Logo após o ataque ao sul de Israel do braço armado do Hamas, as Brigadas Al Qassam, deixando um devastador rasto de morte e destruição na sua passagem (ver links em baixo nesta página), em Telavive o Governo de Benjamin Netanyahu deu início a uma avassaladora operação de retaliação assente em três pilares: bloqueio total a Gaza, bombardeamentos aéreos e instalação de uma máquina de guerra gigantesca na fronteira, antevendo o anúncio do avanço sobre os domínios dos "terroristas".

O bloqueio a Gaza está a ter um aterrador sucesso, com os centros de apoio da ONU à beira do colapso e os maiores hospitais prestes a deixarem de ter capacidade de atendimento, porque dezenas deles, mais pequenos, já fecharam, devido à falta de combustível para alimentar os geradores que fornecem a energia que antes vinha maioritariamente de Israel, os alimentos deixaram de chegar às prateleiras e a água potável desapareceu das torneiras.

E as escassas dezenas de camiões que chegaram na última semana a Gaza com ajuda humanitária, cerca de 70 em cinco dias, são "uma gota de apoio num oceano de necessidades", como disse tratar-se o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, aludindo aos mais de 100 que diariamente chegavam ao território antes deste reacender do conflito a 07 de Outubro.

Este é o cenário trágico em que vivem actualmente perto de 2,3 milhões de pessoas "encarceradas" num território de onde não têm como sair, com apenas 365 kms2, 40 kms de extensão e nove de largura, o que faz desta a geografia de maior densidade populacional do mundo, agravado depois de Israel ter exigido que mais de 1,1 milhões deixassem o norte para a zona sul, êxodo obrigatório que justificou com a iminente entrada das suas forças na Cidade de Gaza.

Forças essas que são já mais de 300 mil soldados e milhares de carros de combate estacionados perto da fronteira norte de Gaza, e com as quais o primeiro-ministro israelita anunciou estar prestes a aniquilar totalmente o Hamas nas suas ramificações políticas, sociais e militares, preparando o terreno para a invasão com a destruição de milhares de edifícios em Gaza, quase todos habitacionais que Telavive diz serem alvos legítimos por albergarem estruturas dos "terroristas", através de uma campanha massiva de bombardeamentos aéreos.

Bombardeamentos esses que já fizeram mais de 6.500 mortos, entre estes 2.500 crianças, 14 mil feridos e mais de 1,1 milhões de deslocados internos, em resposta aos 1.400 israelitas mortos pelo Hamas, em cerca de 2 mil feridos, no assalto de 07 de Outubro sobre o sul de Israel.

A estas mortes, avisou o chefe da UNWRA, Philippe Lazzarini, seguir-se-ão muitas mais em Gaza se as actuais condições humanitárias não sofrerem uma alteração radical, nomeadamente com o levantamento do bloqueio total de Israel a Gaza, onde as pessoas, apontou, "mão estão apenas a morrer com os bombardeamentos, estão a morrer por falta de alimentos, de medicamentos, de água e de cuidados de saúde básicos".

Os serviços médicos básicos estão por um fio, a comida acaba em horas, os medicamentos já desapareceram, a água disponível não é potável e as ruas de Gaza são já lixeiras a céu aberto, pejadas de águas de esgotos e restos putrefactos, advertiu Lazzarini, num cenário agravado ainda pelos inúmeros cadáveres que permanecem sob os escombros dos prédios destruídos.

Entretanto, alarga-se ainda o risco de alastramento do conflito à vizinhança, com crescentes bombardeamentos de Israel e dos EUA na Síria, alegadamente para impedir as acções futuras do Irão contra Israel, com a fronteira entre o sul do Líbano e o norte de Israel a arder com a troca cada vez mais intensa de fogo entre as IDF e o Hezbollah, enquanto a "rua árabe" escalda de manifestações com milhões de pessoas a exigir o apoio a Palestina por pate dos seus países, do Egipto à Arábia Saudita, do Iraque ao Iémen, de Marrocos à Jordânia, além do mundo muçulmano, com destaque para o Paquistão, a Turquia, Indonésia ou a Malásia e Singapura, bem como em várias cidades europeias.

A travar a mais que anunciada invasão terrestre de Gaza por Israel estará, segundo noticia esta sexta-feira, 27, The New York Times, é a ausência de concordância sobre o que fazer no seio do Governo de Unidade Nacional em Telavive, especialmente entre algumas chefias militares de topo, provavelmente influenciadas pelos EUA, que não vêem com bons olhos a incursão terrestre, e os falcões de guerra, como o ministro da Defesa, Yoav Gallant, que não só defende o avanço das tropas como acha que os palestinianos são "animais com figura humana".

Outra razão é a crescente constatação de que o Exército israelita de hoje nada tem a ver com o das décadas de 1970 e 1980, quando era temido em todo o mundo, aludindo os analistas à impreparação dos mais de 300 mil reservistas chamados para esta operação para a guerra especiosa da guerrilha urbana que espera as IDF em Gaza.

Alias, o risco não é apenas teórico, porque em 2006, num conflito que opôs as IDF, com as suas componentes melhor preparadas, e o Hezbollah, pela primeira vez na sua história, Israel não conseguiu derrotar o inimigo, tendo sido mesmo salvo de uma derrota humilhante pela intervenção da ONU, que intermediou um acordo de cessar-fogo, embora Telavive tenha sido obrigada a ceder em laga escala, nomeadamente no levantamento do bloqueio naval ao Líbano, entre outros.

E, como tem referido o especialista em assuntos militares da CNN Portugal, major-general Agostinho Costa, as recentes incursões de tropas especiais no norte de Gaza, "não te corrido bem para Israel", e as operações com carros de combate das duas anteriores noites, também é duvidoso que tenham sido estrategicamente relevantes para a fase seguinte.