Os media internacionais com jornalistas no terreno traçam um cenário que só se encontra nas grandes tragédias da Humanidade, como os terramotos de grande magnitude ou maremotos de dimensão bíblica, com relatos dilacerantes de famílias inteiras, com dezenas de elementos, desaparecidas, literalmente enterradas em escombros e lama.
Ninguém sabe ao certo quantos são os mortos, apenas de já são milhares e The Guardian, por exemplo, refere que as autoridades locais temem que mais de 20 mil estejam mortos, um número impossível, para já, de determinar de feridos e uma destruição de habitações que só tem uma imagem: metade da cidade de Derna, com mais de 150 mil habitantes, foi arrastada para o mar.
Foi perto das 04:00 que a tempestade atingiu o seu pico e isso, ao apanhar as pessoas a dormir, elevou largamente o número de vítimas. "Muitas pessoas foram levadas directamente das suas camas para a morte", contaram sobreviventes.
As chuvadas ininterruptas sem paralelo durante horas da tempestade de Domingo rebentaram com duas barragens no rio a sul de Derna, largando o Inferno sobre a urbe na forma de torrente imparável até ao Mediterrâneo, onde agora está, sob as onde, metade de uma das grandes cidades líbias.
Mas tarda a haver uma resposta da comunidade internacional, apesar de os primeiros cargueiros aéreos já terem chegado ao país com viveres, tendas e, de especial relevância, sãos de cadáveres aos milhares, porque, sem tempo para os enterrar a todos, estando mesmo a ser abertas dezenas de valas comuns, existe o risco sério de epidemias.
Nesta quinta-feira, as imagens das televisões internacionais não escamoteavam a trágica verdade da morte, com corpos deixados nos passeios às centenas em vários pontos da cidade até que as equipas sanitárias os recolham, ou as famílias, os levem.
Os sacos de cadáveres são fundamentais para evitar o perigo de doenças se espalhar numa região onde as unidades hospitalares ou colapsaram ou não tem capacidade de resposta e estão também elas submersas em feridos e mortos.
A situação está claramente a ser exponenciada na tragédia devido à divisão a que a Líbia está sujeita devido à guerra civil que surgiu a partir da instabilidade gerada pela morte de Muahmmmar Kadaffi, em 2011, através de uma revolução, ou "Primavera árabe", instigada pelo ocidente, EUA e França, que hoje, mais de uma década depois, mantém aquele que era um dos mais estáveis e prósperos países do continente no caos gerado pela disputa pelo poder entre dois senhores da guerra. (ver links em baixo nesta página).
Face ao cenário que pode não ter paralelo em África nas últimas décadas no que toca a catástrofes naturais, o presidente da câmara de derna, Abdulmenam al-Ghaithi, citado pelas agências, já veio dizer que não existe capacidade de resposta para todos os desafios que a situação apresenta, desde os mais evidentes, como a ajuda humanitária, equipas de salvamento, mas aponta ainda para uma outra dimensão, que é a necessidade de ter na vasta região atingida equipas especializadas na busca e remoção de cadáveres.
O autarca de Derna, admitindo que o número de mortos esteja já muito próximo dos 20 mil, diz que se a recolha de corpos não for feita rapidamente, podem emergir das águas paradas e da lama epidemias sem paralelo de diversas doenças".
"Há corpos por todo o lado, nas praias, debaixo dos escombros, nas ruas, sob a lama, por todo o lado onde vamos, há corpos e mais corpos... de homens, mulheres, crianças... são famílias inteiras", relatava um elemento das equipas de socorro citado por The Guardian a partir da Al Jazeera.
No terreno já há equipas de socorro do Egipto, Turquia, Qatar, EAU, Tunísia... e as autoridades locais mostram forte resistência às equipas de socorro vindas de países ocidentais, embora já vários tenham disponibilizado somas em dinheiro para o efeito.
A cidade de Derna, conhecida pelo seu porto marítimo, situada no Mediterrâneo líbio, tinha uma população de 90 mil pessoas, e era uma das mais ricas e influentes do país, estando localizada numa zona de montanha coberta de vegetação à beira mar, com o deserto do Saara a começar pouco mais a sul da periferia da urbe.
A vastidão desta tragédia, que está a ter um impacto muito menor nos media internacionais que, por exemplo, o recente terramoto em Marrocos, que fez perto de 3.000 mortos, pode não estar sequer nos radares mais pessimistas, porque, como apontava na quarta-feira um jornalista líbio, Mohamed Eljarh, citado pelo Guardian, "há uma vasta área onde não chegaram sequer os primeiros socorros, apesar da destruição ser total".
Estas áreas onde não chegou ainda ajuda são a zona leste da cidade de Derna, na cidade costeira de Soussa, com oito mil habitantes, e no município de al-Sahel, onde se poderá descobrir uma outra dimensão desta situação que deixará esta tragédia ainda mais vasta.
Uma boa parte destes problemas desnecessários face à catástrofe resulta da guerra civil iniciada em 2011 que levou à divisão do país pelos senhores da guerra e isso está claramente a dificultar a máquina de resposta à tragédia.
Face a este cenário grotesco, a ONU veio pedir publicamente aos dois lados para baixarem a guarda e abrir a porta do país à ajuda internacional.
O alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Turk, pediu que as divisões sejam ultrapassadas de forma responder à situação dramática que se vive na Líbia, sublinhando que o momento é de união e não de fracção.
Este responsável alertou ainda para a tragédia dentro da tragédia gerada pela tempestade que é a provocada por essas divisões do território.