Nesta Cimeira Quadripartida estão Chefes de Estado e de Governo da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), da Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC), da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL) e da Comunidade da África Oriental (CAO, estado ainda as Nações Unidas como observador atento ao que for aqui decidido sobre, entre alguns dos assuntos mais candentes no continente, o caso da turbulência guerrilheira no leste da RDC.

Sobre esta Cimeira de Luanda, o ministro das Relações Exteriores angolano, Téte António, definiu-a como histórica ao juntar as quatro organizações sub-regionais, agregando dezenas de países a este esforço ao qual aderiram também a União Africana e a ONU.

Neste encontro de alto nível, os Chefes de Estado e de Governo e os seus representantes deverão aprovar um documento final com as indicações e decisões tomadas, bem como um plano director que permita dar uma solidez às decisões e a implementação das decisões.

Com o foco principal na situação dramática criada pela acção da guerrilha do M23 no leste congolês, e a sua abrangência regional devido às acusações do Goverbo da RDC, sustentadas em documentos oficiais da ONU, ao vizinho Ruanda de estar por detrás do apoio logístico e em material militar aos rebeldes, esta Cimeira, que em como anfitrião o Presidente João Lourenço, deverá insistir no desmantelamento total desta organização.

Mas não só do M23 se alimenta o receio de instabilidade na região, porque os Grandes Lagos estão há já alguns anos a ser um novo campo de expansão do terrorismo islâmico com a guerrilha ugandesa da Aliança das Forças Democráticas (ADF) a submeterem-se ao estado islâmico", e com acções de extrema violência a espalharem o terror tanto no Uganda como no leste da RDC.

Alias, este é um dos pontos mais relevantes quando se discute a violência que já fez milhões de deslocados na sub-região, milhares de vítimas e a perpétua instabilidade que impede o desenvolvimento, serve de rastilho a novos conflitos localizados e abre caminho para as graves epidemias de ébola, cólera ou outras que varrem periodicamente a região.

O leste da RDC, constituído pelas províncias dos Kivu, Norte e Sul, e Ituri, tem mais de três dezenas de grupos armados, de milícias camponesas a guerrilhas com décadas de actividade, que garantem e consolidam o sub-desenvolvimento de um dos países com mais recursos naturais em todo o mundo.

Mas um dos focos principais e com maior lastro de risco de um confronto entre Exércitos regulares, reside no confronto de acusações entre Kigali e Kinshasa, como ficou claro recentemente quando a RDC voltou a apresentar uma quiexa contra o Ruanda no Tribunal Penal Internacional (TPI).

Esta não é a primeira vez que a RDC acusa o Ruanda e os guerrilheiros do M23 de crimes cometidos no seu território, nas províncias do leste, especialmente no Kivu Norte, mas é a primeira iniciativa do género que visa a pilhagem dos recursos congoleses através de uma coligação de interesses entre ruandeses e rebeldes.

Segundo avançam os media congoleses e internacionais, esta acusação levada ao TPI, com sede em Haia, nos Países baixos, pela RDC é mais uma tentativa de travar esta coligação entre as Forças Armadas do Ruanda (RDF, sigla em inglês) e os rebeldes do M23 (ver links em baixo nesta página), que há muito se sabe, através de relatórios da própria ONU, que mantém ligações que visam a exploração de minérios no leste congolês, especialmente diamantes, ouro e coltão.

Acabar com a violência nesta martirizada região, que vive desde meados da décadas de 1990 sob um domínio sangrento de dezenas de grupos armados, guerrilhas e milícias, é uma prioridade absoluta, porque, como sublinhou esta semana o representante especial do Secretário-Geral da ONU para a RDC, Bruno Lemarquis, este país vive "a crise humanitária mais negligenciada do mundo".

Existem na RDC mais de 6,3 milhões de deslocados internos a precisar de apoio humanitário urgente e continuado, estando este número a aumentar em contínuo, além dos milhões que estão refugiados nos países vizinhos, milhares deles ainda em Angola.

Contexto

As localidades do Kivu Norte, província do leste da República Democrática do Congo, que já deviam estar sem rebeldes do M23, se fossem cumpridos os vários acordos, com destaque para o Acordo de Luanda, assinado em Novembro de 2022, bem mais importante pelo envolvimento de diversos Chefes de Estado e organizações regionais, continuam ensombradas pelas presença desta guerrilha apoiada pelo Ruanda, como o prova um relatório das Nações Unidas.

Face a esta escassa ou nula evolução no terreno do que está contido no documento assinado na mini-Cimeira de Luanda de 23 de Novembro do ano passado, que os rebeldes começaram por dizer que não iriam cumprir, os Estados Unidos voltaram a fazer um veemente pedido ao Ruanda para acabar com o "apoio" ao M23, e à RDC para extinguir o apoio à guerrilha contrária ao regime ruandês, as FDLR (Forças Democráticas de Libertação do Ruanda), como o Governo de Kigali tem insistido que existe.

Na denominada mini-Cimeira de Luanda ficou estipulado, no documento assinado por todas as partes, que os rebeldes do M23 seriam sujeitos a um calendário concreto para retirarem das áreas tomadas de forma violenta no leste congolês até 15 de Janeiro deste ano.

Este encontro na capital angolana, a 23 de Novembro de 2022, contou com a presença dos Presidentes da RDC, Félix Tshisekedi, e do Burundi, Évariste Ndayishimiye, enquanto líder da Comunidade de Países do Leste africano (EAC), o ministro dos Negócios Estrangeiros do Ruanda, Vincent Biruta, além do anfitrião, João Lourenço, que lidera a Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos (CIRGL).

Por detrás de todo este recrudescer da violência nas já de si massacradas províncias do leste congolês, Kivu Norte, Kivu Sul e Ituri, onde se desenrola em trágico contínuo, desde a década de 1990, uma tempestade de violência protagonizada por dezenas de grupos guerrilheiros, criados no húmus do genocídio de 1994 no Ruanda, está o apoio, assim o diz o Governo de Kinshasa, o apoio do Exército e dos serviços secretos ruandeses ao M23, com o objectivo de manter a região desestabilizada.

Desde finais de 2021 que se assiste a uma reorganização do Movimento 23 de Março, abreviado para M23, com moderno equipamento militar, com avanços sólidos na região, assumindo o controlo de dezenas de localidades de uma das mais ricas zonas do mundo em recursos minerais estratégicos - coltão, cobalto, terras raras, ouro, diamantes... -, tendo em meados de 2022 acontecido uma aceleração vertiginosa das acções destes rebeldes.

O M23, tal como outras guerrilhas, nasceu no seio da etnia Tutsi ruandesa, o alvo referencial do genocídio de 1994 perpetrado pela maioria Hutu, e hoje é acusado pelo Governo de Tshisekedi de estar a ser financiado e a contra com apoio logístico do Ruanda, embora não seja muito claro o porquê de tal apoio, que é refutado pelo Presidente ruandês, Paul Kagame, embora este se tenha comprometido com Tshisekedi e João Lourenço a usar a sua influência junto dos lideres da guerrilha para os conduzir a negociações.

Uma das teses mais sólidas para justificar o "apoio" de Kigali aos M23 na sua "conquista" de territórios no leste da RDC - os guerrilheiros dizem que se estão a defender das milícias de origem Hutu - é que, com a sua presença, as forças congolesas e as autoridades se mantêm afastadas da área onde, por isso, mais facilmente, são explorados os seus recursos naturais, nomeadamente o coltão, que os relatórios de organizações internacionais, apontam como facto que o Ruanda é hoje um exportador deste minério essencial na economia mundial, especialmente do universo das novas tecnologias, sem que tal exista no seu subsolo, pelo menos em quantidades comerciais.

Agora, quando a generalidade dos prazos definidos no acordo de Luanda, um roteiro com etapas bem salientes para cumprir por parte dos rebeldes, a EAC e o Governo de Kinshasa estão a, de novo, acusá-los de não estarem a sair das localidades como previsto, dando como exemplo as localidades de Rumangabo e Kishishe, mo território de Rutshuru, no Kivu Norte.

Segundo a rádio das Nações Unidas na RDC, que faz parte da MONUSCO, uma das mais pesadas missões da ONU em todo o mundo, a Radio Okapi, a EAC tem oficiais no terreno de forma a verificar o cumprimento dos acordos, nas próximas horas, podendo mesmo começar já nesta sexta-feira.

Algumas fontes locais citadas pelos media congoleses dizem que a lentidão do processo de retirada é ma manobra táctica dos rebeldes do M23 que lhes permite, na verdade, manter as áreas que consideram essenciais, enquanto vão fazendo de conta que estão a cumprir o Acordo de Luanda.

As razões de fundo para este conflito

O leste do Congo é uma das regiões mais ricas do mundo em recursos naturais estratégicos, desde logo o coltão e o cobalto, dois minerais incontornáveis para as novas industrias tecnológicas e aeronáutica de ponta, sem as quais toda a parafernália tecnológica de comunicações, como os simples smartphones, não existiria tal como a conhecemos, sem o coltão, e a indústria que exige a aplicação de baterias, como a dos automóveis eléctricos, seria algo muito distinto do que é hoje sem acesso ao cobalto, sendo ainda abundantes as denominadas terras raras, com igual uso nas novas tecnologias, o ouro ou os diamantes.

E a piorar o cenário, como combustível para esta fogueira, a RDC possui as maiores reservas do mundo de coltão e cobalto, mais de 80% de um e de outro, quase em exclusivo presentes no leste do país, sendo esta geografia geradora de grandes "apetites" pelas multinacionais do sector, que, segundo ONG"s internacionais de defesa dos Direitos Humanos, usam as guerrilhas para explorar sem controlo estas jazidas, afastar populações ou aterrorizar as forças do Estado que procuram chegar a estas "terras de ninguém" assoladas pela mais hedionda violência.

Mas também os vizinhos, como o Ruanda, desde sempre exploram estas riquezas de forma encapotada, porque, como chegou a ser denunciado publicamente por organizações internacionais, não existem depósitos de coltão no país mas este aparece como um dos grandes exportadores mundiais deste minério estratégico.

A par da questão dos recursos naturais congoleses nos Kivu Norte e Sul, existem ainda questões de natureza territorial com potencial incendiário na região, desde logo por razões étnicas, ou de sobrepopulação, sendo o Ruanda o que apresenta a maior densidade populacional na África continental, sendo apenas ultrapassado pelas Maurícias e Mayotte, pequenas ilhas francesas situadas entre Madagáscar e Moçambique, no Índico.

Este cenário conduz, desde logo, a uma situação em que o Ruanda, um país pequeno, hiperpovoado - mais de 400 pessoas por km2 -, mas um dos mais ricos e desenvolvidos em África do ponto de vista organizacional e económico, se vê fortemente tentado, segundo alguns analistas, a alargar a sua territorialidade para oeste, onde o leste congolês é hoje uma espécie de terra de ninguém, com fraca presença do Estado e dominado por guerrilhas e interesses obscuros ligados às suas riquezas naturais.

É de ter ainda em consideração que o Ruanda foi palco, em 1994, de um trágico episódio, conhecido como o genocídio ruandês, em que mais de 800 mil tutsis, a minoria étnica, foram massacrados com extrema violência, pela maioria Huto.

Este episódio histórico trágico levou a que largas centenas de milhares de ruandeses procurassem segurança na vizinha RDC, onde surgiram, nesse momento, algumas das guerrilhas mais activas, como a Frente Democrática de Libertação do Ruanda (FDLR) que vingou até hoje no leste congolês, sendo, juntamente com a ADF ugandesa, de génese islâmica, actualmente sob domínio do estado islâmico, e o M23, as mais sanguinárias.

Ver links em baixo nesta página para revisitar a cobertura do Novo Jornal à persistente crise no leste da RDC