O Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, já veio dizer publicamente que o cessar-fogo proposto por Putin não tem valor nem é para ser levado a sério, voltando a colocar como condição única e inegociável para acabar com o conflito a saída do último soldado russo do último centímetro de território ucraniano.
Isto que foi dito por Zelensky, em resposta ao anúncio de uma cessação unilateral das hostilidades por parte do Presidente russo, teve como antecedente uma declaração desafiadora do seu chefe de gabinete e conselheiro principal Mikhailo Podoliak, que considerou tratar-se d de uma proposta "hipócrita" cujo objectivo é permitir à Rússia ganhar tempo e reagrupar as suas tropas que se encontram em maus lençóis no terreno.
Na formulação do cessar-fogo, Vladimir Putin lembrou, em nota emitida pelo Kremlin, que este tem como objectivo permitir às populações residentes nas zonas dos combates viverem o período natalício ortodoxo sem restrições e receios, assistindo às cerimónias religiosas com a tranquilidade possível.
Este gesto, que materializa a primeira trégua nos combates em quase 11 meses de guerra, surge depois de ter sido feito um pedido nesse sentido pelo chefe da igreja russa ortodoxa, Cirilo I, e antecedido igualmente por um apelo do Chefe de Estado turco, Recep Erdogan, embora este com um alcance mais alargado, perspectivando um cessar-fogo negociado e sem termo para permitir trocar o campo de batalha pela mesa das negociações, fazendo então o caminho que for necessário para a assinatura de um acordo de paz.
Alguns analistas estão a olhar para este momento como uma oportunidade, embora as expectativas sejam reduzidas, até porque, do que se conhece das posições oficiais dos dois lados da barricada é que Moscovo não abdica dos territórios conquistados no leste da Ucrânia, até ao último centímetro, incluindo as áreas que ainda estão sob controlo ucraniano em Kherson, Zaporijia e Donetsk, enquanto Kiev só baixa as armas quando as suas fronteiras naturais, incluindo a Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, voltarem ao lugar onde estavam em 1991, aquando do colapso da União Soviética.
Face a este cenário de escassas possibilidade de sucesso para este cessar-fogo, embora tal confirmação só vá ser possível a partir da tarde desta sexta-feira, 06, porque entra em vigor às 12:00 locais (10:00 em Luanda), não é só na área dos combates que se perde uma oportunidade de aproveitamento de alguns momentos sem o ribombar dos canhões, também no resto do mundo se vão sentir os efeitos - mesmo em Angola isso será palpável - devido a projecção dos "estilhaços" na economia global, seja via aumento do custo de vida - bens essenciais - seja nos combustíveis e transportes, mais sentidos no ocidente.
Zelensky justifica a recusa do cessar-fogo acusando Moscovo e Putin de quererem, com este "truque", usar o Natal como justificação para pararem o "avanço dos rapazes das forças ucranianas" no Donbass, "mesmo que por breves momentos" e, com isso, "reorganizar as suas forças e transportar equipamentos e munições sem entraves para a linha da frente, ao mesmo tempo que, sorrateiramente, mobilizam mais tropas para a frente".
Com estas palavras, Volodymyr Zelensky está a dizer a Putin que mesmo que as suas tropas baixarem as armas e calarem a artilharia por 36 horas, do lado ucraniano tal não vai suceder, o que implica a continuação dos combates sem tréguas.
Pró-russos vão dar resposta se forem atacados
Isto, porque, do lado das forças pró-russas, como já garantiu o líder local da República Popular de Donetsk, Denis Pushilin, citado pelo Russia Today, se os ucranianos atacarem, a resposta será "imediata".
"Se os ucranianos atacarem, nós vamos responder, mas as nossas tropas vão parar as hostilidades prazo anunciado para o cessar-fogo", garantiu Pushilin, acrescentando que do seu lado não há dúvidas de que este momento é importante porque "para os ortodoxos é importante assistir às cerimónias religiosas próprias deste período festivo do nascimento de Cristo"
Apesar destas considerações a propósito da importância do Natal ortodoxo, Denis Pushilin asseverou que as suas forças, que contam com o abrangente e decisivo apoio do Exército russo e das forças paramilitares do Grupo Wagner, vão "responder sem demoras aos ataques ucranianos".
E Washington diz que...
... o anúncio de Putin está a ser visto com "cepticismo" e está a ser considerada, avança The Guardian, como "cínica", com uma declaração do Presidente Joe Biden a surgir alinhada com as declarações dos responsáveis em Kiev, aludindo ao cessar-fogo como "uma tentativa dos russos ganharem algum oxigénio".
E o Departamento de Estado, liderado pelo Secretário de Estado Anthony Blinken, uma das caras mais pesadas na máquina norte-americana de apoio a Kiev no seu esforço de guerra contra a invasão russa, considerou que a "melhor forma de descrever o que está a ser feirto por Moscovo é... cinismo".
O porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, acrescentou que os Estados Unidos estão desconfiados de que os russos "vão procurar uma eventual paragens nos combates para descansarem, reagruparem e reabastecerem de forma a puderem conra-atacar" com mais vigor e eficácia.
Isto, porque os EUA consideram que as forças ucranianas estão a ganhar vantagens significativas no campo de batalha, com avanços sobre as posições que estavam sob domínio russo há largos meses, embora do lado russo tal cenário não seja reconhecido, sublinha do Moscovo que as forças russas e pró-russas mantêm os territórios conquistados quase sem perdas, admitindo aqui e ali alguns avanços e recuos na extensa linha da frente que supera os 1.200 kms.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.