Para já, apenas estão garantidos 31 M1 Abrams, os mais sofisticados veículos deste tipo Made in USA, 14 Leopard-2 alemães e perto de duas dezenas oferecidos por outros aliados europeus de Kiev, como a Espanha e a Polónia ou mesmo Portugal, e ainda 14 Chalenger-2 britànicos, perfazendo 94. Só que...
... o facto de estes veículos blindados de última geração terem sido prometidos, a sua chegada ao campo de batalha pode demorar de várias semanas, no caso dos europeus Leopard-2 e Chalenger-2, e quase um ano, tratando-se dos norte-americanos M1 Abrams, o que, aliado ao facto de serem escassos para as necessidades, quando chegarem a esta guerra no leste europeus, como questionava esta quinta-feira o analista major-general Agostinho Costa, na CNN Portugal, "ainda haverá Ucrânia nessa altura?".
Isto, porque a questão neste momento é que a ideia de que estes carros pesados, mesmo que se trate, explicava ainda Agostinho Costa, de armas poderosas, não o são mais que os novos T-90 russos, sendo que a Rússia possui mais de 600 a caminho da frente, além de várias centenas de igualmente renovados T-80 e mesmo T-72, superando os milhares, o que dificilmente poderá fazer deles uma verdadeira ferramenta para inverter o curso desta guerra, embora a possam prolongar no tempo e no sacrifício de muitas mais vidas humanas.
E é por isso que, dizia ainda este oficial que é vice-presidente do EuroDefense Portugal, os ucranianos estão sempre a atirar para as capas dos jornais a ideia de que está para chegar uma arma decisiva e que depois se revela como apenas mais uma sem uma influência decisiva no curso da guerra.
O mesmo entendimento tem o major-general Carlos Branco, também no estúdio da CNN Portugal, na qualidade de especialista militar com uma passagem, enquanto quadro da NATO, pela guerra nos Balcãs, na década de 1990, sublinhando que parece que existe uma intenção entre as autoridades militares e políticas ucranianas de ter sempre em destaque a ideia de que está a chegar uma "arma maravilha" que vai mudar tudo, que foi o caso, por exemplo, dos drones turcos Baiktar, depois foram os obuses M777, depois os sistemas múltiplos de lança-roquetes dos EUA, HIMARS, agora os carros de combate pesados...
E já se fala agora de caças norte-americanos F-16 e de aviões de ataque ao solo, A-10, o que, para este oficial, que estão agora a ser pedidos pelos Governo de Kiev, criando, para isso a ideia de que este conjunto de armas vão ser como um "punho de aço" airado contra os invasores russos.
A verdade é que, sublinha Carlos Branco, essa viragem ainda não aconteceu e as ultimas notícias da frente indicam que é a Rússia que parece estar com mais ímpeto, avançando em zonas estratégicas importantes sobre a linha de defesa ucraniana no Donbass (Donetsk e Lugansk), quebrando barreiras como Soledar e Bakhmut, ente outras, deixando Kiev sem acesso a linhas de reabastecimento das suas unidades no terreno, aproximando as forças do Kremlin da zona limite destas regiões, a caminho do Rio Dniepre.
Rússia em superioridade numérica intensifica ataques no leste - Kiev (Lusa)
A vice-ministra da Defesa ucraniana alertou que a Rússia, em "superioridade numérica", está "a intensificar" os ataques no leste da Ucrânia, no mesmo dia em que os aliados ocidentais anunciaram o fornecimento de tanques a Kiev
"Os combates estão a intensificar-se", salientou Ganna Malear, citada pela Lusa, referindo-se a ataques na região de Donetsk, no leste da Ucrânia, em áreas ao redor de Bakhmout, que as tropas de Moscovo tentam conquistar há vários meses, mas também em Vougledar.
Esta é a primeira vez que Vougledar, cidade que tinha cerca de 15.000 habitantes antes da guerra e localizada a sudoeste de Donetsk, é mencionada explicitamente entre as zonas de combate "intenso", noticiou a agência France-Presse (AFP).
"A intensidade da luta está a aumentar", insistiu Malear numa mensagem na rede social Telegram.
"No Donbass, contra a superioridade numérica e de armas [da Rússia], a vantagem do nosso lado reside no profissionalismo do comando militar e na coragem dos soldados", destacou ainda a vice-ministra da Defesa.
O Exército ucraniano admitiu hoje que se retirou de Soledar, duas semanas depois de as forças russas terem anunciado a conquista da pequena cidade do leste da Ucrânia próxima de Bakhmut.
A importância estratégica de Soledar tem sido contestada, com o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), com sede em Washington, a dizer que a sua conquista não corresponderia a "um desenvolvimento operacionalmente significativo".
O Exército russo apresenta a conquista de Soledar como um passo fundamental no cerco da cidade vizinha de Bakhmut, que tem procurado capturar desde o verão.
A televisão norte-americana CNN noticiou, na terça-feira, que Estados Unidos e países europeus aconselharam Kiev a abandonar Bakhmut e a dar prioridade a uma ofensiva no sul, "usando um estilo de luta diferente que aproveite os milhares de milhões de dólares em novo material militar recentemente comprometido".
E a paz...?
Com isto, a possibilidade de uma paz negociada entre Kiev e Moscovo parece agora cada vez mais distante, até porque o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse agora numa entrevista à Sky News, que "o Presidente russo não é ninguém" e que com ele "não vale a pena falar", que não tem "nenhum interesse em falar com ele", isto, depois de ter feito aprovar legislação que torna ilegal qualquer conversa com o Kremlin.
Alias, anda esta semana, Zelensky chegou mesmo a dizer que duvida que Putin esteja vivo, sequer, admitindo mesmo que as imagens que surgem com o Presidente russo sejam manipulações com recurso a Inteligência Artificial.
Apesar de serem muitos os países que pedem a Moscovo que dê o passo na direcção da paz, como é o caso de Angola, o que voltou a acontecer agora, com a recente visita do MNE russo, Sergei Lavrov, o chefe da diplomacia russa voltou a dizer que esse passo foi dado várias vezes e que em Março de 2022 esteve mesmo para ser assinado um acordo, tendo Kiev voltado atrás por pressão ocidental de EUA e Reino Unido.
Isto acontece quando, horas depois de ser conhecida a decisão alemã e norte-americana de enviar tanques pesados para a Ucrânia, as forças russas, a partir do Mar Negro e de bombardeiros pesados, voltaram a atacar massivamente com misseis e drones dezenas de cidades ucranianas, incluindo a capital, com a destruição avultada de infra-estruturas eléctricas e vias rodoviárias e ferroviárias, embora Kiev garanta que a maior parte destes foram abatidos.
Esta vaga de misseis e drones lançados sobre a Ucrânia, mais uma de várias nos últimos dois meses, deixa claro que as informações divulgadas nos media ocidentais, a partir de fontes nos serviços secretos britânicos, de que a Rússia estava a gastar os últimos "cartuchos", são, na verdade, ligeiramente exageradas.
E, por fim, o aviso mais abrasivo feito ao ocidente pelo Kremlin, através do seu porta-voz, Dmitri Peskov: "O envio dos tanques é o envolvimento directo dos países ocidentais" nesta guerra. O que é que isso significa, só com o passar dos dias se perceberá, mas uma escalada é temida por muitos analistas militares, deixando o mundo mais perto de um incandescente conflito nuclear.
África "entra" na guerra
O Governo do Rei Mohammed VI, de Marrocos, decidiu escolher um lado da guerra e é o primeiro país africano a enviar equipamento de guerra para o conflito na Ucrânia, oferecendo duas dezenas de carros de combate pesados, T-72B, de fabrico soviético, a Kiev.
O envio dos 20 T-72B marroquinos para a Ucrânia tem um forte valor simbólico porque poderá abrir um novo corredor de material de guerra para o conflito no leste europeu, visto que em África existem largas dezenas de milhares de veículos blindados adquiridos ao longo dos anos à então União Soviética, e também já depois, à Federação Russa.
Até 1991, com a consolidação do colapso da ex-URSS, a maior parte dos países africanos eram grandes clientes da indústria militar de Moscovo, tendo depois continuado, mas já enquanto Federação Russa ou CEI (Comunidade de Estados Independentes), o que levou a que fosse concentrado um grande volume de viaturas, sejam os carros de combate ou viaturas blindadas de transporte de tropas.
Agora, no que já está a acontecer, alguns países aliados de Kiev têm estado a adquirir equipamento de guerra em África, desde munições de calibre 152 mm, padrão soviético, até peças de artilharia e viaturas, mas, segundo a informação disponível, sempre por terceiros e com o objectivo deste ser oferecido para alimentar o esforço de guerra de Kiev.
Mas o envio dos 20 carros de combate pesados de fabrico russo, que eram os mais avançados até ao colapso da URSS, e que constituem ainda a espinha dorsal das unidades blindadas ucranianas, por Rabat, surge como a primeira vez que um Estado africano toma a iniciativa de disponibilizar apoio directo a um dos intervenientes neste conflito.
Marrocos, ao contrário da vizinha Argélia, que mantém uma ligação mais sólida e próxima com a Rússia, desde há muito que se posiciona ao lado do ocidente, e esteve mesmo, segundo a imprensa marroquina, presente na reunião recente do denominado Grupo de Contacto para a Ucrânia, composto por cerca de 50 países, maioritariamente da NATO e da União Europeia, na base aérea norte-americana de Ramstein, na Alemanha, para relançar o apoio a Kiev.
No entanto, estas viaturas, só vão chegar à frente de combate na guerra Rússia/Ucrânia depois de uma requalificação profunda na República Checa, porque, segundo avança o site ucraniano Defense Express, as Forças Armadas marroquinas, que adquiriram estes veículos, em 1999 e 2000, à Bielorrússia, não foram capazes de os manter operacionais, sendo bastante profunda a sua deterioração.
Estes "tanques" foram adquiridos por Rabat na perspectiva de contenção das forças argelinas a norte, numa altura, que actualmente se repete, em que os dois países viviam momentos de forte tensão e estava iminente um conflito.
No entanto, segundo publicações especializadas na área da defesa, os EUA e a Holanda têm em curso um programa de compra de quase 100 unidades T-72B para enviar para Kiev, existindo fortes evidências de que estes estejam a ser adquiridos em países africanos com disponibilidade abundante deste tipo de equipamento devido aos prolongados e violentos conflitos internos em que estiveram envolvidos e que, agora, têm, com estes, uma grande e permanente despesa de manutenção.
Alguns países africanos nestas circunstâncias podem mesmo aproveitar este conflito europeu para se verem livres de algum material de guerra, incluindo carros de combate de diversos tipos, do qual já não precisam e que estão em vias de se tornarem obsoletos, podendo amortizar algum do investimento feito, nalguns casos, há mais de três décadas.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.