Embora ainda não existam resultados da investigação mandada realizar pelas autoridades judicias russas, é já um facto seguro que o avião foi abatido, ou por um engenho explosivo a bordo ou através do vasto sistema de defesa antiaérea russa colocado em torno de Moscovo.

E essa certeza resulta de várias testemunhas ouvuidas pelos media russos que confirmam a perda catastrófica de capacidade de voar do Embraem Legacy 600, que caiu quase a pique, rodopiando sobre si mesmo, sem a asa direita e parte do sistema de sustentação da cauda, tendo sido ainda mostradas imagens do aparelho já em terra, em chamas, com perfurações evidentes na fuselagem do corpo e da asa que resistiram à queda, em tudo condizentes com a explosão de um míssil, que, recorde-se, por norma atinge o alvo explodindo imediatamente antes do contacto para produzir maiores danos estruturais.

Sabe-se ainda que Prigozhin tinha uma lista extensa de inimigos, desde logo os ucranianos dos serviços secretos militares, GUR MO, ou da secreta civil, o SBU, dos quais tinha recebido múltiplas ameaças de morte, fazendo parte de um site, o Mirotvorec, criada pelos extremistas nacionalistas ucranianos onde surgem os nomes de todos aqueles que são considerados inimigos de Kiev.

E com o Dia da Independência da Ucrânia a ser comemorado esta quinta-feira, 24, sinalizando a "libertação" da então URSS, em 1991, esta poderia ser uma forma de marcar devidamente o momento simbólico considerando o curso da guerra e o papel de Prigozhin nesta, e quando Kiev admite que a sua contra-ofensiva iniciada em Junho está longe de ser um sucesso...

Mas é no Kremlin que estão postos os olhos do mundo quando a questão é: quem matou Prigozhin? O próprio Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, quando questionado sobre o seu palpite, admitindo não estar seguro disso, adiantou, ainda assim, que na Rússia não acontece sem o conhecimento de Vladimir Putin...

E, de facto, desde 24 de Junho, quando perto de cinco mil guerreiros do Grupo Wagner acompanharam Yevgeny Prigozhin numa marcha sobre Moscovo com o declarado intuito de tomar o poder no Kremlin, embora ficando a pouco mais de 200 kms, depois de negociações mediadas pelo Presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, terem permitido uma saída airosa para os dois lados (ver links em baixo nesta página), evitando um conflito interno que poderia ser desastroso para Vladimir Putin... a vida do líder dos "wagneres" ficou muito desvalorizada.

Como diz um velho ditado tido como do tempo do império romano, "Roma não paga a traidores", que, no que toca à Rússia, tem sido comummente readaptado para a forma de "a Rússia não perdoa a traidores", a generalidade dos analistas apontava para a quase inevitabilidade de, mais cedo ou mais tarde, Prigozhin "cair de uma varanda", como tem sucedido em múltiplos casos com indivíduos que perderam a confiança do poder em Moscovo.

Não foi de uma varanda, nem ingeriu nada letal, como Joe Biden tinha dito após a intentona falhada que poderia suceder ... foi o avião onde seguia que caiu - a tese de um acidente de facto esfumou logo após a queda do aparelho - , com os dois mais próximos colaboradores dentro da organização militarizada, nomeadamente o fundador do Grupo Wagner e um conhecido neonazi russo, Dmytri Dutkin, e o nº3, Valery Chekalov, a bordo, além de mais quatro elementos da chefia do grupo e três tripulantes, dois pilotos e uma assistente de bordo, o único elemento feminino que perdeu a vida neste... "acidente".

Para já, antes de se conhecer o resultado das investigações oficiais, foi o departamento estatal de regulação da aviação na Rússia que confirmou a morte de Prigozhin, além do site oficial do Wagner, não sendo expectável que o Kremlin, como estão a apontar vários media ocidentais como sendo determinante para uma confirmação sem dúvidas remanescentes o venha a fazer, visto que este não é uma figura nem ocupava nenhum cargo oficial na estrutura alargada do Estado russo.

E as razões para ser considerável a tese da mão do Kremlin, leia-se, de Putin, por detrás deste desfecho, que era esperado, é que, segundo vários analistas, para o líder russo seria impensável deixar em roda livre o homem que lhe questionou a autoridade e o ameaçou directamente com a intenção de avançar com a sua coluna militar sobre Moscovo, embora, depois, tenha rectificado a ameaça como sendo apenas dirigida aos lideres militares, o ministro da Defesa, Sergey Shoigu, e o CEMGDA, Valery Gerasimov, com quem mantinha um ódio público de fazer faísca, por causa da gestão da frente de guerra na Ucrânia.

Todavia, este desfecho não é isento de riscos para Vladimir Putin. Primeiro, reputacionais, porque, quando decorria a histórica Cimeira dos BRICS, organismo que junta, além da Rússia, o Brasil, a China, a Índia e a África do Sul, em Joanesburgo, o pano mediático de fundo que estava a ser dado a esta reunião histórica, foi mudado para o "incidente" com Prigozhin...

Mas também porque, depois da sangrenta campanha dos milhares de homens do Grupo Wagner na linha da frente da guerra na Ucrânia, nomeadamente na conquista da cidade de Bakhmut/Artyomovsk, na região de Donetsk, onde morreram mais de 25 mil, o desfecho desta batalha elevou Prigozhin à condição de herói nacional russo, o que pode gerar tensão social numa Rússia já claramente fustigada por mais de ano e meio de conflito, com uma avalanche de sanções dos países ocidentais que, embora resistindo melhor que o esperado, começam a criar "buracos" difíceis de tapar, como é o caso da fragilidade cambiam do Rublo, a moeda russa.

Alias, nos muitos canais criados nas redes sociais, principalmente no Telegram, dedicados à guerra na Ucrânia, são inúmeras as vozes que exigem uma resposta clara da organização Wagner, havendo mesmo apelos a uma sublevação contra o Kremlin.

Porém, entre os analistas mais avisados, a tese predominante é que o Grupo Wagner será sujeito à regra do "rei morto, rei posto", ou seja, depois de esta organização ter sido praticamente desarmada após a intentona falhada de Junho, e inserida na estrutura militar oficial russa, embora com particularidades ainda complexas de entender cabalmente, será indicado um novo "chefe" e uma nova hierarquia.

Até porque, como é sabido, é em África que os "wagners" são mais úteis ao Kremlin, como a sua lança em África, especialmente no Sahel, com foco no Mali e no Burquina Faso, além da RCA, da Líbia ou mesmo agora no Níger, que, embora sem participação no golpe militar que depôs o Presidente Mohammed Bazoum a 26 de Julho, viram os golpistas apelar ao seu apoio face às ameaças da França e da CEDEAO, a comunidade sub-regional da África Ocidental de intervenção militar para repor a ordem constitucional.

Há, todavia, nas várias análises produzidas sobre este caso, uma ponta deixada pendurada por precaução. Estará mesmo morto Evgeny Prigozhin?

A dúvida não é de somenos, porque não seria a primeira vez que uma figura com a corda ao pescoço e muito dinheiro organiza uma mudança de identidade, não seria original uma circunstância em que Prigozhin ficcionava uma deslocação para um destino, estando a caminho de outro, sempre por razões de segurança.

Há ainda a notícia repetida de que apenas oito dos 10 corpos foram recuperados, a estranha presença de um segundo avião, modelo igual, a voar na mesma direcção... sem que se saiba nada sobre os seus ocupantes, que etrá, alegadamente, regressado a Moscovo após se saber da queda daquela onde estaria Prigozhin.

E uma estranha possibilidade deste desaparecimento ter sido orquestrado em comunhão com o Kremlin como forma de garantir que o amigo de décadas de Putin sai de cena, consolidando ao mesmo tempo o férreo poder do chefe do Kremlin, deixando saliente a velha ideia de "a Rússia não perdoa a traidores", mas também não gosta particularmente de lideres fracos, ou seja, que não trata devidamente dos... traidores.