Estes apelos surgem numa altura em que o mundo que se revela de ano para ano mais multipolar, com o crescimento da importância de organizações regionais, como a União Africana ou a própria ASEAN, visto que a União Europeia já tem lugar à mesa das mais importantes, como o G7 ou o G20, ou político-económicas, como os BRICS, além das militares, como a NATO ou a OTSC (países da antiga URSS).
A insistência de António Guterres em abrir a porta do Conselho de Segurança da ONU à União Africana, à Índia e ao Brasil é claramente uma forma de travar o declínio da relevância deste órgão que conta desde o fim da II Guerra Mundial com EUA, Rússia, China, França e Reino Unido, correspondendo a uma realidade global da época mas que hoje não corresponde e onde o planeta está sub-representado, como é reconhecido por todos mas que tarda a acontecer a esperada alteração.
E se a entrada de novos representantes da Humanidade no Conselho de Segurança da ONU é visto como uma questão de tempo, mais intrincada aparece a questão do acordo dos cereais do Mar Negro, que entre Outubro de 2022 e Julho (ver links em baixo nesta página) deste ano permitiu que os cereais e fertilizantes ucranianos e russos usassem um corredor no Mar Negro para o transporte naval até aos mercados internacionais.
Isto, porque desde que a Rússia suspendeu o acordo, em Julho último, as milhares de toneladas que diariamente saiam da Ucrânia deixaram de alimentar os mercados internacionais, provocando aumento dos preços, o que se reflecte negativamente com mais incidência junto dos países mais pobres e entre estes, especialmente entre os africanos.
Face a este estrangulamento alimentar, a Rússia, através de um acordo com a Turquia e o Catar, vai começar em breve a enviar cargas de cereais para os países africanos mais carecidos e em especial para um grupo de seis Estados a quem Moscovo se comprometeu já a fazer chegar cereais e fertilizantes gratuitamente.
Mas a solução encontrada por russos, turcos e cataris não satisfaz o Secretário-Geral da ONU, porque para António Guterres, só a reabertura desta via humanitária entre os protos ucranianos e o estreito de Istambul e, daí, para o mundo, garante um fornecimento contínuo de alimentos e fertilizantes que pode prevenir catástrofes alimentares a prazo.
Mas isso só será possível quando a Rússia o permitir, porque a sua marinha domina totalmente o Mar Negro na rota entre a Ucrânia e o resto do mundo, e mantém os portos controlados por Kiev sob permanente fogo de artilharia, misseis e drones.
E o Kremlin só o vai permitir quando o acordo assinado em Julho de 2022, que entrou em vigor em Outubro desse ano, for totalmente cumprido, o que não chegou a ser feito desde o início porque se mantiveram as restrições impostas pelas sanções da União Europeia e dos EUA à Rússia desde o início da guerra quanto ao acesso aos seguros das embarcações que levam cereais e fertilizantes russos para o mundo, o acesso ao sistema SWIFT de pagamentos internacionais pelo seu Banco da Agricultura e ainda a abertura e acesso aos portos europeus dos seus navios granoleiros e a importação de tecnologia agrícola, entre as mais importantes.
Embora o acordo em causa só tenha sido assinado pela Rússia com a Turquia e as Nações Unidas, este consubstanciava um papel de grande relevância a turcos e à ONU no sentido de levar os países ocidentais a amolecer as sanções no que toca ao transporte de alimentos russos, como a questão dos seguros, reincluir a banca russa no sistema SWIFT...
Tal, apesar de o Kremlin ter aceitado prorrogar o acordo por três vezes, sempre sob a ameaça de o interromper de vez, o que acabou por suceder em Julho deste ano, a União Europeia e os EUA, apesar de terem assumido esse compromisso com a Turquia e a ONU, nunca o cumpriram.
Face a este cenário, osecretário-geral da ONU disse em Jacarta, na Indonésia, à margem da ASEAN, que a organização que chefia está "profundamente empenhada" em retomar a iniciativa do Mar Negro.
E acrescentou que continua "activamente empenhado" em consegui-lo, destacando a questão dos mercados financeiros e no que está mais relacionado com a exportação dos seus grãos e fertilizantes.
"Prosseguem esforços para criar garantias mútuas que permitam a solução do problema", acrescentou na capital indonésia, tecendo igualmente duras críticas a Moscovo, sublinhando, citado pela Lusa, que as dificuldades que enfrenta para ter a boa vontade de outros parceiros à volta do mundo, "aumentam dramaticamente quando a Federação Russa bombardeia portos e armazéns de cereais"
E explicou porquê: "Porque isso cria a dúvida se a Rússia está ou não preparada para retomar a iniciativa do Mar Negro. E isso cria alguma resistência noutros países".
África no Conselho de Segurança da ONU e no G20
Guterres, como avnaç a Lusa, defendeu ainda em Jacarta uma representação de África no Conselho de Segurança e apoiou os esforços da Índia para a União Africana aderir ao grupo das 20 principais economias (G20).
"Apoio fortemente a presença dos países africanos [nas instituições internacionais), pelo menos um como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU", disse António Guterres.
O antigo primeiro-ministro português lembrou que na altura em que a arquitectura global actual foi criada, África tinha poucos países independentes "e a maioria estava sob regimes coloniais".
"África está sub-representada nas actuais estruturas internacionais", afirmou numa conferência de imprensa à margem da 43.ª Cimeira da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN).
Guterres congratulou-se, por isso, com os esforços da Índia para que a União Africana possa aderir ao G20, que reúne 19 países e a União Europeia.
"É claro que ficaria muito feliz em ver a União Africana tornar-se membro do G20", afirmou.
A Índia, que lidera o G20 este ano, está a envidar vários esforços para que a União Africana se torne membro do G20.
O governo indiano considerou que a adesão da União Africana ao G20 pode incentivar os debates e os esforços para ultrapassar vários problemas dos países do Sul Global.
A próxima cimeira do G20 vai realizar-se em Nova Deli no próximo fim de semana.