A proposta foi feita pelo ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, nos derradeiros momentos da 78ª Assembleia-Geral da ONU, que começou a 18 de Setembro e termina esta terça-feira, 26.
Lavrov fez esta proposta com um tom de resposta para um problema e ironia, porque os países europeus, no contexto do seu apoio robusto, tanto político como material, à Ucrânia na guerra com a Rússia, têm acusado Moscovo, depois de sair do acordo dos cereais do Mar Negro, de provocar insegurança alimentar no mundo, com especial destaque no continente africano.
Aproveitando o conflito de interesses entre a Ucrânia, que é um dos maiores exportadores de cereais do mundo, e os países europeus vizinhos que proibiram a entrada de cereais ucranianos mais baratos - também porque Bruxelas retirou as taxas alfandegárias de forma a ajudar ao escoamento ucraniano -, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros propôs a Bruxelas que resolva o problema comprando os grãos que a Ucrânia tem em excesso e os envie para África, resolvendo assim aquilo que os europeus chamam de problema alimentar.
Recorde-se que a Rússia e a Ucrânia tinham em vigor, desde Julho de 2022 acordos simultâneos mas independentes com a Turquia e as Nações Unidas de forma a manter um corredor no Mar Negro para trânsito de navios graneleiros com os cereais ucranianos e russos, mas que a Rússia, alegando incumprimento pelos países ocidentais da parte que beneficiava Moscovo, retirou-se em Julho do acordo, voltando a impedir a saída dos navios dos portos ucranianos.
Face a este impasse, os aliados da Ucrânia na guerra que este país trava com a Rússia desde Fevereiro de 2022, directamente, e desde 2014, indirectamente, através das milícias do Donbass, têm insistido na acusação à Rússia de estar a contribuir para a insegurança alimentar no mundo e em África com ais assertividade, embora o Presidente russo, Vladmir Putin, tenha anunciado logo após o interrupção da navegação, que iria fornecer gratuitamente grãos a seis países africanos mais débeis no capítulo alimentar.
Lavrov aproveitou ainda para lembrar que a União Europeia "gasta milhares de milhões de USD com a Ucrânia, também pode muito bem comprar os seus cereais que não consegue escoar, devido aos problemas com os seus estados-membros e Kiev, e entregá-los aos países africanos onde dizem que está a haver problemas alimentares".
A Rússia tem sublinhado insistentemente que as sanções ocidentais sobre o seus sector agrícola deveriam ser levantadas no âmbito do acordo do Mar Negro mas que isso nunca chegou a acontecer, nomeadamente na questão da reintegração do seu Banco da Agricultura no sistema SWIFT, além de acesso aos portos europeus pelos seus navios.
A guerra sem fim... à vista
Aparentemente, este problema só será, agora, resolvido com o fim do conflito entre ucranianos e russos, mas isso parece não estar para breve, apesar de novas propostas de mediação, com os mais recentes a serem os sauditas, juntando-se a uma extensa lista onde estão o Vaticano, a China, a União Africana, o Brasil, a Indonésia...
E também não parece que a 78ª AG da ONU tenha permitido que algo de novo surgisse nesse capítulo, embora tenha ficado claro que o apoio à Ucrânia tenha já visto melhores dias, como o viu o Presidente Volodymyr Zelensky, especialmente quando tentou e não conseguiu discursar no Congresso dos EUA.
E também os russos não parecem estar para insistir numa solução impossível, porque, segundo Lavrov, tanto Kiev como os seus aliados ocidentais estão apostados em conseguir uma derrota da Rússia no campo de batalha.
"Se os aliados ocidentais da Ucrânia pretendem uma solução para o conflito no campo de batalha, pois que assim seja", apontou Sergei Lavrov, que acrescentou estar claro que "ninguém no ocidente) quer perceber o que se passa (na guerra) e os que percebem não o dizem em público".
Acusando os países ocidentais liderados pelos EUA de serem "um império de mentiras", no seu discurso no púlpito da 78ª Assembleia-Geral (onde falou depois de todos os restantes principais actores, como Zelensky, Joe Biden, Lula da Silva... ver links em baixo nesta página), acrescentando que os seus "subordinados ocidentais" e Washington estão empenhados em "dividir artificialmente a Humanidade em blocos hostis" de forma a garantir que o mundo se rege pelas suas "regras autocentradas".
Apesar de garantir que Moscovo está preparado para resolver o problema da guerra no campo de batalha, o chefe da diplomacia russa reiterou que existe no Kremlin uma disponibilidade total para negociar com a Ucrânia, mas voltou a dizer que as conhecidas propostas de Kiev, como os dez pontos do Presidente Zelensky "são irrealistas e todos sabem que o são" mas insistem, os países ocidentais, em dizer que esse é o caminho.
Lavrov garante que Moscovo está disponível para negociar mas não está em cima da mesa qualquer possibilidade de aceitar um cessar-fogo.
No seu discurso na AG da ONU; o ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa voltou a fazer um périplo pela história deste conflito, chamando a atenção para as promessas e compromissos terraplanados pelo ocidente após o fim da Guerra Fria com o colapso da URSS, especialmente sobre os avanços geográficos da NATO, os acordos de Minsk, ou o apoio declarado de Washington ao golpe de Estado de 2014, em Kiev, que destituiu do poder um Presidente, Viktor Yanukovych (pró-russo) eleito legitimamente.
Recusando a tese ocidental de que a guerra começou em Fevereiro de 2022, Lavrov fez um longo percurso falado pelo que sucedeu desde a independência da Ucrânia da União Soviética, acusando o "ocidente colectivo" de ter apoiado e ajudado a preparar esta guerra, desde o golpe de 2014 aos acordos de Minsk, que, mais tarde, tanto a ex-chanceler alemã, Angela Merkel, como o antigo Presidente francês, François Hollande, serviram apenas para permitir a Kiev rearmar-se e preparar-se militarmente, com o apoio ocidental, para uma guerra com a Rússia.