Acabar com a insegurança alimentar nos países menos desenvolvidos, em África, onde milhares de pessoas estão a morrer à fome, e no Médio Oriente, alegadamente devido à interrupção do fornecimento dos cereais ucranianos aos mercados internacionais, por causa da guerra que começou a 24 de Fevereiro com a invasão russa da Ucrânia, foi o principal argumento das agências da ONU e o foco das acusações dos países ocidentais a Moscovo.
Os russos eram acusados de manterem fechadas as rotas do Ma Negro através da presença da sua poderosa frota do Mar Negro, embora Moscovo refute esta acusação, alegando que o problema eram as minas navais ucranianas, a possibilidade de os navios levaram armas para as forças ucranianas e que as sanções ocidentais impediam os seus navios de levar para o mundo os seus cereais.
A Rússia produz substancialmente mais que o vizinho. Só trigo, enquanto a Ucrânia produz 3% do total global, a Rússia é responsável por 11% do total do trigo produzido em todo o mundo.
Porém, dos diversos navios que já deixaram os portos ucranianos no Mar Negro, carregados de cereais, nenhum deles rumou a África ou ao Médio Oriente, sendo, antes, os países mais ricos da Europa e da Ásia que estão no azimute destas embarcações, como o Reino Unido, a Irlanda, a Itália, a Coreia do Sul ou a Turquia e a China.
E as cargas, ao contrário do que foi fortemente propalado nos media internacionais, que era o trigo ucraniano que mais falta estava a fazer ao mundo, onde a fome começava a grassar de forma contundente, estes navios, cerca de uma dezena que já zarpou dos portos do sul ucraniano, levam quase em exclusivo milho, soja e girassol ou o óleo desta planta, que são mais caros que o trigo e o centeio e geram melhores negócios para os exportadores.
Recorde-se ainda que o "Razoni", o navio com bandeira serra-leonesa que foi o primeiro a sair da costa ucraniana, carregado de milho, com destino ao Líbano, acabou por ser rejeitado pelo cliente, alegando que a carga estava a chegar com um atraso de cinco meses, o que prova que esta carga não tinha como destino nenhuma organização ou país integrado no sistema global de fornecimento de alimentos de emergência, como o Programa Alimentar Mundial PAM) das Nações Unidas, entre outras.
Este navio está no alto mar a aguardar cliente para a sua carga.
Só na primeira semana após o acordo de Istambul, deixaram a costa ucraniana mais de 370 mil toneladas de cereais, segundo confirmou Fred Kenney, o representante da ONU no centro de coordenação de Istambul (JCC) que supervisiona os navios que zarpam e rumam aos protos do Mar Negro.
O JCC tem como missão garantir que as cargas dos navios não incluem produtos ilegais, nomeadamente armas, que era o que a Rússia mais temia, mas não verifica se os destinos dos navios carregados de cereais são aqueles que até à assinatura do acordo eram considerados prioritários, como os países africanos, como a Somália ou o Sudão e o Egipto, onde milhares de pessoas estão a morrer por razões relacionadas com escassez alimentar.
Apesar desta inesperada situação, que prova que o negócio, o comércio regular dos cereais ucranianos, se está a sobrepor à urgência alimentar em várias partes do mundo, este responsável da ONU no JCC avança, citado por vários media internacionais, que há dezenas de navios à espera para atravessar o estreito do Bósforo para rumar à Ucrânia e alguns deles são fretados por agências humanitárias ou países onde os cereais, especialmente o trigo, estão am agressiva falta.
Dos portos russos estão igualmente previstos a saída de navios cerealíferos com vários tipos de grão, que passaram a poder zarpar após o levantamento de algumas sanções ocidentais, mas os seus destinos permanecem igualmente fora do mapa das necessidades mais extremas.
Estima-se que mais de 20 milhões de toneladas de cereais estejam ainda nos silos dos portos ucranianos, o que é cerca de dois terços da capacidade total de produção do país, perto de 33 milhões, sendo que a Ucrânia é apenas o 8º maior produtor mundial, embora esteja entre os maiores exportadores devido ao excesso de produção relativamente a consumido pela sua população de perto de 45 milhões de habitantes.
O mundo produz anualmente perto de 800 milhões de toneladas mas apenas cerca de um terço deste total é comercializado nos mercados internacionais, especialmente comprado por países sem condições para produção, como o Médio Oriente ou a parte mais árida do continente africano, a norte e a oriente.
Ataque à Crimeia?
Entretanto, uma sucessão de explosões numa base aérea russa da Crimeia está a criar uma enorme confusão entre analistas deste conflito, porque os russos dizem que se tratou de um acidente enquanto os ucranianos, sem confirmarem, dão a entender que foi um ataque ao território que Moscovo controla deste 2014.
A força aérea ucraniana afirmou, segundo a Lusa, que nove aviões de combate russos foram destruídos com as enormes explosões que sacudiram uma base aérea russa na Crimeia, uma perda negada por Moscovo.
A Rússia rejeita até que se tenha tratado de um ataque, alegando que se tratou de uma explosão acidental de munições na base de Saki, localizada na península anexada pelos russos à Ucrânia em 2014.
Por seu lado, Kiev não assumiu oficialmente a responsabilidade pelas explosões, mas questionou as explicações dos russos, argumentando que não fazem sentido.
Analistas, recorda ainda a Lusa, têm especulado sobre um eventual ataque de forças ucranianas com mísseis anti-navio, enquanto um conselheiro do Presidente ucraniano declarou que as explosões teriam sido provocadas por uma arma de longo alcance de fabrico ucraniano ou por forças de guerrilha activas na Crimeia.
A Rússia exige que a Ucrânia reconheça a península da Crimeia como russa e essa tem sido uma das principais condições para parar a invasão lançada pelo Kremlin em 24 de Fevereiro.
Kiev tem vindo a assumir o objectivo de lançar uma contra-ofensiva para expulsar os russos da Crimeia e repeli-los de todos os territórios ocupados na Ucrânia.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.