O actual Presidente e candidato a um novo mandato de cinco anos, Félix Tshisekedi, e Moise Katumbi, o milionário homem de negócios e antigo governador do Katanga, vão ser, provavelmente, os mais votados, mas há um ginecologista e Prémio Nobel da Paz de 2018, Denis Mukwege, que pode complicar as contas aos dois favoritos entre os 19 candidatos que vão estar no boletim de voto.
Apesar do receio, fundamentado, diga-se, de que estas eleições poderiam revelar-se das mais violentas de sempre na RDC, especialmente devido à acção das dezenas de guerrilhas que actuam no país, com destaque para o M23, que desde 2021 mantém a ferro e fogo as províncias dos Kivu Norte e Sul, no leste, junto à fronteira com o Ruanda, vizinho com quem Kinshasa tem as piores relações na região dos Grandes Lagos, a que Angola pertence, e a quem acusa de estar por detrás do ressurgimento desta guerrilha.
O Ruanda, segundo o Governo de Félix Tshisekedi, apoio directamente o M23 para aproveitar a instabilidade como camuflagem para explorar ilegalmente os recursos naturais do leste do Congo, especialmente o coltão, um mineral que está no topo da lista dos de maior interesse estratégico para a nova economia mundial com base tecnológica, o que a própria ONU confirmou em relatório conhecido em 2022.
Todavia, até ver, sabendo-se que o momento mais crítico surge após a votação, com os resultados a serem sempre contestados pelos derrotados, não há registo de problemas graves entre as múltiplas campanhas, o que não deixa de ser um bom pronúncio para o que se vai seguir a esta quarta-feira, o dia de todas as decisões.
Sendo o maior país da África Subsaariana, apenas ultrapassado em dimensão pela Argélia, e em população pela Etiópia e pela Nigéria, a RDC é muito mais que isso, por duas razões essenciais: o seu potencial de desestabilização regional, continental e global, por causa das suas escaldantes fronteiras, a fornalha de guerrilhas e milícias que alimenta internamente, e devido ao fluxo estratégico dos seus minérios para as indústrias das maiores potências mundiais, desde logo o coltão (ver aqui), o cobalto e as terras raras.
Apesar de ser a China quem domina o sector da exploração mineira no Congo Democrático, as maiores potências ocidentais estão a apostar fortemente na conquista do seu quinhão, como o demonstra o interesse recentemente renovados dos EUA ou do Reino Unido e França, sendo a aposta no Corredor do Lobito, especialmente de Washington e de Bruxelas (União Europeia), com um investimento previsto de 5 mil milhões USD, que vai ligar o "subsolo" congolês ao Porto do Lobito, em Benguela.
E não é para menos, porque, como recordava a BBC recentemente, a RDC possui 70% das reservas de coltão, um mineral que é de tal modo estratégico que sem ele, os aparelhos digitais, dos telemóveis aos computadores, sendo ainda incontornável no que diz respeito às suas reservas de cobre, especialmente no Grande Katanga, e cobalto, sem o qual a indústria aeronáutica, por exemplo, seria totalmente diferente.
Rico em subsolo, este país é, no entanto, dos mais empobrecidos socialmente do continente, com uma população maioritariamente a viver em pobreza extrema, sendo a corrupção e os conflitos as principais razões para este contexto social extremamente difícil, não tendo o Presidente Tshisekedi conseguido alterar este panorama nos últimos cinco anos, o seu primeiro mandato.
Com cerca de uma dezena de milhões de refugiados internos e nos países vizinhos, a RDC não conhece uma paz verdadeiramente duradoura desde o início da década de 1990, com uma sucessão de guerras civis, inflamadas de forma tremenda com o genocídio de 800 mil Tutsis pela maioria Hutu, que se espalhou na forma de guerrilhas e milícias armadas para a região, sendo o mais atingido o vizinho Congo.
Angola é um dos países (ver links em baixo nesta página) mais empenhados na procura de soluções para a estabilização da RDC, especialmente no leste do país, incluindo não só as principais iniciativas de negociação de paz como ainda integrando a missão militar de interposição presente no Kivu Norte.
Quem são os principais candidatos?
Neste pleito, que se agiganta como um dos mais importantes desde a década de 1990, quando a RDC entrou em sucessivas guerras civis, com o massacre/genocídio de mais de 800 mil tutsis no Ruanda, em 1994, às mãos da maioria Hutu, crises das quais nunca mais se livrou, como o demonstram as mais de duas dezenas de guerrilhas que operam no seu vasto território, especialmente nas regiões com os subsolos mais ricos, e os mais de 7 milhões de deslocados internos, além dos milhões que fugiram para os países vizinhos, entre estes Angola, o Presidente Tshisekedi vai enfrentar vários pesos-pesados da política congolense e uma surpresa que promete virar tudo do avesso.
Sendo Félix Tshisekedi, de 60 anos, aquele que surge com mais fôlego para esta corrida eleitoral, até porque, apesar de surgir como "independente", conta com o apoio incondicional de Jean-Pierre Bemba, o seu vice, e um dos pesos mais pesados da política congolesa, além da sua "União Sagrada", que junta à UDPS (União para a Democracia e o Progresso Social) um grupo de pequenos partidos e figuras públicas, além de recursos financeiros avultados, como sempre sucede quando se ocupa o poder há vários anos.
Como tem sido usual, contra Tshisekedi vai estar Moïse Katumbi, o multimilionário e antigo homem forte do Katanga, uma das províncias mais ricas da RDC, vizinha de Angola, devido à abundância de cobre, entre outros minérios relevantes, como o manganês e o ouro, e que ele dominou por muitos anos.
Depois de um exílio forçado que o manteve longe das eleições de 2018, devido a incompatibilidades graves com o antigo Presidente Joseph Kabila, Katumbi surge agora reforçado por uma separação a mal com Tshisekedi, apoiado por uma fortuna colossal que muitos atribuem a justificação ao que é o mal que corrói o Congo, a exploração e a corrupção em torno dos seus recursos naturais.
Também na lista de candidatos principais, entre os 24 que se apresentaram no calendário legal para o efeito, está Martin Fayulu, de 66 anos, o segundo na corrida de 2018, que contestou até à exaustão a vitória de Félix Tshisekei, alegando que foi vítima de uma fraude generalizada e sem precedentes.
Este antigo executivo de multinacionais como a ExxonMobil, e político popular na RDC, que ainda hoje se diz ser o Presidente eleito, nunca tendo reconhecido a vitória de Tshisekedi, suportado por uma coligação de partidos e movimentos, a Lamuka, nunca perdoou o "roubo" da sua eleições há cinco anos.
E promete mesmo que desta vez nada será como em 2018, porque vai ter um aparelho de vigilância de tal modo coeso e cerrado, que não será possível a Félix Tshisekeidi usar a fraude como alavanca para se manter no poder.
Outro candidato com algum peso, mas claramente atrás dos já referidos, é Adolphe Muzito, antigo primeiro-ministro e ex-membro da coligação Lamuka, que agora deixou para tentar a sua sorte a 20 de Dezembro, com o apoio do Partido Novo Elã, que tem como linha mestra do seu projecto político para o Congo a mudança de regime de um sistemasemi-presidencialista, mas que na verdade é totalmente dominado pelo Chefe de Estado, para um regime parlamentarista.
É ainda este candidato que tem a proposta mais radical para acabar com a crise de estabilidade no leste da RDC, com a construção de um muro intransponível com o Ruanda e o Uganda, pelo menos.
Apenas uma mulher surge na lista de 24 concorrentes, Marie-Josée Ifoku, de 58 anos, que, tal como em 2018, surge em nome de uma lista da Aliança das Elites por um Novo Congo, e não faz as coisas por menos, acabar com o domínio dos homens na RDC, que responsabiliza por todos os problemas do país, e das práticas nefastas que têm corroído a estrutura socio-económica do país.
Mas a verdadeira surpresa surgiu há já alguns meses, com o anúncio da candidatura do Prémio Nobel da Paz de 2018, o médico ginecologista, Denis Mukwege, que se notabilizou ao longo das últimas décadas ao devotar a sua vida profissional a salvar milhares de mulheres abusadas sexualmente durante as guerras congolesas.
Com o "dr Mukwege", de 68 anos, como é conhecido em todo o mundo, está uma coligação de oito partidos, a Aliança dos Congoleses, que pretende usar o seu prestígio para transformar o Congo de uma vez por todas, acabando com a violência.
Para já, do ponto de vista mediático, foi o grande chapinhar nas águas da política congolesa, conseguindo atrair ainda mais as atenções para mais um período eleitoral que se prevê, como todos, efervescente e pleno de riscos, até porque algumas das candidaturas têm propostas radicais, que não fecham a porta a um conflito mais robusto com o vizinho Ruanda, a quem acusam de todos os males do leste congolês.
As preocupações da ONU
Num texto publicado pela ICG (Grupo Internacional para as Crises), criado em 1995 por diversas personalidades de dimensão internacional, e depois republicado pelo site da ONU Relief Web, do Gabinete de Coordenação da ONU para as Crises Humanitárias (UNOCHA), é feito uma referência a traço grosso sobre a urgência de agir preventivamente para reduzir as possibilidades da eclosão de violência descontrolada no pós-eleições.
"São muitos os riscos e o Governo, para os mitigar, deve garantir que todas as partes vão poder agir em campanha livremente, sem constrangimentos adicionais, e as organizações pan-africanas e ocidentais devem encorajar as partes a comprometerem-se com a ideia de mediação se for necessário", diz este texto do ICG, assinado apenas com a chancela desta organização, logo no início.
Alinha ainda como ideias mais notadas que a situação que a RDC vive é periclitante, sendo que esse registo será transportado para 2024 ao prever-se que a contestação aos resultados se alongue no calendário, e, com ela, os riscos de violência.
Para evitar, ou reduzir as possibilidades de problemas, o ICG nota a necessidade de não criar artificialmente condições para essa contestação, garantindo a lisura na lide de todas as candidaturas por igual, não facilitar em questões de logística eleitoral, garantir que as campanhas da oposição não são perturbadas pelas forças de segurança ou outro tipo de grupos...
A prosa adverte ainda para o crucial papel da Comissão Eleitoral Nacional Independente (CENI), deve tudo fazer para limpar a imagem que carrega de que está ao serviço do poder e não da democracia.
Isto, no capitulo do todo nacional, mas, ao mesmo tempo, apontando as atenções para alguns focos regionais de grande tensão, e possível palcos de "violência localizada", como é o caso do leste congolês, no Katanga, no Grande Kasai, onde as pessoas podem ser empurradas para longe das urnas de voto e, logo, para fora da casa da democracia congolesa.
À medida que o tempo corre, e os poderes se multiplicam em acções de pré-campanha e campanha eleitoral, e onde muito está em jogo, desde logo a questão dos acessos externos, as grandes potências, ao subsolo congolês, naturalmente as tensões vão ficar mais ruidosas e o jogo tende a ficar mais e mais violento.
Por isso, ao garantir igualdade de tratamento para todos, o Governo e a CENI estão a reduzir o potencial de conflitualidades no pós-eleições, não só retirando argumentos aos derrotados, mas, essencialmente, secando a sua capacidade de mobilizar as populações para os seus objectivos de desestabilização.