Um ataque à Ponte da Crimeia já tinha sido anunciado, na forma de ameaça, pelas autoridades de Kiev, que ao longo dos quase oito meses de conflito foram advertindo para que algo deste género iria acontecer, ao mesmo tempo que os russos advertiam que um ataque sobre a infra-estrutura que foi terminada em 2019, para garantir a ligação "terrestre" entre a Crimeia e a Rússia continental, numa distância de 19 quilómetros, seria um momento de viragem, em escala, na forma de condução desta guerra.
Embora não tenha sido feita uma reivindicação formal do atentado por KIev, o conselheiro principal do Presidente Volodymyr Zelensky, Mikhail Podoliak, já veio confirmar que foi uma operação organizada por ucranianos e deixou ainda uma segunda linha de ameaça: "Isto é apenas o início!".
Início deve ser lido como a reconquista de todo o território ucraniano tomado pela Rússia, como, de resto, o próprio Mikhail Podoliak já tinha, por diversas vezes, avisado que é o objectivo ucraniano, referindo-se às quatros províncias anexadas pela Rússia na passada semana após referendos em Donetsk, Lugansk, Zaporijia e Kherson.
Agostinho Costa, o general analista militar da CNN Portugal, ao olhar para este ataque, considerou que se trata de um "ataque terrorista", conduzido pelos serviços secretos ucranianos, o que permite concluir que se está face a uma nova frente nesta guerra nunca vista em solo europeu, que é o método "bombista suicída" opondo unicamente países europeus.
O analista miliar, depois de verificar minuciosamente as imagens deste atentado terrorista, afasta a possibilidade de se ter tratado de um míssil, devido à malha densa de defesas antiaéreas dos russos na área da ponte, defendendo que se tratou antes de uma operação que envolveu denso planeamento e coragem, porque se tratou do "primeiro ataque suicida" em solo europeu envolvendo opositores europeus.
Pela informação disponível, o major-general Agostinho Costa descreve esta operação como tendo envolvido um veículo pesado carregado de algum tipo de fertilizante explosivo e uma segunda viatura para servir de detonador, porque seria difícil outro tipo de carga explosiva atravessar a rede de segurança existente nesta ponte estratégica para Moscovo, que explodiu no preciso momento em que um comboio passava com vários vagões de combustível, incendiando pelo menos seis vagões, demonstrando um planeamento "extremamente cuidado e eficaz".
Para já, o Kremlin mandou instaurar um rigoroso inquérito para definir causas e responsáveis pelo atentado, sendo que a Russia Today, o canal russo que emite em língua inglesa para o exterior, avança que se tratou da explosão de um camião, citando o comité russo antiterrorista, que fechou a ponte provisoriamente à circulação, com várias faixas de rodagem destruídas e a via férrea que passa por debaixo do tabuleiro rodoviário colapsada.
Quem foi, mesmo!?
Moscovo tem agora em mãos, além de uma crise logística para alimentar a frente de guerra, um problema de acomodar este episódio à sua estratégia para o conflito, face às muitas críticas que está a receber, mesmo internamente, face aos maus resultados e aos avanços evidentes dos ucranianos, com sucessivas derrotas e retiradas das forças russas no terreno.
Ramzan Kadyrov, o líder checheno e um dos comandantes de guerra mais activos, liderando as unidades de combate oriundas da província russa da Chechénia, criticou severamente os generais responsáveis pela organização da guerra do lado russo e exigiu medidas ao Kremlin, colocando mesmo como solução, se a incompetência das chefias militares se mantiver, o uso de armas nucleares.
E este ataque, mesmo sendo de natureza terrorista, vem reforçar a fornalha.
Até porque se espera que Moscovo avance um passo nesta guerra passando de uma "operação militar especial" para uma "operação anti-terrorista", a que, curiosamente, este atentado vem dar lastro, permitindo assim um maior empenho de forças e de meios no terreno por parte de Vladimir Putin.
Para já, enquanto de Moscovo não chega uma acusação directa a Kiev pelo atentado, fica claro que foi destruída uma via vital, que travessa os 19 kms do Estreito de Kerch, como também é denominada esta infra-estrutura, para o esforço de guerra russo na Ucrânia, porque era por esta ponte que passava grande parte do abastecimento para a linha da frente em Kherson e Zaporijia, ambas com delimitação territorial com a Crimeia, no sul da Ucrânia.
Este ataque à Ponte da Crimeia aparece num momento extremamente perigoso, horas de pois de o Presidente Volodymyr Zelensky ter pedido à NATO para desferir "um ataque nuclear preventivo" contra a Rússia de forma a impedir o Kremlin de usar o seu arsenal nuclear em território ucraniano, criando um alvoroço global que os aliados de Kiev, EUA e União Europeia, visivelmente incomodados com o despautério, procuraram diluir apostando fortemente no uso dos media ocidentais para enfatizar as ameaças de Vladimir Putin sobre o uso iminente do seu paiol atómico.
O Presidente dos EUA veio mesmo reafirmar, depois de já o ter feito há alguns dias, que as ameaças de Putin são para levar "extremamente a sério" e que o mundo não vivia um momento de perigo pré-apocalipse nuclear tão claro" desde a crise dos misseis em Cuba, em 1963.
Presidente dos EUA avisa que ameaça nuclear russa coloca mundo em risco de "apocalipse"
Entretanto, o Presidente norte-americano disse que a ameaça russa de utilizar armas nucleares no conflito da Ucrânia coloca o mundo em risco de um "apocalipse"
Tal acontece pela primeira vez desde a crise dos mísseis cubanos no auge da Guerra Fria, sublinhou Joe Biden, citado pela Lusa.
"Não enfrentamos a perspectiva de um apocalipse desde [ex-Presidente John F.] Kennedy e a crise dos mísseis cubanos" em 1962, afirmou, numa angariação de fundos em Nova Iorque, onde disse que o homólogo russo, Vladimir Putin, "não estava a brincar" quando fez as ameaças.
Há meses que responsáveis norte-americanos alertam para a perspetiva de a Rússia poder utilizar armas de destruição maciça na Ucrânia, após uma série de reveses estratégicos no campo de batalha.
No entanto, ainda esta semana disseram não ter visto qualquer mudança nas forças nucleares russas que exigisse uma mudança na postura de alerta das forças nucleares dos EUA.
"Não vimos qualquer razão para ajustar a nossa própria postura nuclear estratégica, nem temos indicação de que a Rússia se está a preparar para utilizar iminentemente armas nucleares", disse na terça-feira a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre.
Esta quinta-feira, Biden disse que ainda estava "a tentar descobrir" a "rampa de saída" de Putin na Ucrânia.
"Onde é que ele vai encontrar uma saída? (...) Como é que ele se encontra numa posição em que não só perde a face como perde poder significativo dentro da Rússia?", perguntou Biden.
Putin aludiu repetidamente à utilização do vasto arsenal nuclear, incluindo no mês passado, quando anunciou os planos de mobilização parcial.
"Quero lembrar-vos que o nosso país também tem vários meios de destruição (...) e quando a integridade territorial do nosso país for ameaçada, para proteger a Rússia e o nosso povo, usaremos certamente todos os meios à nossa disposição", disse Putin a 21 de setembro, acrescentando, com um olhar prolongado para a câmara: "Isto não é um "bluff'".
O conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, disse na semana passada que os EUA têm sido "claros" para a Rússia sobre quais seriam as "consequências" da utilização de uma arma nuclear na Ucrânia.
O Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, disse que Putin compreendeu que o "mundo nunca perdoará" um ataque nuclear russo.
"Ele compreende que, após o uso de armas nucleares, não seria mais capaz de preservar, por assim dizer, a sua vida, e estou confiante nisso", afirmou.
Recorde-se que o Kremlin tem divulgado com insistência a sua doutrina nuclear, especialmente depois de o Presidente russo, Vladimir Putin ter dito que usaria o seu arsenal nuclear em caso de necessidade sob uma ameaça existencial da Rússia, e que compreende três pilares fundamentais: perante um ataque nuclear à Rússia, face a uma ameaça existencial mesmo que na forma de ataque convencional ou quando a sua infra-estrutura de suporte ao arsenal nuclear estiver sob ataque directo.
Novas da frente leste
Com o avançar dos dias e a chegada iminente do "General Inverno", onde os dois lados da barricada vão ficar entalados no frio de mais de 30 graus negativos, por vezes mesmo mais, tanto ucranianos como russos procuram consolidar posições ganhas ao opositor e nisso os homens de Kiev estão a levar a melhor sobre as unidades de Moscovo, pelo menos para já.
Com alguns avanços no Donbass, nomeadamente com a tomada de Liman, uma cidade estratégica no acesso aos territórios conquistados pelos russos, nalguns locais mais de 20 kms, os ucranianos conseguiram vencer no campo da comunicação, pelo menos no ocidente, ao sucesso do processo de anexação conduzido pelos russos, desde os referendos à aprovação legal e política dos documentos, que hoje tiveram a última etapa com a câmara alta do Parlamento russo (Duma) a assinar as leis finais da integração de Zaporijia, Kherson, LUgansk e Donetsk na Federação Russa.
Mas as coisas, como estão a sublinhar alguns analistas militares, podem estar a mudar, com uma esperada contra-contra-ofensiva russa, alimentada já pelos milhares de reservistas mobilizados nas últimas semanas à linha da frente, notando-se já mudanças de curso dos combates em Kharkiv e no sul, além da frente de Donetsk, onde os ucranianos investiam mais nos últimos dias.
Segundo se pode ler nas redes sociais, o Ministério da Defesa russo anunciou, na rede social Telegram, que moradores de Lugansk foram para as ruas receber de forma efusiva os reservistas com os quais Moscovo promete mudar em definitivo o curso desta guerra e acabar com ela através de uma vitória célere.
Estes militares reservistas, na sua maioria, segundo o Kremlin, vão garantir as linhas de logística e protecção secundária de infra-estruturas de forma a que as tropas melhor preparadas não tenham essa função a retirar músculo à linha da frente.
Recorde-se que a 21 de Setembro, Vladimir Putin assinou um decreto que autorizava uma "mobilização parcial" na Rússia de 300 mil reservistas e o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, rapidamente avançou para esse processo considerado fundamental para travar as recentes perdas russas de territórios na contra-ofensiva de Kiev das últimas semanas.
Neste momento histórico para a Federação Russa mas ao qual todo o ocidente se opõe, e o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky,já disse que não vai deixar que procura recuperar, Putin aproveitou para desferir fortes acusações aos ocidente, especialmente, aos Estados Unidos, a quem acusou de não buscar nem a paz nem a harmonia internacional mas sim a subjugação dos povos que não se alinham com a sua vontade e os seus interesses.
O senhor do Kremlin disse ainda que os habitantes de Donetsk, Lugansk, Zaporijia e Kherson fizeram uma opção livre e sem dúvidas para se juntarem a Rúsia e deixou claro que não há meios indisponíveis para defender estas novas regiões russas. "Todos os meios necessários serão colocados nesse esforço", avisou.
E Putin foi ainda claro ao dizer que estes novos cidadãos russos, estes novos territórios russos sê-lo-ão para sempre, e nada nem ninguém se poderá intrometer na história da Federação Russa.
Demonstrando que os seus objectivos na invasão da Ucrânia estão conseguidos, o que é a grande novidade neste discurso, Vladimir Putin lançou um apelo ao Governo ucraniano para acabar com a guerra aceitando um cessar-fogo mediato, e que tudo o que vier a suceder a partir de agora seja fruto de trabalho entre os dois países à mesa das negociações.
"Pedimos ao regime de Kiev que cesse todas as hostilidades, pare com a guerra que começou em 2014 (referindo-se aos ataques ao Donbass e ao golpe de Estado apoiado pelo ocidente) e regresse à mesa das negociações", porque as pessoas "fizeram as suas escolhas claras" e estas, advertiu, "devem ser vistas com respeito" porque "essa éa única via para a paz".
A resposta de Kiev já é conhecida, não porque Zelensky tenha falado após o discurso no Kremlin, mas porque fez questão de antecipar este momento afirmando que não vai ceder qualquer território a Moscovo, que a guerra não vai parar enquanto esses territórios não estiverem todos recuperados e, já depois do discurso de Putin, anunciou o pedido formal de adesão da Ucrânia à NATO..
E conta com o apoio igualmente claro e inequívoco do ocidente, com os EUA e a União Europeia a aproveitarem os momentos imediatamente anteriores aos tratados assinados no Kremlin para garantirem mais armas e mais apoio financeiro a Kiev no seu esforço de guerra com Moscovo, embora a questão da adesão à NATO seja uma questão substancialmente mais complexa, porque Washington já disse que essa possibilidade está afastada.
Na primeira reacção conhecida de um actor internacional importante, e a mais férrea aliada de Kiev na defesa da guerra, a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula Leyen, já veio dizer, via Twitter, que "a anexação ilegal proclamada por Putin não vai alterar nada".
Ursula Leyen disse ainda que "todos os territórios ilegalmente ocupados pelos russos invasores são ucranianos e sempre o serão, porque se trata de terras de uma nação soberana".
E o Presidente Zelensky mandou reunir de urgência o Conselho Nacional de Segurança da Ucrânia, prometendo fazer uma declaração específica, em vídeo, como costume, sobre este tema mais tarde, sendo, todavia, de prever, que fosse apenas o anúncio da continuação dos combates para voltar a erguer a bandeira azul e amarela onde agora está a russa, mas, além disso, acrescentou que foi feito um pedido formal de adesão à Aliança Atlântica, a organização de defesa criada em 1949 com o objectivo de estancar o avanço da antiga União Soviética na Europa e, depois do colapso desta, passou a ter a Rússia na mira.
Um dos riscos imediatos é que aos esperados ataques a estes novos territórios anexados pela Rússia por parte da Ucrânia, o Kremlin responda com ataques, como antecipam alguns analistas militares, a infra-estruturas e centros de decisão ucranianos, incluindo edifícios do Governo e até mesmo membros do Governo de Volodymyr Zelensky podem passar a ser alvos dos mísseis de longo alcance russos...
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.