A questão energética é fulcral nesta guerra desde o início, a 24 de Fevereiro, dia em que a Rússia deu o pontapé de saída para a sua "operação militar especial", porque os mais de 750 mil milhões USD que os países da União Europeia pagam diariamente a Moscovo pelo fornecimento de petróleo e gás natural é o dinheiro, alega o Governo de Kiev, com que o Presidente Vladimir Putin está a financiar o seu esforço de guerra, mas, até aqui, entre os 27 não houve consenso para incluir o embargo total à energia proveniente da Rússia devido à forte dependência que existe e à dificuldade de encontrar alternativas. Tudo poderá mudar agora... e de forma catastrófica para a economia europeia.

O Governo do Presidente Zelensky sabe que tem na manga o trunfo maior deste jogo porque é através da Ucrânia que a União Europeia recebe da Rússia a maior parte dos perto de 48% do gás que consome anualmente e cerca de 35% de petróleo, energia essencial para manter a economia do velho continente como uma das mais robustas do mundo e pode, de um momento para o outro, cortar essa ligação vital, o que levaria a um dramático colapso da economia que é o motor da Europa, a alemã, e também a mais dependente do gás russo, como os dirigentes das associações empresariais e industriais já tornaram público que sucederia face à possibilidade de um embargo à energia russa por parte da Comissão Europeia.

Um dos pedidos mais vezes repetido por parte do Governo ucraniano é, logo depois de "mais e mais armas", que a União Europeia siga o exemplo dos Estados Unidos e declare um embargo total ao crude e gás russos, de forma a castigar Moscovo por esta invasão, retirando-lhe a principal fonte de receitas, que são os cerca de 750 milhões de dólares diários transferidos pelos 27 países do bloco europeu, mas que, até aqui, foi sendo adiado, apesar de promessas sucessivas de caminhar nesse sentido de forma gradual, o que é pouco para o Presidente Zelensky, que está a ver dia após dia o seu país "encolher" face ao avanço das forças russas, apesar das milhares de toneladas de equipamento militar que recebe do EUA e da União Europeia para combater os russos.

Confrontado com esse permanente adiamento de uma decisão, que, por exemplo, na Europa é mais difícil que nos EUA, porque enquanto estes são produtores excedentários tanto de gás como de petróleo, entre os países europeus que produzem gás e crude apenas a Noruega é claramente excedentário mas, no global, a Europa ocidental vive em permanente défice energético que suprime com as gigantescas importações da Rússia e do Médio Oriente, principalmente.

E se Volodymyr Zelensky tem o seu país atravessado pelos principais gasodutos e oleodutos que ligam a Rússia ao centro da Europa, então, tem, como já admitiram alguns analistas, uma "bomba atómica" que pode detonar quando quiser mas sabe que pressionar esse "botão vermelho" é tão complicado e perigoso como fazer detonar uma verdadeira bomba nuclear pelas consequências que isso teria, mas que tem o mesmo tipo de utilização enquanto elemento de pressão, neste caso sobre países como a Alemanha ou a Eslováquia, Hungri, Itália ou Áustria, entre outros, que é poder tirar-lhes o gás ou o crude sabendo que isso acabaria com o apoio europeu à causa ucraniana.

Pior ainda, na perspectiva de Kiev, seria hipotecar para muitas décadas a entrada da Ucrânia na União Europeia, que é o grande e estratégico novo objectivo de Kiev depois de a questão da entrada do país na NATO ser já uma impossibilidade irrevogável por exigência pesada de Moscovo.

Recorde-se que a Rússia invadiu a Ucrânia depois de quase uma década a alertar para, depois de um extenso alargamento a este, o perigoso que seria a Ucrânia aderir à NATO, a aliança militar ocidental criada em 1949 para fazer face ao avanço da União Soviética e o seu Pacto de Varsóvia, e que, ainda hoje, tem a Rússia, herdeira dos escombros criados com o colapso da URSS em 1991, como o inimigo principal e declarado nas suas determinações estatutárias, sendo para Moscovo uma questão de "segurança vital" que levaria a um confronto sem limites, o que pressupõe recurso eventual ao arsenal nuclear, que Putin mandou colocar em alerta máximo com o início do conflito.

O argumento que Kiev pode usar para bloquear, total ou parcialmente, os pipelines que atravessam o país oriundos da Rússia com destino à Europa central é o que existe e está previsto nos tratados internacionais do sector energético, uma razão maior, ou "force majeure", que poderá ser, em breve, argumentada pela GTSOU, o operador do sistema de gás ucraniano, considerando que essa justificação é encaixável no actual cenário de risco iminente de algo suceder fora do seu controlo, como é o caso do presente conflito armado, que, até agora, curiosamente, nunca causou qualquer dano a estas infra-estruturas, de ambas as partes, o que evidencia um claro entendimento, tácito ou negociado, nesse sentido.

A Europa tarda onde os EUA voam na ajuda a Kiev

Os Estados Unidos são, desde o início, e já antes, do conflito, em finais de Fevereiro, os grandes aliados de Kiev neste confronto com Moscovo, havendo mesmo especialistas militares de admitem estarmos já na presença de uma "proxy war", jargão militar para "guerra por interpostos beligerantes", onde determinados exércitos se batem em nome e com apoio directo de terceiros, sendo um bom exemplo disso o que sucedeu durante a Guerra Fria, nas décadas de 1970 e 1980, em África, onde forças locais combatiam pelo poder em nome ou de soviéticos ou norte-americanos.

E os recentes 40 mil milhões de dólares aprovados pela Câmara dos Representantes do Congresso, onde não se espera que o Senado crie entraves a este volumoso apoio, dos EUA para serem enviados com urgência para o Governo da Ucrânia, demonstram claramente o empenho sem limite da Administração Biden ao esforço de guerra de Kiev, configurando isso uma situação de "proxy war", especialmente depois de o Secretário da Defesa, Lloyd Austin, ter disto que os EUA querem fragilizar pesadamente a Rússia, tanto economicamente como militarmente.

O que distingue Washington dos europeus, depois de Joe Biden admitir que quer uma vitória ucraniana e que tudo fará para isso, admitindo, há semanas, durante uma visita ao leste europeu, que o seu objectivo é tirar Putin do poder em Moscovo - mais tarde a Casa Branca veio tirar peso a esta declaração -, da sua principal aliada, a União Europeia, que, via presidente da Comissão Europeia e do chefe da diplomacia de Bruxelas, Ursula Von der Leyen e Josep Borrel, ter defendido, igualmente e abertamente, a necessidade absoluta de uma derrota da Rússia na Ucrânia, é que os EUA, tanto em dinheiro como em armamento, deixam os europeus a milhas de distância.

Os analistas militares, com poucas excepções, avançam que a Ucrânia, sem o fornecimento volumoso de armas e munições, já teria colapsado face ao poderio militar da Rússia, especialmente com a chegada de milhares de misseis anti-carro, Javelin, e anti-aéreo, Stinger, bem como drones e apoio em intelligentsia através dos meios da NATO, sejam satélites, sejam os aviões de vigilância aérea, os AWACS, estando esse fornecimento a crescer diariamente, não só em volume mas também em qualidade, nomeadamente com a entrada em cena de material de guerra pesado, como canhões, carros de combate modernos, sistemas de defesa anti-aérea, o que vai prolongar indefinidamente esta guerra.

E esse prolongamento da guerra resulta, essencialmente, de um factor comum aos dois principais actores em combate, os russos e os norte-americanos e a sua "proxy war", porque, como sugerem múltiplos analistas militares, nem Vladimir Putin, já perto dos 70 anos (69), pode aceitar uma derrota, o que seria uma humilhação do senhor do Kremlin perante o seu inimigo histórico, especialmente quando ele encarna a grandeza da "Mãe Rússia" desde os czares ao império soviético, nem os EUA podem claudicar, porque um homem com quase 80 anos (79) como Joe Biden, com a sua trajectória de vida inigualável, pode admitir ficar com a última linha da sua biografia política, uma derrota face ao arqui-inimigo russo.

Uma saída razoável para ambas as partes deste imbróglio histórico, que pode resultar numa crise catastrófica sem igual se os dois lados evoluírem no contencioso bélico para os seus arsenais nucleares, como ambos já admitiram ser incontornável se se chegar a um ponto onde as forças norte-americanas e russas se confrontam directamente - o que raramente esteve tão perto de acontecer como hoje ao longo da história -, é não só difícil mas, para já, inexistente.

E, ainda para piorar o cenário, os lideres europeus, desde Ursula von der Leyen a Josep Borrel, ou mesmo o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e os lideres norte-americanos, de Lloyd Austin. Secretário da Defesa, ao Secretário de Estado, Antony Blinken, passando pelo Presidente Biden, todos têm apostado numa linguagem desafiante e belicista, não deixando saída para o conflito que não seja a derrota total da Rússia.

A excepção esta linguagem demolidora são os Presidentes francês, Ammanuel Macron, e o chanceler alemão, Olaf Scholz, que, condenando sem margem para dúvidas, a invasão russa, têm mantido um discurso coerente de exigência do diálogo como via para uma solução pacífica, não deixando de manter uma linha aberta de comunicação com o Kremlin, aos quais se junta o Presidente chinês, Xi Jinping, que nas últimas 48 horas, esteve reunido via digital com os dois lideres europeus, com quem fez saber que partilha a exigência de um fim negociado para a guerra no leste europeu.

O impacto económico faz guerra perder adeptos

Esta guerra foi lançada, inicialmente, como uma batalha das democracias ocidentais contra a tirania do oriente, desde logo na Rússia, mas também a pensar na China, apoiada nos media europeus e norte-americanos receptivos a esta versão Made in Washington, que ignora as causas iniciais que remontam a 2007, quando Vladimir Putin fez os primeiros alertas sobre o perigo de um avanço desmesurado da NATO para junto das fronteiras russas através da agregação de países à organização, mas o seu desenvolvimento está a revelar-se, à medida que os dias passam, uma tragédia para os mais pobres de África e da Ásia e um incómodo a ficar insuportável para as sociedades europeia e norte-americana.

Se em África e na Ásia a questão essencial é a fome que alastra por causa da dificuldade crescente de acede aos cereais que antes chegavam da Ucrânia e da Rússia, os maiores produtores mundiais, ou do aumento em vertigem dos combustíveis, na Europa e nos EUA, é a inflação que cresce em valores recorde de quase meio século nalguns países, ultrapassando os 10% em uma dezenas de Estados, o que está a gerar fortes problemas políticos, como o prova a recente derrota eleitoral do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, o maior apoiante do prolongar da guerra até à derrota de Putin, sendo que a degradação do poder de compra e do desemprego no Reino Unido estiveram no topo das razões para esta perda eleitoral do partido conservador.

Com os preços dos alimentos a crescer como não se via há décadas, dos combustíveis em valores recorde de sempre e com as taxas de juro com subidas históricas nos EUA, o poder político começa a temer severas consequências dos efeitos do conflito no leste europeu nas eleições a que se submetem periodicamente, como foi disso exemplo o Reino Unido, que teve as suas eleições locais na passada semana, com resultados fortemente castigadores para o partido no poder.

Em África, por exemplo, organizações como o FMI e algumas agências da ONU admitem crescentes dificuldades, com impactos na estabilidade política que podem ser relevantes, a ponto de serem possíveis tumultos sociais e a queda de alguns governos, além do alastramento da fome que, só na parte oriental do continente pode abranger mais de 20 milhões de novos famintos.

O Secretário-Geral das Nações Unidos, António Guterres, em mesmo feito deste ponto o topo das suas prioridades, usando-o até nos argumentos a que recorreu para justificar um cessar-fogo na Urânia aquando da sua missão de paz a Moscovo e a Kiev há duas semanas.

O reforço da capacidade de combate de Moscovo

Sem que as autoridades militares russas o tenham desmentido, para a frente de combate, o Kremlin está a enviar largas dezenas de milhares de homens das unidades militares do centro e do oriente da Rússia, de forma a reforçar o poderio militar russo no Donbass, onde decorre aquela que os dois lados já admitiram que é a batalha decisiva, ou batalhas, desta guerra e que os especialistas miliares definem como sendo a expulsão das forças ucranianas das repúblicas independentistas de Donetsk e Lugansk, e a ligação terrestre entre o Donbass e a Península da Crimeia, o que daria a Moscovo o controlo sobre todo o Mar de Azov e uma boa parte do Mar Negro.

Segundo as informações disponíveis, e dependendo da fontes, do lado russo podem estar entre 120 e 160 mil militares em avanços lentos nas frentes de combate, com reforços permanentes vindo da Rússia, procurando, tanto de sul, como de Norte, avançar e cercar as entre 80 e 100 mil tropas ucranianas, que se concentram na frente do Donbass.

O foco das forças russas é não só expulsar os ucranianos das "suas" repúblicas do Donbass (Donetsk e Lugansk) como garantir que cortam a capacidade de os aliados de Kiev conseguirem fazer chegar o material militar, desde os mísseis anti-aéreos e anti-carro, Javelin e Stinger, às viaturas blindadas enviadas pelos EUA e aliados ocidentais, para o que estão a empregar centenas de mísseis de longo, médio e curto alcance, mas com forte precisão, como os M-54 Kalibr, que estão a ser disparados dos navios estacionados no Mar Negro e da Crimeia, e os 9K-720 Iskander, de menor alcance mas mais manobráveis porque podem ser deslocados em viaturas de rodas nas imediações do campo de batalha.

Com este armamento sofisticado, os russos estão a visar vias férreas, pontes e aeródromos ou mesmo aeroportos, como sucedeu na passada semana, em Odessa, onde o aeroporto desta que é uma das maiores cidades do país, foi parcialmente destruído porque ali estava armazenada grande quantidade de equipamento militar enviado do exterior pelos países da NATO.

Já os ucranianos, sem capacidade de acção aérea, procuram, através dos meios sofisticados que estão a receber dos seus aliados, com realce para os mísseis antiaéreo e anticarro Stinger e Javelin, cuja eficácia tem forçado as colunas russas a refrear os avanços, e que podem ser o factor de equilíbrio neste conflito, não só atrasar o avanço russo para os seus objectivos como ganhar tempo de forma a desgastar as forças russas a ponto de conseguir que o Kremlin aceite negociar de forma mais vantajosa para Kiev.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar paara a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 4,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.