A segunda é quase uma anedota e uma birra diplomática mas não se sabe e dificilmente se virá a saber o que se passou, porque o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e o Presidente brasileiro, Lula da Silva, foram duas das estrelas convidadas para a Cimeira do G7 (sete países mais industrializados do ocidente) em Hiroshima, no Japão, e o seu encontro a dois era dos mais aguardados pelas centenas de jornalistas ali presentes mas, no fim, não aconteceu, alegadamente porque o sul-americano se cansou de esperar no seu quarto pelo europeu.

Em terceiro, mas, provavelmente o mais importante para África, depois de longos anos a trabalhar no seu mais ambicioso projecto, provavelmente, desde a construção da Grande Muralha da China, a Nova Rota da Seda, que levará a China aos quatro cantos do mundo por por rotas marítimas e terrestres, rodovia e ferrovia, num investimento de centenas de milhares de milhões USD nas próximas décadas mas já em curso, a União Europeia veio agora dizer que quer disputar com Pequim com projectos na mesma ordem de grandeza, especialmente em África... O continente dificilmente terá melhor forma de tirar proveito desta disputa entre gigantes.

Mas vamos por partes...

... em Bakhmut, a cidade onde decooreu, e decore, a mais violenta batalha na Europa desde a II Guerra Mundial, com dezenas de milhares de mortos e feridos de ambos os lados, o chefe do Grupo Wagner divulgou um vídeo este fim-de-semana onde se congratula pela sua conquista após expulsar os ucranianos do último barrio ainda nas suas mãos, tendo mesmo sido elogiado por isso pelo Presidente russo, Vladmir Putin, face à mais importante conquista em largos meses de guerra, embora os analistas admitam que terá mais peso simbólico que estratégico no contexto desta guerra.

Só que em Kiev, apesar das evidências irem em sentido contrário, o Presidente Zelensky apressou-se a desmentir o triunfo russo e negou que os russos tenham capturado a totalidade de Artyomovsky, o nome russo para Bakhmut, insistindo que as suas forças ainda mantém o controlo de uma pequena porção desta cidade do Donbass, província de Donetsk, no sudoeste, garantindo que as forças ucranianas estão agora mesmo melhor posicionadas para cercar a área.

Este desfecho, aparentemente ainda por resolver de forma cabal, surge num momento de extrema relevância no âmbito deste conflito porque as forças ucranianas estão numa fase de iminente lançamento da sua muito esperada contra-ofensiva, havendo mesmo quem defenda, entre os analistas militares, que esta já está em curso mas em moldes diferentes, com iniciativas localizadas de forma a confundir os russos ao longo dos 1.200 kms de linha da frente.

Segundo a posição oficial de Kiev, a contra-ofensiva ainda não foi lançada porque não estão reunidas as condições logísticas e armamento - está em cima da mesa a questão dos aviões F-16, que serão decisivos, segundo Zelensky, para o efeito mas ainda não chegaram e podem mesmo demorar meses até que tal aconteça.

Lula/Zelensky

Em HIroshima, onde os mais ricos do ocidente realizaram este fim-de-semana mais uma Cimeira quase em exclusivo dedicada à discussão sobre como combater a ascensão global chinesa e ajudar a Ucrânia e combater os russos, e para a qual foram convidados lideres africanos, o Presidente brasileiro, o primeiro-ministro indiano e o Presidente ucraniano, uma boa parte das atenções mediáticas estava no encontro entre Lula da Silva e Zelensky.

Tal encontro não sucedeu porque, segundo os brasileiros, o líder ucraniano atrasou-se em excesso para o encontro com Lula, que confirmou em declarações aos jornalistas que tinha tudo previsto com Zelensky para um encontro nos seus aposentos do hotel onde estava às 15:30, tendo esperado longamente em vão pela sua chegada.

Face ao atraso e à agenda recheada que tinha, como, de resto, todos os restantes participantes, Lula da Silva explicou que não conseguiu esperar mais, embora seja claro que ficou, até porque isso foi confirmado por fontes da sua comitiva aos jornalistas, irritado com a desfaçatez do ucraniano.

Alias, Lula e Zelensky, embora mantenham um tratamento cordial como quando se colocou a possibilidade do brasileiro ir a Kiev para estabelecer pontes entre ucranianos e russos para procurar acabar com a guerra, a verdade é que o Governo ucraniano tem feito declarações a mostrar o desagrado pelo facto de o Brasil não condenar oficialmente a Rússia e se recusar a fornecer armas aos ucranianos.

Lula e Zelensky foram as estrelas convidadas desta Cimeira do G7 no Japão, que, por força da luta de titãs entre China e EUA, e o eixo Pequim-Moscovo face ao eixo Washington-Bruxelas-Japão, procuram trazer para o seu "quintal" alguns dos players mais importantes que se mantém à margem desta "guerra", como a Índia, a Indonésia e África, todos ali representados ao mais alto nível e sentados à mesa com os lideres dos EUA, Alemanha, França, etc.

Desde que esta batalha global de China e Rússia contra a hegemonia ocidental ficou preto no branco com a guerra na Ucrânia, os dois blocos procuram atrair para si o maior apoio possível, a ponto de, por exemplo, os Estados Unidos terem voltado a olhar para África depois de uma ausência de longos anos, especialmente nos mandatos de Barack Obama e Donald Trump.

E é por isso que em Hiroshima estiveram os lideres da Índia, do Brasil, da Indonésia e o Presidente das Comores, enquanto presidente actual da União Africana.

União Europeia vai apostar forte...

... para conseguir competir com a China na procura de influenciar as opções estratégicas do chamado "Sul Global", a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse em Hiroshima que o ocidente tem de "fazer mais e melhor" que aquilo que os chineses têm previsto com o seu mega projecto ova Rota da Seda ou, em inglês, "Belt and Road Initiative Project".

A União Europeia tem, segundo Ursula von der Leyn, de "oferecer uma alternativa real ao projecto económico chinês para os países do Sul Global", sublinhando que esta é uma "oportunidade de ouro" para atrair esses países alegadamente em busca de uma alternativa de financiamento para o seu desenvolvimento.

Neste momento, a líder europeia, segundo os media internacionais, disse que este gigantesco projecto chinês tem vindo a "perder importância porque muitos países tem más experiências com os chineses" e que a União Europeia deve avançar para o mesmo terreno e disputar alianças palmo a palmo com Pequim.

"Esses países obtêm empréstimos chineses e acabam com graves crises de dívida" disse Ursula von der Leyen, naquilo que é claramente um desafio à China para um "duelo" ao por do sol onde um dos dois poderá não sobreviver.

"Nós queremos colocar uma oferta melhor sobre a mesa. Se estamos numa corrida para o topo, a União Europeia deve criar os seus projectos-bandeira em diferentes continentes como parte de um portal global para o investimento, numa altura em que as potências ocidentais não se cansam de, como ficou claro mais uma vez, acusar a China de "coerção económica" sobre o mundo.

A resposta foi imediata. Enquanto Moscovo acusou o G7 de se ter transformado numa monra de propaganda anti-russa, a China refutou liminarmente que a sua Nova Rota da Seda seja um projecto para prejudicar outras nações e disse que o ocidente mente descaradamente quando à ideia de que a China está a criar armadilhas sobre a divida dos países do Sul Global menos favorecidos.

Se há uma ideia clara neste contexto de luta entre gigantes pela atenção dos países menos favorecidos, como África, um continente estratégico para todos por causa dos seus imensos e inigualáveis recursos naturais, é que o "Sul Global" dificilmente poderá ter outra oportunidade como esta para obter o melhor dos dois mundos em colisão, retirando dividendos da disputa planetária entre o ocidente e a frente Pequim-Moscovo.

Terá o continente africano as competências diplomáticas para se posicionar como o "prémio" que todos querem e daí tirar todo o proveito potencial que a situação contém? Eis outra pergunta que é fundamental responder mas que só o tempo o dirá...