... os países ocidentais que estão na linha da frente do apoio financeiro e militar ao regime ucraniano de Volodymyr Zelensky para combater a invasão russa não aparentam querer que o conflito termine em breve, sendo claramente opção a via militar para fazer ajoelhar Moscovo, como têm insistido ser o objectivo a presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, e o chefe da diplomacia europeia, Joseph Borrell, ambos, sincronizados, dizem que os russos "têm de ser derrotados no campo de batalha".

Ao prolongar a guerra na Ucrânia, sugerindo, por exemplo, que o plano ocidental para alcançar a paz são os 10 pontos alinhados pelo Presidente ucraniano, cuja estrutura central é a retirada russa de todo o território da Ucrânia, incluindo a Crimeia, anexada em 2014 por Moscovo, e as regiões de Donetsk, Lugansk, Zaporijia e Kherson, todas anexadas em Setembro de 2022 após referendos populares - a comunidade internacional não reconheceu esses referendos -, e a criação de um tribunal internacional para julgar os dirigentes russos, condições que a Federação Russa já disse não considerar sequer discutir, o que torna inviável tal "plano"... e quando um plano não tem viabilidade, não é um plano, é apenas ruído, como apontou o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo.

Se a guerra na Ucrânia aparenta estar condenada a durar mais largos meses, ou mesmo anos, crescendo em intensidade e condição para extravasar as fronteiras ucranianas, arriscando um confronto entre membros da NATO e a Rússia, mais e mais após cada reforço de material militar disponibilizado pelos países ocidentais, com igual reforço em homens e equipamento da parte russa, o recado sobre o perigo de alastramento global da guerra lançado por António Guterres é também intercontinental.

Isto, porque os media internacionais têm estado a divulgar a aposta dos EUA em colocar bases militares, aéreas e navais, em redor da China, com a criação da mais recente, nas Filipinas, o que fecha um semicírculo composto por bases de diversos tipos no Japão, Coreia do Sul, Tailândia, Indonésia, Taiwan, Austrália... e em diversas ilhas do Pacífico, como Diego Garcia, entre ouras, o que, em caso de confronto militar entre Washington e Pequim, os EUA estariam em posição de "jogar em casa" apesar da geografia indicar o contrário.

Há muito que os analistas e estrategas militares admitem que o conflito entre a Ucrânia e a Rússia não passa de uma aposta dos EUA em desgastar o poderio militar russo numa "guerra de proximidade", alimentando as forças de Kiev sem se envolver directamente, para, mais tarde, então já com a Federação Russa, um aliado estratégico de primeira linha da China, fragilizada militarmente por uma guerra de desgasta no leste europeu, se virar para Pequim e anular a sua intrépida escalada para potência militar de primeira linha, onde economicamente já está há vários anos.

Alguns documentos divulgados por think-thanks norte-americanos, como a RAND Corporation, próxima do Pentagono, admitem que a China, que tem investido biliões no reforço das suas capacidades militares, só em 2026 estará à altura de encarar com efectividade um confronto com os EUA, o que pode levar Washington, como não poucos analistas admitem, a pressionar agora esse braço-de-ferro, aproveitando as vantagens que possui, tanto tecnológicas como em mobilidade de armamento naval, aéreo e terrestre.

O AUKUS

É nesse contexto que nasceu em 2021 o AUKUS, uma espécie de "NATO" do Indo-Pacífico, constituída pela Austrália (A), Reino Unido (UK) e Estados Unidos (US), com os EUA a entregarem submarinos nucleares a Camberra, anunciando esse gesto como um passo para "conter o avanço da China" na região, apesar de ser evidente que quem mais bases tem nesta vasta geografia são efectivamente os Estados Unidos da América, estando a China apenas agora a alargar nela a sua presença militar, como sucedeu recentemente com as Ilhas Salomão.

E é neste contexto global de evolução da tensão Washington-Pequim que surgiu o epifenómeno do balão chines a sobrevoar os EUA, entretanto abatido por um míssil lançado a partir de um F-22, sendo que os norte-americanos, como explicou o seu chefe da diplomacia, o Secretário de Estado Antony Blinken, não tê duvidas de que era uma equipamento de espionagem, enquanto os chineses garantem que se tratava de um sistema de vigilância meteorológica que se desviou da sua rota, voando a 60 mil pés (20 kms).

O caso foi considerado extremamente grave, como o disse o Presidente Joe Biden, que admitiu ter dado ordem imediata para abater a aeronave, a ponto de uma deslocação de Blinken a Pequim, prevista para esta semana, ter sido adiada, travando aquilo que o mundo estava a ver como um passo importante para o desanuviamento da tensão entre as duas superpotências...

Isto, aliado à tensão que não tende a diminuir no Canal de Taiwan, com Pequim a manter a decisão de, se inevitável, pela força, reintegrar a ilha sob a autoridade do Estado da China Popular, enquanto em Taipé, a resposta é que tal jamais acontecerá e, para isso, os governantes da ilha rebelde desde 1949, contam com o apoio explicito de Washington e das suas esquadras de porta-aviões na região, incluindo a 7ª, a maior de todas, com 70 navios, que se desloca em permanência na região do Indo-Pacífico.

Ao olhar para esta quadro global, o Secretário-Geral da ONU escolheu o púlpito das Nações Unidas para alertar para o perigo real e verificável de que o "mundo caminha para uma guerra muito maior" que aquela que ocorre na Ucrânia, e que está a seguir nessa direcção "não de olhos fechados mas de olhos bem abertos", como os sonâmbulos, sendo evidente que se refere ao crescente caldeirão a ferver que é o problema no Mar do Sul da China e o problema de Taiwan, o que levaria, inevitavelmente, a que, no caso de um confronto aberto China-EUA, a este se juntassem os países da NATO e do AUKUS ao lado de Washington, e a Federação Russa a unir esforços com Pequim.

"As perspectivas de se chegar à paz continuam a diminuir", admite Guterres, acrescentando que o mundo caminha para uma "guerra mais ampla".

"As perspectivas para a paz continuam a diminuir e as probabilidades de uma escalada continuam a crescer. O mundo não está a caminhar como um sonâmbulo para uma guerra mais ampla, está a fazê-lo de os olhos bem abertos", lamentou o SG da ONU.

...e a Ucrânia sem o "x" da paz no mapa

A guerra no leste europeu está a duas semanas de completar um ano sem que se perceba onde está o "X" da paz no mapa sangrento em que se transformou a Ucrânia a partir do momento que as forças russas atravessaram a fronteira, a 24 de Fevereiro de 2022, e com as promessas de apoio ocidental cada vez mais estridentes mas menos efectivas dia após dia, com os blindados pesados a enferrujar no pântano da burocracia e da complexa logística que impõem, tal como os foguetes de longo alcance que tardam a chegar a Kiev, onde o fogoso ministro da Defesa, Aleksey Reznikov, está de malas aviadas em mais um episódio da teia de corrupção em que o Executivo de Zelensky está envolto há semanas.

Se os carros de combate pesados alemães Leopard-2 e os norte-americanos M1 Abrams estão na calha para chegar à frente de batalha na Ucrânia, com o objectivo de ajudar os ucranianos a expulsar os russos, a burocracia e a pesada logística que estas complexas máquinas exigem, estão a encalhar as suas lagartas na lama do leste europeu, tornando quase incompreensível a incapacidade que os membros da NATO estão a demonstrar para ultrapassar esses obstáculos.

No caso dos "tanques", o atraso no M1 Abrams pode chegar a 12 meses com os norte-americanos a justificar com a sua complexa tecnologia - este usa uma turbina de avião e não um normal motor a diesel - e exigência de treino, e no caso dos Leopard-2, dia após dia vão-se somando semanas de indecisão e problemas, como aquele que Berlim acaba de anunciar, que é a impossibilidade de cumprir prazos - previamente estabelecido em 4 a 6 semanas - porque está a ser difícil reunir veículos em número suficiente para os programados dois batalhões a enviar para a Ucrânia, com a participação de vários países, devido à dificuldade em operacionaliza-los devido à falta de peças e munições.

A piorar o cenário para Kiev, o Financial Times divulgou um artigo onde explica que o envio dos M1 Abrams para a Ucrânia é, em vez de um impulso na capacidade ucraniana, um entrave, porque vão exigir um enorme esforço em homens e meios apenas ara garantir a sua logística e operacionalidade, especialmente com a quase certa débil resposta no terreno às avarias que serão, seguramente, muitas, expondo estes veículos e as equipas humanas que os acompanham de perto, ao fogo inimigo...

O seu principal problema, sem a manutenção assegurada pelas equipas norte-americanas, é que o seu motor de avião, se por um lado garante maior velocidade ao veículo de 70 toneladas, por outro exige uma permanente revisão para não ficar atolado e em posição vulnerável às unidades "caça-tanques" russas.

Mas a este, soma-se outra situação onde as sonoras promessas de envio de armamento colidem com a falta de celeridade e eficácia na entrega, como é o caso dos roquetes com alcance de 150 kms norte-americanos, para usar no sistema de lançamento HIMARS, que, afinal, são uma arma nova, pouco testada e que ainda nem sequer saíram das fábricas aqueles que vão ser enviados para a Ucrânia no âmbito do último pacote de apoio militar de Washington no valor de 2,2 mil milhões USD.

Tudo isto, com as forças ucranianas a enfrentarem uma iminente ofensiva russa terrestre, sendo que esta já está, segundo vários analistas militares, a decorrer pelo ar, através do reforço dos ataques com misseis, artilharia pesada e aviação, especialmente no Donbass, onde Moscovo pretende assegurar nas próximas semanas a tomada de todo o território das províncias de Donetsk e Lugansk, estado o poder de fogo mais relevante concentrado na área de Bakhmut.

É igualmente facto que, como têm, curiosamente, e em contraste com a até aqui vangloria dos feitos ucranianos, noticiado alguns media ocidentais, como o NYT ou a Reuters, ou ainda o Washington Post, as forças ucranianas estão a sofrer revês atrás de revês, com alguns analistas citados a admitirem que as forças russas podem ter sido subavaliadas na sua capacidade combativa.

A isto soma-se ainda que o Governo de Kiev parece em dificuldades para se libertar da sombra da corrupção, com, depois do escândalo de há duas semanas, ter agora chegado a vez do ministro da Defesa, Aleksey Reznikov, ser afastado devido à sua ligação aos desvios apurados, embora os media ocidentais estejam a noticiar, citando um aliado de Zelensky, que este apenas mudará de pasta ministerial para amenizar o efeito devastador na imagem do Executivo de Kiev.

Mas não há, apesar de tudo indicar que se prepara um prolongamento extenuante deste conflito, quem avance com um mapa onde o "X" da paz esteja claramente marcado, sendo o mais parecido com isso a defesa ocidental, como é o caso da França, que, ainda hoje, 06, numa operação de comunicação de guerra, que envolveu os departamentos África do seu Ministério dos Negócios Estrangeiros, quando perguntados por um jornalista a partir de Hararé, no Zimbabué, sobre qual a saída diplomática defendida por Paris, ouviu como resposta que é o plano em 10 pontos para a paz anunciada há meses pelo Presidente Zelensky, onde se fixa como premissa inamovível a saída dos russos de todo o território ucraniano, incluindo a Crimeia e as províncias anexadas em Setembro do ano passado após referendo.

Ora, é dado como certo e seguro pela generalidade dos analistas que esta condição jamais será tomada em consideração pelo Kremlin, o que faz com que o "plano Zelensky" seja o mesmo que nada, e o mesmo que, quem o defende, dizer que a solução é derrotar no campo de batalha a Rússia, a maior potência nuclear do mundo, como, alias, defendem os lideres europeus da Comissão, Ursula Leyen, e o chefe da diplomacia de Bruxelas, Joseph Borrell, colocando o mais grave conflito na Europa desde o fim da II Guerra Mundial, em 1945, num beco sem saída e com a possibilidade cada vez mais efectiva de este evoluir para um confronto directo entre a NATO e a Federação Russa, a antecâmara de uma devastadora guerra nuclear global.

Wanted - dead or live

A palavra é bem conhecida dos filmes de "cow boys", os velhos westerns norte-americanos, onde em cartazes com as suas fotografias, os bandidos era procurados e atribuídas recompensas a quem os apanhasse, "dead or live - vivos ou mortos", técnica que agora os russos estão a usar para lidar com a ameaça dos blindados pesados alemães e norte-americanos, os Leopard-2 e os M1 Abrams Made in USA.

Depois de uma empresa privada ter dito que pagaria 70 mil euros a quem fizer arder o primeiro tanque ocidental, e 7 mil euros por cada um dos restantes, também as autoridades russas locais, como o Governador de Zabaikalsky, Alexander Osipov, que assinou um decreto onde garante o pagamento aos seus militares que capturarem um dos tanques e 14 mil a quem destruir um Leopard-2 ou um M1 Abrams.

Face a esta estratégia de recompensa pelo "abate" dos tanques ocidentais, o Kremlin, segundo o seu porta-voz Dmitri Peskov, mostra-se em completo acordo porque isso "demonstra unidade e entusiasmo" em levar a cabo com sucesso esta operação militar na Ucrânia.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.