Ao núcleo fundador, Brasil, Rússia, Índia e China, em 2009, juntou-se, dois anos depois, a África do Sul, criando uma plataforma que iria sustentar a evolução desta organização que abarca os cinco continentes e já garante, sem qualquer dúvida, toda a atenção das capitais ocidentais.

Esse alargamento ao Irão, Arábia Saudita, EAU, Egipto e Etiópia ficou decidido em 2023, na 15º Cimeira de Joanesburgo, e agora, em Outubro de 2024, em Kazan, Rússia, é organicamente consolidado e abre a porta a mais 10 países, incluindo a surpresa Turquia, com estatuto de associados.

Olhando para o que dizem os analistas ocidentais, quase em uníssono, é que o ocidente, que tem no G7, o grupo dos sete países mais industrializados do ocidente, a sua plataforma mais representativa, claramente está a ser ofuscado pela exponencial importância dos BRICS.

BRICS vs G7

O G7 - EUA, Alemanha, Japão, Canadá, Reino Unido, França e Itália - que apreciam que deles se diga serem os sete mais ricos do mundo, embora isso já esteja longe de ser a verdade toda, tem procurado ignorar a existência dos BRICS, e isso é evidente olhando para os media ocidentais, que só em esforço se referem ao arranque da Cimeira de Kazan.

Especialmente para os EUA, esta Cimeira é um desafio porque esta organização já é uma plataforma de influência geoestratégica que, no mínimo, ombreia com o G7 e as suas organizações.

E não querem ficar por aí, porque os seus membros fundadores não escondem que um dos objectivos é implodir a Ordem Mundial baseada nas regras impostas pelo ocidente após a II Guerra Mundial, de forma a no seu lugar fazer crescer outra que seja baseada na cooperação entre iguais.

Alias, os BRICS são o instrumento mais poderoso do eixo Moscovo-Pequim-Nova Deli para terraplanar essa ordem mundial como o afirmaram já os Presidentes russo e chinês, Vladimir Putin e Xi Jinping.

Os BRICS em números

Senão vejamos esta realidade em construção em números compilados pelo filósofo e professor universitário português Viriato Soromenho Marques, na sua coluna de opinião no jornal português Diário de Notícias, onde demonstra que os BRICS já valem mais em PIB - PPC ( Paridade do Poder de Compra - PPC)

Comparando o peso do G7 e dos BRICS no PIB PPC, Soromenho Marques concluiu que ocorreu uma mudança dramática entre 2000 e 2024, com o G7 a passar de 43,28% do PIB PPC global para 29,64%, enquanto os BRICS, no mesmo período, subiam dos 21, 37% para 35,43%, passando de forma acelerada os mais ricos ocidentais.

Alias, toda a retórica de afirmação dos BRICS é, ou quase toda, sustentada na ideia de que esta organização representa os mais pobres ou em via de desenvolvimento do "Sul Global" contra a hegemonia elitista e privilegiada do "Ocidente Alargado" que impede a ascensão do "Hemisfério desprotegido".

Mas não apenas nos números esta realidade ganha peso e sustentabilidade, porque, como nota Soromenho Marques, no plano mais fino da ciência e tecnologia (C&T), os resultados são ainda mais surpreendentes, como o demonstra um estudo do Australian Strategic Policy Institute, um think-tank ligado ao governo de Camberra.

Esta alteração fica clara quando se analisam os países que lideram a C&T em 64 áreas críticas para o futuro: a defesa, o espaço, a energia, o ambiente, a inteligência artificial (IA), biotecnologia, robótica, cibernética, computação, materiais avançados e áreas-chave da tecnologia quântica.

Ou seja, em 2003, os EUA lideravam em 60 das 64 tecnologias, mas em 2023, lideram apenas em sete, quando a China, pelo contrário, passou do lugar da frente em três tecnologias (2003) para 57 das 64 tecnologias em 2023 e outros países dos BRICS têm lugar destacado: a Índia está entre os cinco primeiros países em 45 das 64 tecnologias, o Irão em oito, a Arábia Saudita em quatro...

O desafio a que Washington não quer dar relevância

Para os EUA e a Europa Ocidental esta Cimeira de Kazan é um desafio ainda e também porque o que sairá da Rússia, se não acontecer um cataclismo geoestratégico global, é a plataforma de influência geoestratégica mais robusta do mundo, o que, para se perceber, basta colocar um mapa mundi em cima da mesa e nele colocar alfinetes coloridos em cima dos países fundadores, do alargamento e dos candidatos à entrada.

E uma das medidas em cima da mesa dos BRICS é destronar o dólar norte-americano como moeda franca global, passando a transaccionar entre eles nas suas moedas nacionais, para já, e a prazo criando uma moeda para servir de pagamento entre os 10 membros plenos da organização.

Mas a economia não é o único pilar desta plataforma global. Como os registos permitem revisitar com facilidade, antes de chegar aqui, os BRICS procuraram resolver problemas bilaterais, ou ainda mais alargados, entre os membros e os futuros e prováveis membros.

Primeiro, Moscovo e Pequim colocaram todo o seu poder de fogo diplomático na aproximação entre sauditas e iranianos, que reataram as relações diplomáticas depois de décadas de azedume, e agora, nas vésperas desta 16ª Cimeira dos BRICS, foram os dois gigantes asiáticos, a China e a Índia, que anunciaram ao mundo a resolução definitiva do histórico e abrasivo problema fronteiriço nos Himalaias.

São perto de 20 mil elementos das 30 delegações nacionais que vão estar de hoje, terça-feira, 22, a quinta, 24, em Kazan, para definir o futuro desta organização e, sem dúvida, de uma boa parte do que vai ser a Humanidade nas próximas décadas

O acidente caseiro de Lula

Além dos Presidentes e Chefes de Governo dos agora 10 países membros de pleno direito, embora o brasileiro Lula da Silva o vá fazer por videoconferência depois de uma acidente caseiro que o impediu de viajar à última da hora, vão estar mais 20, quase todos ao mais alto nível, no que fará desta Cimeira uma das mais abrangentes do mundo fora as organizadas pelas Nações Unidas.

Os membros efectivos dos BRICS, além do peso económico e geoestratégico já referido, representam ainda 46 por cento da população global, estando em cima da mesa de trabalho para estes três dias a análise às cerca de 30 candidaturas para entrada no futuro breve, estando a correr pelos media internacionais a vontade da Turquia aderir.

O interesse de Ancara é um dos mais surpreendente visto que se trata de um membro de peso da NATO, a aliança militar liderada pelos Estados Unidos da América é que tem, pela voz dos seus dirigentes, na Rússia e na China os seus inimigos de estimação.

Temas estes que vão ser naturalmente debatidos nas sessões normais de trabalho mas também nas dezenas de encontros bilaterais previstos, nomeadamente os de Vladimir Putin com o Presidente chinês Xi Jinping, com o primeiro-ministro indiano Narendra Modi, Lula da Silva (à distância), Cyril Ramaphosa, da África do Sul... Abdel El-Sissi, do Egipto, e igualmente entre estes...

Os objectivos pelo poder de síntese chinês

E a síntese do objectivo principal, mesmo que sem esse fito, foi feita pela prota-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, Lin JIan, que disse que Pequim está totalmente empenhada em "trabalhar com todas as partes para um desenvolvimento sólido e sustentável da cooperação dentro dos BRICS, abrindo ma nova era para o Sul Global encontrar o seu caminho e fortalecer a solidariedade, promovendo em conjunto a paz e o desenvolvimento globais".

Depois de em Moscovo, o Kremlin ter, nos últimos dias, reforçado a ideia de que esta Cimeira dos BRIC não é contra ninguém, que visa criar condições de desenvolvimento harmonioso no mundo, sem privilegiados, com base na cooperação, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, publicou na rede social X que para Nova Deli este encontro "tem imensa importância" para definir um novo paradigma de desenvolvimento global.

Além dos cerca de 40 países representados nesta Cimeira de Kazan, que não deixou de ser aproveitada por Moscovo para mostrar ao mundo que a Rússia, apesar das sanções ocidentais no contexto da guerra na Ucrânia, não está isolada, nesta vão participa ainda seis organizações internacionais, incluindo as Nações Unidas, com o seu Secretário-Geral a reunir com Putin na quinta-feira.

António Guterres vai estar, assim, pela primeira vez na Rússia deste a invasão da Ucrânia, e, algumas fontes, admitem que o chefe da ONU e o chefe do Kremlin poderão criar ali novos corredores para uma saída negociada para o conflito no leste europeu.