Desde que o acordo assinado com a Ucrânia e a Rússia, à vez, pela ONU e pela Turquia, a 22 de Julho, abriu as vias marítimas do Mar Negro aos milhões de toneladas de cereais estagnados nos silos dos portos da costa ucraniana, 33 navios cerealíferos rumaram ao estreito do Bósforo, na Turquia, que permite ao acesso aos mares globais, mas apenas um chegou ao Corno de África, onde mais falta faz o trigo, o milho e o óleo de girassol ucranianos.

Nos 33 navios que zarparam dos portos ucranianos do Mar Negro, mais de 720 mil toneladas de cereais foram descarregados nos mercados mundiais de alimentação, mas a fome no continente africano, com a morte registada de milhares de crianças, que serviu de justificação fulminante para pressionar a Rússia - que invadiu a Ucrânia a 24 de Fevereiro - a abrir as vias marítimas do Mar Negro, onde mantém a sua poderosa frota naval de guerra, aparece cada vez mais como prioridade secundária, chegando apenas um navio ao porto de Djibuti, fretado pelas Nações Unidas.

Aos 33 navios que já deixaram os portos ucranianos, o Centro de Coordenação Conjunta de Istambul, onde é feita a inspecção às suas cargas, informa que estão mais 18 prontos a carregar, principalmente no Porto de Odessa, a maior cidade costeira ainda na posse de Kiev.

No mês de Agosto, o Ministério da Agricultura ucraniano admite que possam chegar aos mercados globais de cereais mais 4 milhões de toneladas produzidos na Ucrânia.

Mas a África, depois da pressão exercida sobre a Rússia, e sobre as Nações Unidas, pouco ou nada está a chegar, sendo os rentáveis mercados da Europa e do Médio Oriente os destinos principais dos cereais ucranianos.

Mas os efeitos das alterações climáticas não dão descanso às populações da parte oriental de África e do Sahel, estando, segundo dados do UNICEF, actualmente, mais de 16 milhões de pessoas sem acesso a água potável.

O número de pessoas sem acesso a água potável na Etiópia, Quénia e Somália aumentou de 9,5 milhões para 16,2 milhões em apenas cinco meses, alertou em comunicado o Fundo das Nações Unidas para a Infância.

A situação de urgência humanitária afecta ainda as crianças da região do Sahel, acrescenta a agência das Nações Unidas, citada pela Lusa.

"As crianças no Corno de África e no Sahel poderão morrer em número muito elevado, caso não seja prestada assistência urgente, numa altura em que a subnutrição grave e o risco de doenças transmitidas pela água se sobrepõem", adverte a Unicef, que divulga o comunicado na Semana Mundial da Água.

Registos anteriores demonstram que quando níveis elevados de subnutrição aguda grave em crianças ocorrem ao mesmo tempo de surtos de doenças mortais como a cólera ou a diarreia, a mortalidade infantil aumenta dramaticamente - e tragicamente. "Quando a água não está disponível ou não é segura, os riscos para as crianças multiplicam-se exponencialmente", afirma a directora-executiva da Unicef, Catherine Russell, citada na nota.

"No Corno de África e no Sahel, milhões de crianças estão apenas a uma doença de distância de uma catástrofe", continua Catherine Russel.

No Burkina Faso, Chade, Mali, Níger e Nigéria, a seca, os conflitos armados e a instabilidade "estão a originar uma situação de insegurança no acesso a água, com 40 milhões de crianças a enfrentar níveis elevados a extremamente elevados de vulnerabilidade hídrica".

"De acordo com os últimos dados da OMS [Organização Mundial de Saúde], já morrem mais crianças em consequência de água e saneamento inseguros no Sahel do que em qualquer outra parte do mundo", lê-se no comunicado.

A nota salienta ainda que mais de 2,8 milhões de crianças nas duas regiões - Corno de África e Sahel -, "já sofrem de subnutrição aguda grave, o que significa que correm até 11 vezes mais risco de morte por doenças transmitidas pela água, do que as crianças bem nutridas".

A Unicef salienta que dispõe apenas de 3% do financiamento necessário para prosseguir "assistência vital e serviços multissectoriais resilientes às crianças e às suas famílias que precisam urgentemente de ajuda em todo o Corno de África e no Sahel".

"Deste montante, a verba destinada à assistência em matéria de água, saneamento e resiliência climática é muito reduzida. O apelo para a resposta às necessidades das crianças e famílias vulneráveis em matéria de água, saneamento, e programas de higiene na região do Sahel central está financiado em apenas 22%", frisa a organização.

A ajuda que as crianças das duas regiões carecem inclui "a melhoria de acesso a água resistente às condições climáticas, serviços de saneamento e higiene, perfurações para a criação fontes fiáveis de águas subterrâneas, desenvolvimento da utilização de sistemas solares, rastreio e tratamento de crianças com subnutrição, e ampliação dos serviços de prevenção", conclui a Unicef.