Enquanto Volodymyr Zelensky leva a sua agressiva diplomacia de guerra aos quatro cantos do mundo, no seu persistente e até aqui bem sucedido esforço de convencimento para obter mais armamento para combater os russos, e mais apoio para as sanções sobre Moscovo, a Rússia continua a despejar dezenas de misseis e drones sobre as cidades ucranianas, de forma a reduzir a cinzas e destroços o armamento enviado pelo ocidente e armazenado em locais estratégicos espalhados por todo o país de forma a servir a complexa logística de guerra para a contra-ofensiva da Primavera que, muitos admitem já estar em curso, embora os dirigentes ucranianos o neguem.

Sobre a sua agenda e objectivos de participação na Liga Árabe, pouco ou nada se soube, mas sabe-se que a Liga Árabe é integrada por dezenas de países que, por sua vez, se dividem entre aliados estratégicos da Rússia e dos EUA, entre aqueles que jogam em todos os tabuleiros e aqueles que tem mostrado empenho na procura de soluções negociadas para a guerra entre ucranianos e russos, como é o caso do Egipto, cujo Presidente Abdel el-Sisi integra a delegação de seis lideres africanos que deverá partir para Moscovo e Kiev nos próximos dias. (Ver aqui).

Este contexto permite avançar com relativo grau de certeza que o Presidente ucraniano aproveitará o palco na Liga Árabe para insistir na condenação internacional da invasão russa, pedir apoio para o seu esforço de guerra... mas também ouvira vozes a lembrar que encaminhar a guerra das trincheiras para a mesa das negociações é a verdadeira prioridade da maior parte dos países, em todo o mundo.

Cenário diferente é o que espera Zelensky em Hiroshima, onde os sete países mais industrializados do ocidente - EUA, Canadá, Japão, França, Reino Unido, Alemanha e Itália - e a líder da União Europeia, coincidem com os mais robustos aliados de Kiev e concentram a quase totalidade do apoio financeiro e miliar à Ucrânia, além de serem os criadores das pesadas sanções aplicadas à Rússia, que já é o país em todo o mundo com mais sanções em cima, sem comparação histórica.

Ou seja, sucesso garantido para Volodymyr Zelensky em Hiroshima, onde se esperam renovadas juras de apoio ilimitado e até onde for preciso para derrotar no campo de batalha a Rússia, como têm repetido os dirigentes norte-americanos e europeus, e anúncio de novas sanções, como é o caso da União Europeia, que prepara o 11º pacote de sanções, mesmo que seja já claro que o ricochete destes castigos a Moscovo esteja a empurrar a Europa ocidental e os EUA para uma grave crise económica e um descontentamento popular em vigoroso crescendo, sendo escassos os indícios de que estejam a afectar a economia russa e muito menos a sua capacidade de financiar o seu esforço de guerra na Ucrânia.

Num comunicado divulgado pelo G7 a antecipar a Cimeira do Japão, o grupo dos "mais ricos" garante a continuidade do apoio sem dúvidas à Ucrânia contra a invasão russa, reafirma a condenação a Moscovo e elogia a coragem do povo ucraniano pela sua bravura e resistência.

Enquanto isto...

... uma renovada vaga de misseis e drones caiu esta madrugada sobre diversas cidades ucranianas, repetindo-se o cenário em que os ucranianos dizem que abateram a generalidade dos projecteis russos enquanto Moscovo reafirma que todos os objectivos foram atingidos e que só ataca alvos militares.

Os russos voltaram a flagelar locais de armazenamento de armamento ocidental de cidade em cidade, durante a última madrugada, o que já tinha sucedido entre segunda e terça-feira e entre quarta e quinta-feira, igualmente de madrugada, com dezenas de misseis de longo alcance, disparados do Mar Negro, e de bombardeiros em voo sobre as regiões russas ocidentais e a Bielorrússia.

Mais uma vez, como sucedeu na noite de segunda-feira para terça, os ucranianos fizeram saber que destruíram todos os misseis russos.

Mas, tal como nas anteriores vagas de ataques, as imagens com explosões em locais específicos começaram de imediato a surgir nas redes sociais, o que põe em causa as afirmações ucranianas sobre o sucesso da sua defesa antiaérea.

Tudo a contrastar com o que dizem os russos, que, segundo o porta-voz do Ministério da Defesa, general Igor Konashenkov, todos os objectivos foram atingidos, incluindo, já esta semana, uma bateria Patriot, o mais sofisticado sistema de defesa antiaérea de longo alcance norte-americana, que custa mais de 1,2 mil milhões USD e a Ucrânia dispunha apenas de duas.

Os russos desmentem ainda as informações veiculadas por Kiev de que no início da semana, quando foi destruída a bateria Patriot, já confirmada pelos norte-americanos, foram abatidos todos os seis misseis hipersónicos Kinzhal, que o Kremlin diz ser impossível deter com os meios ocidentais actualmente disponíveis.

Alias, esta insistência de Kiev no abate de todos os misseis russos já levou alguns analistas militares, como os major general Carlos Branco, VItor Viana ou ainda o coronel Mendes Dias, ouvidos regularmente na CNN Portugal, a dizerem que esta insistência de Kiev não faz sentido e até o objectivo pretendido de galvanizar internamente as tropas e o povo é posto em causa por ser por demais evidente que se trata de uma falsidade.

Com efeito, os dados sobre as características destes misseis, os Kinzhal, e dos Patriot, deixam em evidência a falsa narrativa ucraniana. Os primeiros voam a uma velocidade superior a Mach 10 (10 vezes a velocidade do som), até 14 mil kms/h, enquanto os segundos atingem como velocidade máxima os 4,5 Mach (pouco mais de 6 mil kms/h), sendo que, para uma intercepção poder ter sucesso, o míssil interceptor tem de voar a pelo menos uma velocidade 1,5 Mach superior ao míssil atacante.

Outra coisa é, segundo estes especialistas militares, quando se trata de drones ou misseis de cruzeiro não hipersónicos, que podem ser abatidos com bastante eficácia pelos sistemas ucranianos de defesa antiaérea, que, além dos Patriot, conta com os igualmente modernos IRIS-T, alemães, ou, entre outros, os italianos SAMP/T, além dos antigos S-300 e BUK, da era soviética mas ainda eficazes.

Kissingir volta a marcar território

Depois de no início do conflito, Henry Kissinger ter defendido o fim do conflito e negociações entre Kiev e Moscovo urgentes, apelando à não entrada da Ucrânia na NATO, este posicionamento foi mudando, até que a 27 de Maio, como o Novo Jornal noticiou, passou a defender que a NATO deve abrir as portas à Ucrânia e agora surge a explicar, numa entrevista a The Economist, o porquê dessa alteração na abordagem a este assunto.

A ideia por detrás das palavras do bem conhecido estratega norte-americano na área da diplomacia era, inicialmente, não deixar andar a carroça do inferno em que o mundo se transformaria por considerar inevitável um confronto directo entre a Rússia e os Estados Unidos com o prolongamento do conflito na Ucrânia, sendo que isso levaria inevitavelmente a um confronto nuclear.

O antigo Secretário de Estado de Richard Nixon e conselheiro para a Segurança Nacional de Gerald Ford, entre 1969 e 1977, e um dos nomes mais considerados na área da geopolítica, agora com 99 anos, entende que, ao fim de um ano de guerra, já não tem valor nem significado fazer de conta que a Ucrânia não pertence à NATO quando é esta organização militar ocidental liderada pelos EUA, criada em 1949 para conter o avanço da ex-URSS, que garante a capacidade militar a Kiev.

De recordar que as palavras de 2022 levaram Kiev a criticar efusivamente Kissinger, considerando-o um "inimigo" porque a política de Volodymyr Zelensky, o Presidente ucraniano, era, e é, convencer o ocidente e a NATO a entrar na guerra directamente com a Rússia, o que os Estados Unidos têm conseguido evitar, apesar de na Europa alguns países, como a Polónia, Lituânia, Letónia e Estónia, e ainda a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, defenderem a mesma posição que o regime ucraniano, o que, como tem sido repetido por Washington e por Moscovo, levaria inevitavelmente a um Armagedão nuclear.

Agora, segundo KIssingir, no que fica mais claro o porquê desta mudança, a entrada da Ucrânia na NATO - provavelmente Kiev não vai gostar igualmente deste pronunciamento - é fundamental porque este país tem recebido tanto armamento sofisticado que já é o Exército mais bem equipado na Europa mas com os dirigentes menos bem preparados do continente europeu.

E isso leva a que a entrada na NATO seja um garante de uma aplicação sensata e controlo sobre tanto armamento que o regime de Kiev dispõe depois das entregas de toneladas de armas e munições pelos membros desta organização militar ocidental de forma a alimentar o esforço de guerra contra a Rússia.

Na sua opinião, tal serviria os interesses igualmente de Moscovo... porque contaria com a sensatez ocidental para vigiar o comportamento ucraniano.

Kissinger, com estas afirmações, parte do princípio de que as armas fornecidas pelo ocidente ainda existe, contrariando a análise de vários especialistas militares, que apontam para que uma grande e expressiva parte destas armas já tenha sido destruída pelos russos, ou no campo de batalha da linha da frente ou nos armazéns espalhados pelo país mas atingidos nas últimas semanas uns atrás dos outros pelos misseis de longo alcance e precisão russos.

Seja como for, a primeira reacção adversa a estas palavras do velho e experiente como nenhum outro diplomata norte-americano, vieram da China, que, segundo o porta-voz do ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Wenbin, a hipotética entrada da Ucrânia na NATO só vai inflamar ainda mais as tensões na Europa".

O diplomata chinês acrescentou que a Ucrânia "não deve tornar.se na linha da frente no confronto entre grandes potências", acrescentando que "fortalecer ou expandir organizações militares não é uma forma viável de garantir a segurança".

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.