrânia dos EUA para os europeus, com Londres, Berlim e Paris a assumir esse papel.

Um dos pontos que estará oficial ou oficiosamente em cima da mesa de trabalho dos 50 amigos de Kiev são as declarações do antigo Presidente russo e vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitri Medvedev, o mais vocal dos dirigentes russos, que veio avisar que Moscovo, a propósito dos ousados ataques ucranianos, "vai retaliar e o que tiver de ser destruído será destruído"

"A resposta russa será inevitável", disse, citado pela RT, Medvedev, respondendo à vaga de pedidos nas redes sociais russas de uma resposta dura contra Kiev, aludindo a que já está em curso uma ofensiva russa na região de Sumy (Norte) que continuará a avançar e que fará explodir tudo o que for para explodir e aqueles (responsáveis) que tiverem de ser eliminados serão eliminados".