Mais de 12 horas após o ataque de terça-feira a um quarteirão inteiro em Jabalya, composto por seis prédios densamente habitados, que rapidamente colapsaram enterrando nos seus escombros centenas de pessoas, na maioria mulheres e crianças, ainda não era certo o número de vítimas, mas o hospital local avançava já nesta manhã de quarta-feira, 01, que recebeu 120 cadáveres e cerca de 400 feridos, pelo menos metade com traumatismos e outros ferimentos severos.
As Forças de Defesa de Israel (IDF) justificaram este ataque com a presença de um comandante importante do Hamas, que está no topo da lista dos responsáveis pela incursão do braço armado deste movimento, as Brigadas Al Qassam, sobre o sul de Israel a 07 de Outubro (ver links em baixo nesta página), embora o grupo palestiniano que governa Gaza desde 2007 já tenha negado categoricamente a presença desta figura no local.
Imediatamente após mais este episódio de rara brutalidade, várias organizações de defesa dos Direitos Humanos questionaram Telavive sobre a condenação de centenas à morte para abater apenas uma pessoa, que nem sequer havia certeza de que estaria no local onde seis edifícios de múltiplos andares ruíram instantaneamente soterrando nos seus escombros tantas famílias.
As imagens posteriores mostram várias e enormes crateras, atestando que o tipo de bombas ou misseis usados no ataque eram de grandes dimensões, claramente inadequados para um ataque numa área densamente povoada como é Jabalya, um campo de refugiados com dezenas de anos em Gaza, que, apesar do nome, é hoje um bairro de múltiplos prédios devidamente urbanizado onde residem cerca de 200 mil pessoas.
As ondas de choque que no local ceifaram a vida a mais de 100 pessoas, embora o número esteja ainda por definir em concreto, estão a varrer o vizinho mundo árabe, com vários países a condenarem vigorosamente este ataque, como a Arábia Saudita, e já chegaram à América Latina, onde, por exemplo, embora sem uma ligação directa a este episódio, a Bolívia cortou relações com Israel e a Colômbia e o Chile chamaram os seus embaixadores a casa para consultas, o que é, em termos diplomáticos, um forte sinal de descontentamento.
O morticínio de Jabalya está também a queimar mais uns fios da frágil malha que, ao fim de 25 dias de confrontos, que já fizeram 9 mil mortos entre palestinianos e 1400 entre israelitas, logo no dia 07 de Outubro, segura o conflito na área restrita de Gaza, porque ainda esta semana, responsáveis iranianos vieram dizer publicamente, nos ecrãs da Al Jazeera, que só falta uma faísca chegar ao barril de pólvora do médio oriente e que essa faísca poderia ser mais um episódio de grande escala, como este que acabou de suceder no maior campo de refugiados de Gaza.
Entretanto, em Washington...
... o Presidente norte-americano está a tentar aproveitar o inequívoco apoio do Congresso para colar a aprovação de um pacote financeiro reforçado de apoio a Israel ao envio de mais dinheiro para a Ucrânia, que está a ser cada vez mais difícil porque os republicanos não querem manter o fluxo de dólares para Kiev mas estão a 100% com Telavive.
Em síntese, é isto: os republicanos do antigo Presidente Donald Trump, como este referiu ainda esta semana, estão totalmente ao lado de Israel, a quem aceitam dar tudo o que precisar para destruir os seus inimigos palestinianos, mas recusam manter o apoio à Ucrânia, enquanto os democratas do Presidente Joe Biden querem continuar a dar a Telavive o que precisa para aniquilar o Hamas, mas só se o mesmo acontecer com Kiev.
E isto a ponto de a Casa Branca já ter vindo a público dizer de forma clara que o Presidente Biden vai vetar o pacote de ajuda que está a ser elaborado pela oposição republicana se estes não aceitarem incluir no mesmo embrulho os 24 mil milhões USD que prometeu a Kiev e não está a conseguir fazê-lo por recusa do Partido Republicano, que detém a maioria na Câmara dos Representantes, a câmara baixa do Congresso.
Como vão democratas e republicanos descalçar esta bota? Ver-se-á nas próximas horas, mas, atendendo às palavras de Donald Trump na segunda-feira, garantindo que, se ganhar as eleições de 2024, Israel terá tudo o que precisar dos EUA e mais alguma coisa, é provável que venham a ceder para não comprometer o apoio a Telavive ou, então, o e-Presudente estará de olho noutra estratégia e aproveitará para manter o finca pé para depois culpabilizar Joe Biden pela interrupção da ajuda a Israel, que é o país, de longe, com maior capacidade lobista nos Estados Unidos da América.
Alias, essa a razão pela qual, embora existam analistas que admitem tratar-se da preparação de um confronto directo com o Irão, como está prometido há muitos anos, e muitos acham ser ineviável, os EUA enviaram duas poderosas frotas navais liceradas pelos dois, entre os maiores do mundo, porta-aviões, já estacionados no Mediterrâneo oriental, o USS Ford e o USS Eisenhower, além de milhares de militares e centenas de aviões de guerra já enviados para a Arábia Saudita e para outras bases norte-americanas na região.
... e em Moscovo...
O Ministério dos Negócios Estrangeiros assumiu, pela primeira vez desde 07 de Outubro, que o risco de alastramento deste conflito para outros países da região "é inaceitável", sendo exemplo dessa "infecção" regional, explicou o ministro Sergei Lavrov, os ataques injustificados de Israel na Síria, atingindo aeroportos e outras infra-estruturas, incluindo na capital, Damasco.
Aproveitando a fragilidade do Estado sírio, onde o Presidente Assad ainda procura reerguer o país das cinzas geradas por mais de uma década de guerra civil que nasceu no âmbito das "primaveras árabes" em 2011, com, depois, uma longa guerra contra o `estado islâmico", que ainda justifica a presença de bases norte-americanas, que Damasco diz serem ilegais, e da Turquia, por causa dos curdos, no norte, Israel tem bombardeado os aeroportos de Damasco e Alepo, alegando que estes estão a servir como plataforma logística do Irão para apoiar o Hamas e o Hezbollah, do Líbano.
Após um encontro por vídeoconferência com o seu homólogo sírio, Faisal Mekdad, o chefe da diplomacia russa disse aos jornalistas, em Moscovo, que a frequências dos ataques israelitas na Síria amentou após 07 de Outubro e que isso está a contribuir para o alastramento regional do conflito de Gaza e levar, enfatizaram ambos os governantes, o Médio Oriente para um abismo onde as grandes potências ajustam contas através de terceiros e procuram vantagens adicionais para os seus objectivos geoestratégicos.
Este aviso já tinha sido feito antes pelo Irão, cujo ministro dos Negócios Estrangeiros, Hossein Amir-Abdollahian, alertou, cerca de uma semana após a invasão do Hamas no sul do Líbano, para a abertura de novas frentes de guerra, especialmente no norte, junto à fronteira com o Líbano, onde reina o Hezbollah, a poderosa força miliciana apoiada por Teerão, ou mesmo na fronteira com a Síria, nos Montes Golã, onde grupos locais se têm fortalecido militarmente nos últimos anos com apoio iraniano.
Outra frente, que mantém em alerta as grandes potências, especialmente China e EUA, é a denominada "rua árabe", onde milhões de pessoas protagonizam, nas últimas semanas, gigantescas manifestações de apoio à Palestina e exigem acção dos seus governos, embora estes, da Arábia Saudita ao Egipto, de Marrocos ou Iraque, Irão, Iémen, Qatar ou a Jordânia, mantenham uma sensata postura não belicista com Telavive... embora ninguém, como sublinham vários analistas árabes, saiba até quando isso será conciliável com os próprios interesses de política internas destes Estados.
É que o Médio Oriente é só e apenas a região de onde sai 40 por cento do petróleo consumido diariamente em todo o mundo, mais de 40 milhões de barris por dia, além de quantidades gigantescas de gás natural, o que, se o alastramento do conflito não for contido, levará a uma explosão dos preços da energia que, segundo o Banco Mundial, faria disparar o barril em poucos dias para cima dos 150 USD.
Tudo isto é explosivo e faz parte do risco histórico desta vasta região rica em recursos e pobre em sorte, mas há alguns sinais de compromisso que podem aliviar a tensão, como o aumento substancial da entrada de ajuda humanitária em Gaza pela fronteira de Raffah, com o Egipto, a abertura das condutas de água potável de Israel para este território, e a entrega de combustível aos hospitais para manter os seus geradores a trabalhar... e ainda a permissão de saída de um número, para já reduzido, de palestinianos para tratamento no Egipto.
A Faixa de Gaza é um território encravado entre o Mediterrâneo a oeste, o Egipto a sul e Israel a norte e leste, com pouco mais de 365 kms2, estendendo-se por 40 kms por nove de largura, contendo o mais denso rácio populacional por km2 do mundo, mais de 6500 pessoas, o que faz de qualquer bombardeamento garantia de morte para um número elevado de pessoas.
Actualmente é a única parcela da Palestina sem ocupação material israelita, governada, após eleições democráticas, pelo Hamas desde 2006, embora este movimento islâmico radical tenha anulado posteriores eleições.
O resto da Palestina reconhecida pela comunidade internacional, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, geridos de forma limitada, porque são territórios ocupados por Israel, pela Autoridade Palestina, não são terras livres devido à pressão permanente das forças de defesa israelitas.
A isto junta-se ainda o crescente avanço dos colonatos nas terras ancestrais ainda usadas para agricultura e pastoreio dos palestinianos, incentivado pelo governo israelita da extrema-direita de Benjamin Netanyahu.
Desde a década de 1990 que a solução para esta martirizada terra está encontrada, e assenta nos Acordos de Oslo, assinados em 1993 pelos EUA, era Presidente Bill Clinton, por Yasser Arafat, do lado palestiniano, e Yitzhak Rabin, então primeiro-ministro de Israel, e assassinado por um judeu radical, em 1995, faltando cumprir a criação do Estado da Palestina, dando assim forma à ideia de paz de Rabin e Arafat de uma terra dois Estados.