Olhando para as consequências do conflito no leste europeu, que ganhou tracção mais visível a 24 de Fevereiro, quando as forças russas invadiram a Ucrânia, mas que remonta pelo menos a 2014, com a anexação da Crimeia por Moscovo, e, segundo a visão de alguns analistas, a muito antes, desde que o Presidente Vladimir Putin avisou, em Berlim, numa conferência sobre paz na Europa, no ano de 2007, para o perigo real de um avanço da NATO para as fronteiras com a Federação Russa, facilmente se conclui que já não resta um país no mundo que não tenha sentido negativamente na pele os seu efeitos devastadores, seja na economia, com as ramificações óbvias para a segurança alimentar, nos países mais pobres, ou o aumento tremendo do custo de vida, com a inflação a irromper do chão como uma árvore de grande porte e a recessão como fruto mais amargo.
É ainda claro, hoje, que os apelos à paz, com uma saída negocial para a guerra, que se conhecem, têm origem nos países menos desenvolvidos e onde os efeitos colaterais são mais devastadores, ou dos países com algum elemento de compromisso estratégico que os impede de tomar partido, embora deixando sinais de conforto à Rússia, como China e Índia, ou dezenas de Estados africanos e asiáticos, ou mesmo da América Latina.
Já das grandes economias ocidentais, como a União Europeia, os Estados Unidos, o Canadá, Japão ou Austrália, a palavra que se tem vindo a ouvir com mais frequência, no patamar onde o poder político é exercido, não é paz mas sim guerra, desde logo a Administração Biden, com os seus secretários de Estado e da Defesa, Antony Blinken e Lloyd Austin, a não esconderem o desejo e o empenho em manter o fogo aceso, seja pelo conforto político endereçado a Kiev para manter o gatilhar contra os "invasores", seja pelo envio em fluxo contínuo de armamento cada vez mais e mais sofisticado, ou da União Europeia, onde a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, ou o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, não se têm cansado de defender que a Rússia deve ser derrotada no campo de batalha.
Mas por detrás desta fanfarronice está uma situação que evolui para a condição de insuportável, mesmo para os falcões Blinken e Austin, Leyen ou Borrell, porque nas ruas, nas casas, nas empresas, nas famílias, os efeitos da guerra estão a ser devastadores, com o aumento do custo de vida a raiar o grotesco, no rasto de uma inflação recorde de 40 anos, como os 10% na Europa ou os mais de 11% nos EUA, onde já pouco ou nada há para fazer de forma a impedir a recessão em 2023 ou mesmo antes...
E na Rússia, as coisas não estão melhor... alias, são muitos os analistas que defendem que a propalada resistência da economia russa aos efeitos do conflito, mesmo que o Fundo Monetário Internacional (FMI), no seu último relatório, deste mês, sublinhe essa ideia, com um recuo no PIB de apenas 3%, estará prestes a colapsar porque as sanções aplicadas pelo Ocidente, especialmente da União Europeia, podem levar algum tempo a penetrar das densas defesas criadas pelo Banco Central russo, algumas delas de natureza deceptiva, mas no médio/longo prazo, os seus efeitos vão ser, forçosamente, devastadores, desde logo pelos custos inerentes a uma guerra alimentada pelo lançamento permanente de misseis de elevada tecnologia, e caros, como os Kalibr ou os Iskander, que custam, como lembrou o especialista militar major-general Agostinho Costa, do EuroDefense Portugal, três e seis milhões de euros cada um deles, respectivamente.
Portanto, mesmo aqueles que se mostram mais renitentes em colocar o diálogo como via para a paz, por detrás dos panos desejam ardentemente que no horizonte, a tal ave rara, o "Cisne Negro", se insinue e depois sobrevoe com estridente bater de asas os mares de Azov e Negro, porque, com o cenário de hoje, só um elemento raro e poderoso pode virar a maré, até porque tarda a que a palavra paz se imponha na voz dos que detém o poder na União Europeia e nos EUA, que são quem alimenta a retórica da guerra e o fluxo permanente de armamento e dinheiro para Kiev de forma a manter a pressão sobre a Federação Russa.
É igualmente verdade que a Rússia, mesmo perdendo o mercado europeu para o seu gás natural e petróleo, que, nos últimos anos, lhe rendeu mais de mil milhões de dólares por dia, o que não é certo, até porque alguns países se opõem a um embargo alargado à energia russa, desde logo a Alemanha, o motor da economia europeia, tem sempre os mercados chinês e indiano, os dois gigantes asiáticos que estão a sorver grande parte da sua produção que foi desdenhada pelas sanções de Bruxelas, o que lhe alimenta uma resiliência que europeus e norte-americanos poderão não ter, ou pelo menos, com a qual não estavam a contar.
Ora, que "Cisne Negro" pode ser aquele que todos, mesmo os que não o admitem, querem ver sobrevoar o leste europeu?
O "General Frio", que pode, durante meses, deixar toda a vasta região europeia, especialmente no norte/ nordeste, a temperaturas abaixo dos 20 graus negativos, uma catástrofe social agravada com a falha já admitida de gás, que levará os países a colocar no aquecimento das casas todas as suas reservas, negligenciando as suas indústrias, o que poderá abrir uma "Caixa de Pandora" económica cujas consequências são hoje impossíveis de antever, será, quanto muito um "Cisne Cinzento" porque, apesar do seu impacto ser sempre estridente, os efeitos são bem conhecidos na região pelo papel que teve ao travar o avanço das forças nazis de Hitler para leste durante a II Guerra Mundial.
Os volumosos e a avolumar efeitos da crise económica, também não, porque essa é mesmo um "Cisne Branco" vulgar, porque está bem estudada e já ninguém pode invocar ignorância para os seus efeitos esperados e certos, havendo mesmo declarações nesse sentido tanto de Ursula Leyen como de Joe Biden, ou dos lideres nacionais europeus, a pedir não só sacrifícios aos cidadãos europeus, em nome dos valores que estão a ser defendidos pelos ucranianos no campo de batalha alimentado pelo armamento europeu e norte-americano, como a prepará-los para um prolongamento indefinido desses sacrifícios, "até à derrota total da Rússia".
Será, então, a ameaça nuclear? Do ponto de vista ocidental, isto é, dos EUA e da Europa ocidental, parece ser essa a alavanca que se transformará como por magia num "Cisne Negro", como se vê pelo esforço em alimentar esse "medo" ao forçar a ideia, através da manipulação clara dos media ocidentais, quase todos, de que o senhor do Kremlin fez uma ameaça directa de uso do seu arsenal nuclear contra os ucranianos, ou outros; quando, na verdade, o que Vladimir Putin disse agora foi o mesmo que já dizia há anos, que é garantir que recorrerá às armas atómicas quando a Federação Russa estiver sob ameaça existencial, o que pode ser por um iminente ataque nuclear da NATO ou uma volume atacante convencional de tal ordem que possa traduzir-se pelo fim existencial da Rússia.
Mas dificilmente a "ameaça nuclear" poderá servir de "Cisne Negro", mesmo que os media ocidentais, quase sem excepção, mas com ênfase para a CNN, nos seus diversos ramos franchisados, como em Angola se pode verificar facilmente através da CNN Portugal, porque, como disse o porta-voz do Kremlin há dias, "a doutrina da Federação Russa no que concerne ao uso do nuclear está escrita e é tão bem conhecida de todos, que não vale a pena alimentar essa discussão".
Será então um fenómeno de natureza política, como um golpe palaciano no Kremlin, que leve eventuais generais russos com acesso ao Kremlin, cansados de não poderem sair do país para as suas mansões em Miami ou na Cote D"Azur, devido às sanções americanas e europeias, financiados por eventuais "oligarcas" fartos de verem os seus iates de luxo serem apreendidos nos portos euro-americanos e as suas contas recheados de milhões e milhões congeladas. Provavelmente não, porque só alguém "naif" quanto-baste poderia conceber tal ideia numa hierarquia político-militar traçada a régua e esquadro pela "intelligentsia" como é o caso da russa.
E um "Cisne Negro" pode então aterrar num dos pontos vitais deste tripé que alimenta a guerra desencadeada na perspectiva recente pela Rússia na Ucrânia, EUA-União Europeia- Kiev?
Em Kiev, é difícil, porque, horas depois da invasão, o próprio Putin desafiou os militares ucranianos a derrubar o regime de Volodymyr Zelensky e foi o que se viu.
Poderá ser na Europa ocidental? Pode, mas também é pouco expectável, porque "o Cisne Negro" poderia ter nascido com a vitória da extrema-direita na Itália, com GIorgia Meloni, mas a própria meteu no sítio os seus aliados, Matteo Salvini, da Liga, e Silvio Berlusconi, do Força Itália, públicos e notórios amigos de Putin, ao endereçar o apoio de Roma a Kiev na guerra contra a Rússia.
E as mudanças de poder expectáveis no Reino Unido, com a igualmente esperada iminente queda ruidosa da inepta e maior aliada de Kiev na Europa ocidental, Liz Truss, ou em países como a Suécia, onde já aconteceu o regresso ao poder da extrema-direita, mesmo que de forma pouco ortodoxa, na Bulgária, Eslováquia... também não parecem estar a mover montanhas nesse sentido...
Há, porém, um elemento na política europeia que pode escurecer as penas do "Cisne" que é a redução substantiva da resiliência destes governos na União Europeia a protestos populares no sentido de acabar com a guerra porque acabar com o conflito será acabar, a prazo, com as dificuldades económicas, com as razões que estão por detrás do crescente desemprego e o elevado custo de vida, que já está na génese de protestos de dezenas de milhares de pessoas em países como a França, Itália, República Checa, Alemanha... mesmo que pouco noticiados nos media ocidentais.
Todavia, só com o tempo se saberá se será este "pássaro" a voar sobre o leste europeu para levar nas asas o fim das hostilidades e um eventual plano de paz ou, pelo menos, para um cessar-fogo.
É nos Estados Unidos que alterações de natureza política podem aproximar mais as penas da ave ao tom mais escuro, dando forma a um "Cisne Negro", porque a 08 de Novembro, o Democrata Joe Biden, que já disse que quer voltar a candidatar-se, apesar dos seus 80 anos, a um segundo mandato, vai enfrentar as mais difíceis eleições intercalares em muitos anos, considerando que as sondagens indicam claramente para a perda, das maiorias que os Democratas têm hoje no Congresso, seja no Senado, seja na Câmara dos Representantes.
Isto, porque é sabido, que sem o apoio claro destas duas câmaras do Congresso, toda a política externa da Casa Branca fica limitada, a ponto de, se houver empenho nesse sentido, pode mesmo ser bloqueada em questões essenciais.
E o que se sabe até hoje é que os Repúblicanos, ainda, oficiosamente, liderados por Donald Trump, não são vigorosos apoiantes do envio de biliões de dólares para o regime de Kiev continuar a combater os russos, tendo mesmo o ex-Presidente dito já que com ele na Casa Branca não haveria guerra, acusando ferozmente Joe Biden de ser o causador da grave crise pré-recessão que os EUA vivem por estes dias.
Este momento, se se confirmar a perda do Congresso pelos Democratas de Biden, ou seja, se as sondagens estiverem afinadas, pode ser um "Cisne Negro" a voar baixinho, apesar de tudo, porque se Biden quiser mesmo lutar por um segundo mandato contra, "again", Donald Trump, nas eleições Presidenciais de 2024, ficará com uma informação relevante: os eleitores americanos identificam a guerra na Ucrânia como responsável pelas suas dificuldades sociais e económicas e querem outra política na Casa Branca, o que o forçará, se quiser ter hipóteses de vitória, a mudar de política para com a Ucrânia.
Só que não é certo que Biden queira mesmo concorrer a um segundo mandato... E o resultado da guerra com a Rússia, onde Washington está claramente a usar os ucranianos para combaterem pelos americanos contra a Rússia, como tem sido afirmado por cada vez mais analistas militares e em geoestratégia, pode ser mais importante para Joe Biden, que já está com 80 anos, que a política interna... E não se pode esquecer que o seu filho, Hunter Biden, com ligações fortes mas nem sempre claras à Ucrânia, vive momentos stressantes devido à descoberta de um seu computador com, alegadamente, conteúdo melindroso nesse capítulo.
O "Cisne Negro" que pode, efectivamente, acabar com este conflito no leste europeu e que já lançou estilhaços para os quatro cantos do mundo, mais incandescentes para o esfomeado Corno de África, a Ásia subdesenvolvida, a América Latina mais pobre... já terá mesmo nascido e as suas asas estão quase a ganhar dimensão para poder sair do ninho e voar sobre a liha da frente...
É o cansaço dos povos mais directamente envolvidos, os da Europa ocidental e dos Estados Unidos, da Rússia e da Ucrânia... mesmo que, curiosamente, a sua, de todos eles, paciência esteja a ser expandida muito eficazmente pelo uso dos media enquanto instrumentos de manipulação.
Ou seja, bastará, simplesmente, ser dada ordem para o fim desse jogo de manipulação para, em uníssono, todos os governos terem a sua justificação - a pressão popular, do povo "soberano" -, sólida e luminosa, para mudar o chip das batalhas da linha da frente para a tampa da mesa das negociações.
Afinal os media são, cada vez mais, o quarto do poder... E desligar o botão da manipulação pode, definitivamente, fazer o pássaro sair do ninho e bater as suas asas negras onde podem fazer a diferença...
Um outro "Cisne Negro" ainda está no ovo... É o perigo de os estilhaços incandescentes da guerra no leste europeu caírem onde ninguém quer ver terra a arder: no Médio Oriente...
Basta perguntar aos israelitas porque resistem a apoiar a Ucrânia. Garantidamente que não é apenas, mesmo que seja também, porque esse apoio material teria de ser através da instalação do seu sistema de defesa icónico, o "Cúpula de Ferro - Iron Dome" como qual abate todos, ou quase todos, os mísseis e roquetes enviados dos territórios palestinos, nas cidades ucranianas, o que seria mais ou menos entregar, mais cedo ou mais tarde, este equipamento para estudo e análise de eventuais vulnerabilidades ao "inimigo" porque nem os norte-americanos, como a CIA já admitiu, conseguem saber onde anda a maior parte do equipamento militar enviado para Kiev. E o risco de "oferecer" o Iron Dome aos iranianos é a linha vermelha para Tel Aviv.