O discurso à Nação do Presidente dos EUA, Joe Biden, que teve lugar na noite de terça-feira, era um dos momentos mais esperados fora do palco dos confrontos nos sete dias que já dura a invasão da Ucrânia pelas colunas militares da Rússia, e este não deixou os seus créditos por mãos alheias, ao centrar um intenso fogo de artilharia verbal no Kremlin, acusando Vladimir Putin de estar a tentar fazer colapsar a ordem mundial baseado na liberdade através da guerra, garantindo que apenas conseguiu "um isolamento internacional absoluto e do qual não estava à espera".
"O Presidente russo está a tentar abanar as fundações do mundo livre com uma premeditada e sem fundamento invasão de um país vizinho e democrático", disse Joe Biden aos congressistas num discurso televisionado para o mundo, que foi, segundo estão a avançar analistas citados pelos media norte-americanos, preparado para dar um novo fôlego ao inquilino da Casa Branca que se aproxima de um ponto periclitante da sua Administração com as eleições de meio de mandato, e quando as sondagens o dão em perda contra os republicanos.
Mas as suas medidas anunciadas para consumo interno, como os investimentos gigantescos em infra-estruturas, o aumento dos impostos aos detentores de fortunas ou às farmacêuticas que arrecadam biliões anualmente, especialmente agora com o advento pandémico, pouco ou nada sobressaíram no quadro de um foco mediático quase por completo centrado na guerra na Ucrânia.
E Biden, sabendo disso, não deixou desfalecer o ímpeto no contra-ataque a Putin, sublinhando que este "pensou que podia lançar as suas forças sobre o vizinho porque o mundo iria ficar apenas a ver" mas, assegurou, "enganou-se" porque "o mundo estava preparado e ele (Putin) está mais isolado que nunca".
E lançou contra a Rússia um "projéctil" que, apesar de esperado, porque já tinha sido usado na Europa, obteve o efeito esperado, que foi uma ovação em pé dos congressistas, anunciado que todos os aviões russos ficam proibidos de sobrevoar os céus dos Estados Unidos, porque, justificou, "quando os ditadores não pagam um preço pelas suas acções contra a liberdade, continuam a avançar sem receio".
Este discurso de Biden acontece quando o Presidente americano tem sido, repetidamente, invectivado pelo seu homólogo ucraniano, Volodymur Zelensky, para o ajudar a parar a invasão russa por todos os meios.
Entretanto, na Ucrânia...
...os dois lados deste conflito voltam hoje a recolocar o centro das atenções na mesa das negociações e não nos locais das explosões dos mísseis e dos projecteis de artilharia, seja sobre as colunas russas que avançam rumo às grandes cidades, seja sobre as infra-estruturas miliares e alvos estratégicos, como as infra-estruturas de comunicações e media ucranianos.
Ao longo do dia de hoje, as delegações enviadas por Moscovo e por Kioev vão estar de volta à conversa de paz sob os auspícios do Presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, depois de pouco mais de 48 horas de intervalo desde a última, e primeira, ronda negocial, onde se soube apenas que as partes tinham, auspiciosamente, concordado em voltar a encontrar-se depois de auscultações junto dos seus Governos.
Se, por um lado, este regresso à mesa das negociações dá esperança de que um cessar-fogo pode estar ao virar da esquina, por outro, tanto os russos, que avançam com gigantescas colunas militares para as imediações da capital, Kiev, ou das grandes cidades do sul e do leste, como Kharkiv ou Mariupol, como os ucranianos, que pedem incessantemente ajuda em armamento da Europa ocidental e dos EUA, que estão a receber em grande quantidade, mostram querer, antes de qualquer avanço nas conversações, alcançar posições de força no terreno das agressões.
Relatam os media internacionais que as forças do Kremlin têm uma coluna com milhares de unidades, a norte de Kiev, com perto de 60 kms, pronta a avançar sobre a maior e mais importante cidade ucraniana, sendo cenário idêntico observado junto a Kharkiv, a segunda maior cidade do país, no leste.
Mas os ucranianos estão, a cada dia que passa, a receber mais armamento e apoio logístico, desde logo os famosos mísseis Stinger, terra-ar, norte-americanos, que diminuem fortemente o poderio avassalador russo dos céus ucranianos, ou ainda os Javelin (na foto, a ser usado por forças dos EUA), mísseis anti-tanque que já deram provas de grande eficácia no Afeganistão.
Com isto, mesmo sendo esta a "doutrina" militar pré-negocial, ganhar posição no terreno para obtenção de mais valias na mesa das negociações, o mundo anseia cada vez mais por sinais de tréguas, porque o risco contrário é uma escalada que pode ser sem precedentes neste conflito, visto que também Moscovo está a par deste forte apoio dos países da NATO a Kiev, mesmo que tanto o Presidente Joe Biden, como o primeiro-ministo britânico, Boris Johnson, já deram garantias de que não haverá combates directos entre forças da Aliança Atlântica e da Rússia.
Isto, evitar esse confronto directo, é claramente o objectivo principal, porque a Rússia, por ordem de Putin, já tem em alerta máximo, o seu sistema estratégico de defesa nuclear, justificado pelo intenso e aberto apoio em meios militares letais dos países-membros da NATO.
As principais cidades ucranianas estão há vários dias sob bombardeamentos russos, incluindo através do lançamento de misseis de elevada precisão, mas nas últimas horas estes têm diminuído substancialmente, crêem os analistas, de forma a que, no terreno negocial, possam ser alcançados novos avanços.
O que as partes têm como objectivo negocial conhecido são, da parte de Kiev, a retirada incondicional das forças russas, para que, retomado o ponto inicial, se possa negociar de igual para igual, enquanto Moscovo exige que a Ucrânia abandone em definitivo, e sejam dadas garantias nesse sentido, a intenção de aderir à NATO, bem como aceitar o estatuto de país neutro e desmilitarizado.
Este ponto russo assenta na ideia de que a NATO, a organização criada em 1949 para fazer face ao Pacto de Varsóvia, sob égide da então União Soviética, que colapsou em 1992, continuar a alargar as suas "fronteiras" para o limite territorial da Federação Russa, o que coloca em risco a sua segurança vital, e a Ucrânia, devido à sua dimensão geográfica, e posição no mapa europeu, é uma peça vital neste posicionamento geoestratégico russo.
Recorde-se ainda que a Rússia está sob as mais pesadas sanções económicas de que há memória, que estão a provocar danos sérios à economia do país, que viu a sua moeda nacional, o Rublo, cair já mais de 35%, uma grande parte das suas instituições financeiras fora do sistema SWIFT, que facilita os pagamentos internacionais, e ainda contas congeladas do seu Banco Central, o que impossibilita Moscovo de cumprir com os seus compromissos internacionais, nomeadamente no pagamento da dívida e ainda nas importações de bens.
Mas esta é igualmente uma das guerras que se joga mais no capítulo da informação e contra-informação, onde as redes sociais desempenham um papel substantivo como nunca sucedeu, multiplicando-se as informações premeditadamente erradas veiculadas para os media por um e para o outro lado, sem que, neste palco, se possa destacar quem é mais vilão.
Esta guerra mediática já levou, por exemplo, os países ocidentais a proibirem a emissão do canal internacional Russia Today (RT) ou o portal de notícias Sputnik, enquanto Moscovo limitou de forma efectiva o acesso a redes sociais como o Facebook e impos mediação oficial na produção de noticiário nos media nacionais.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página, inclusive as suas consequências económicas, como o impacto no negócio global do petróleo.