Quando chegar a Bujumbura, António Guterres participará em mais uma reunião com os líderes regionais, onde o Presidente angolano, João Lourenço, deverá estar na qualidade de presidente da Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos (CIRGL) sobre o processo, longo, de estabilização na RDC.
As atenções vão estar focadas nas recentes movimentações no leste da RDC, onde os rebeldes do M23 têm, há largos meses (ver links em baixo nesta página), desestabilizado a área, embora com uma redução clara das hostilidades depois dos acordos de paz de Nairobi e de Luanda (foto Cimeira tripartida Angola, RDC e Ruanda).
Se a questão da guerrilha está a ser manuseada com pinças a partir de Luanda e de Nairobi, com resultados visíveis na medida em que o M23 tem reduzido de forma substantiva a sua actividade, o chefe das Nações Unidas, e também os restantes lideres regionais, especialmente João Lourenço, da CIRGL, que ainda não confirmou a deslocação, e Evariste Ndayishimiye, presidente do Burundi, que lidera a organização dos Países da África Oriental (EAC), terão agora mais um problema para gerir.
Isto, porque a Zâmbia, que atravessa uma crise no seu sector agrícola devido à falta de chuva, que é um resultado claro das alterações climáticas, em Abril anunciou restrições na sua política de exportações de milho, o que tem um impacto directo na RDC, que importa grande parte deste cereal do país vizinho, sendo esse impacto especialmente grave no Alto Katanga, região com forte proximidade com Angola, quer históricamente quer nas relações familiares e comerciais transfronteiriças na região, especialmente nas Lundas e no Moxico.
Os preços do milho na RDC estão a disparar e isso está a provocar um crescente mal-estar na sociedade congolesa que viu o preço dos produtos deste cereal, como a farinha, aumentar várias vezes nas últimas semanas, situação especialmente agravada pelo facto deste ser um dos principais produtos da base alimentar na RDC.
Face a este cenário, o Governo congolês já veio dizer que exige um acordo "preto no branco" com a Zâmbia de forma a evitar estes sobressaltos, sendo que as coisas estão especialmente complicadas no Katanga - para onde já foi anunciada a deslocação de uma equipa ministerial de forma a procurar soluções -, que é uma das mais importantes províncias para a economia congolesa ao concentrar importantes minas de cobre e manganês, mas também forte em cobalto, platina e, entre outros, tungsténio.
Esta questão, se não for resolvida, acabará por ter reflexos em Angola, devido à proximidade geográfica, onde naturalmente o país vizinho tenderá a procurar o milho que não lhe chega da Zâmbia, sendo que as províncias de maior produção deste cereal em Angola, como o Bié e Malanje, ficam relativamente próximas do Katanga congolês.
Mas a grande questão para Guterres, Lourenço ou Evariste Ndayishimiye é o potencial de instabilidade que a crise do milho tem na RDC, um país em permanente convulsão, ainda mais que se aproxima a grande velocidade a data das eleições Presidenciais, e a respectiva campanha eleitoral, que se prevê, como é sempre, um calendário de grande melindre, porque desde a década de 1990 que todos os processos eleitorais redundam em violência, sendo as dificuldades económicas um forte combustível para algumas dessas onde de violência.
Para já, as autoridades de Kinshasa, como está a noticiar a imprensa congolesa, exigem que Lusaka reveja a sua decisão sobre as exportações de milho para a RDC e que seja assinado um protocolo que deixe tudo "claro como o preto no branco" de forma a evitar novos sobressaltos no futuro.
Isto, porque se teme o pior com a subida brusca do preço dos cereais, como está já a suceder com o milho, com o saco de 25 kg, que custava 25 mil francos (11 USD), está agora custar 92 mil francos congoleses, mais de 40 dólares norte-americanos, um valor impossível de aguentar pela generalidade da população congolesa.
Isto, ao mesmo tempo que, citado pelo site The East African, o ministro da Economia da RDC, Vital Kamerhe, acusou directamente a Zâmbia de ser responsável pelas dificuldades que os congoleses estão a atravessar após interromper as exportações de milho para a RDC por causa da dificuldade em manter equilibrado o mercado interno, onde também já existem falhas de abastecimento do cereal.
Este problema não abrange apenas o Alto Katanga, embora seja ali mais severamente sentido, sendo que regiões como o Grande Kasai e Hout Lumami, já sentem o problema, tal como nos mercados de Kinshasa, onde os preços estão a engrossar a cada semana que passa.
Por detrás deste problema está a quebra da produção na Zâmbia que lida com uma escassez de chuva preocupante, num resultado directo das alterações climáticas, o mesmo problema que afecta há anos as províncias do sul e do centro de Angola, que o Governo de Luanda está a anos a tentar resolver, como foi o investimento de mais de 200 milhões USD no canal Cafú, que liga o Rio Cunene, na zona de Ombadja, às áreas ressequidas de Cuamato, Dombondola e Namacunde.
Entretanto, antes de chegar a Bujumbura, onde se vai deparar com estes problemas, além dos históricos relacionados com os refugiados internos e externos da RDC, da actividade sanguinárias das dezenas de guerrilhas que actuam no território congolês, a turbulência política esperada com o aproximar do período eleitoral que precede as eleições gerais previstas para Dezembro deste ano.
Alias, o aproximar das eleições, como o histórico do país recomenda, é uma fonte generalizada de inquietações para os líderes regionais, sendo que este ano tem um acrescento de perigosidade que resulta do clima de pré-guerra entre a RDC e o Ruanda, com Kinshasa a acusar directamente Kigali de estar por detrás do ressurgimento em força do M23 no leste, o que, alias, é corroborado por documentos oficiais das Nações Unidas.
Esse é claramente parte da agenda escaldante de Guterres para este encontro na capital burundesa, até porque há uma questão que nenhum dos lideres que vai estar presente desconhece: a retórica agressiva contra o Ruanda será claramente uma ferramenta de combate eleitoral pela potencial de união que o tema gera na sociedade congolesa, como, de resto, as recentes gigantescas manifestações em Kinshasa anti-Ruanda o demonstram.