Esta recomendação de Guterres surge cerca de duas semanas depois de o Secretário-Geral da ONU ter mantido pelo menos duas conversas telefónicas com o Presidente angolano, e depois de João Lourenço, na qualidade de presidente da Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos (CIRGL) ter realizado em Luanda uma mini-Cimeira para debater o propor soluções para o conflito na RCA.
Esta mini-Cimeira de Luanda, que teve lugar a 29 de Janeiro, que vincou o apoio claro da sub-região ao Presidente Faustin-Archange Touadéra, reeleito a 27 de Dezembro, e que deve ser retomada, desta vez alargada a um maior número de Chefes de Estado, no início de Março, foi um ponto de viragem na abordagem à questão da instabilidade na RCA, tendo dela saído uma forte crítica às Nações Unidas por manterem, como sublinhou João Lourenço, um severo embargo de armas ao regime de Bangui quando os rebeldes se estão a rearmar diariamente sem quaisquer restrições.
Nesse encontro, que, para além de Faustin-Archange Touadéra, contou com a presença de Denis Sessou-Nguesso, e de enviados especiais de outros países e organismos sub-regionais, João Lourenço disse que a CIRGL, a que preside desde Novembro de 2020, iria manter a par e passo informadas a União Africana e as Nações Unidas sobre o desenrolar dos trabalhos que visam estabilizar a RCA.
E, nos dias seguintes, manteve, pelo menos, duas conversas telefónicas com o Secretário-Geral da ONU, com quem trocou ideias sobre a melhor forma de ultrapassar os imbróglios na RCA, especialmente a fragilidade das forças leais a Faustin-Archange Touadéra por força do embargo de armas que, naturalmente, teve como seguimento esta decisão de Guterres em aumentar a capacidade militar da MINUSCA, a missão da ONU para a RCA, em 3.700 militares e material militar reforçado, como consta de um relatório emitido ao Conselho de Segurança.
Um dos problemas que este reforço poderá enfrentar é que a Rússia e a França são as duas potências de fora do continente africano que mostram ter particulares, e opostos, interesses na RCA, país especialmente rico em recursos naturais, incluindo, para além dos diamantes e do ouro, outros elementos importantes para a moderna industrialização, como cobalto, coltão, entre outros.
Há mesmo quem veja nesta disputa por influência em Bangui entre Moscovo e Paris numa nova "Guerra Fria" em África, à qual Luanda não está alheia, visto que existem fortes laços de cooperação entre a RCA e Angola, como o demonstram as múltiplas visitas que Faustin-Archange Touadéra fez à capital angolana nos últimos dois anos, e os conhecidos planos de apoio angolano ao sector mineiro daquele país da África Central.
No documento emitido por Guterres ao Conselho de Segurança da ONU, é pedido um reforço de 2.750 militares e 950 polícias para reforçar a MINUSCA, o que elevará para quase 18 mil os seus elementos, que estão ali com capacidade de reacção armada face aos persistentes ataques dos rebeldes.
Rebeldes estes que estão a ser apoiados e financiados por interesses próximos do antigo Presidente, François Bozizé, depois deste ter sido impedido de se candidatar nas eleições gerais de 27 de Dezembro do ano passado, pelo Tribunal Constitucional local.
A RCA, que conta com a segunda maior missão de paz da ONU em África, a seguir à da RDC, é o principal foco actual da sub-região dos Grandes Lagos, onde confluem interesses diversificados, embora esteja já claro que Luanda está ao lado de Touadéra, tal como a Rússia e o Ruanda, que, ao abrigo de acordos bilaterais, enviaram tropas para Bangui para reforçar o poder de fogo do Estado que apenas controla cerca de um terço do território, estando o resto deste nas mãos dos rebeldes, que cercam Bangui há vários meses, levando a ameaça da fome a milhares de pessoas.