Ao mesmo tempo, Volodymyr Zelensky vai querer contrariar o crescente cansaço que, tanto nos EUA como na Europa, começa a ser impossível de ignorar, à medida que a "real politik" imposta pelos ciclos eleitorais ganha tracção e leva a que sejam cada vez mais aqueles que apontam como saída o caminho para a mesa das negociações.

Esse é, garantidamente, o tom que sobressairá do seu discurso perante os líderes dos 193 países que o vão ouvir nesta terça-feira, entre estes o Presidente angolano, João Lourenço, quando se dirigir ao púlpito da 78ª AG da ONU, em Nova Iorque, onde volta a ser a "estrela" de um evento internacional.

Com esta deslocação, o Presidente ucraniano garante que a guerra volta à capa dos jornais e dos sites internacionais, ou aos ecrãs dos grandes canais de televisão, mas não sabe qual a abordagem que vingará, podendo mesmo ser aquela que defende um travão a fundo na máquina de morte das trincheiras do leste europeu..

Para já, como sublinhou o SG da ONU, António Guterres, a guerra está a tirar palco às grandes questões da Humanidade, como o desafio das alterações climáticas, o contexto da Inteligência Artificial (IA), que gera tanto receio como esperança, ou a questão da pobreza e da fome...

O chefe da ONU mostrou-se, em declarações à imprensa, pessimista quanto a um desfecho deste conflito, admitindo que será longo, tal como o disse antes o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, embora tal não possa ser lido à letra porque as suas contradições são muitas e repetidas.

Entretanto, o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, numa frase que precisaria de explicação, ou, pelo menos, contextualização, na sua visita ao Canadá, disse aos jornalistas que, quando esteve em Kiev, há cerca de um mês, aconselhou o Presidente Zelensky a ir a Nova Iorque para garantir que a guerra não ficaria de fora da 78ª Assembleia-Geral, face ao risco de esta ser "contaminada" pelos problemas climáticos, dos oceanos ou das novas tecnologias...

E uma vantagem clara de Zelensky sobre Putin neste palco é que este não estará em Nova Iorque, o que dá um avanço mediático ao ucraniano, embora o russo se faça representar pelo seu chefe da diplomacia, o experiente e igualmente mediático ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, que tudo fará para reduzir o efeito Zelensky sob os holofotes.

Mesmo que já sem o brilho que tinha, arrastando multidões, no primeiro ano da guerra gerada pela invasão da Ucrânia pela Rússia a 24 de Fevereiro do ano passado, sendo factual a diluição dessa avalanche emocional que varreu o ocidente, que resultou em apoios jamais igualados na História a um país atacado por outro - só os EUA já ultrapassaram os 113 mil milhões USD -, Zelensky já é o nome mais citado nos media ocidentais em mais esta semana de AG da ONU, onde estará pela primeira vez.

Esse destaque mediático está, todavia, longe de lhe garantir os resultados que noutras ocasiões eram "negócio fechado", desde logo porque a Europa ocidental e os EUA já não conseguem esconder das suas opiniões públicas que as crises económicas que atravessam, com inflação galopante e difícil de controlar, apesar das medidas draconianas dos Bancos Centrais, com sucessivas subidas nas taxas de juro, são resultado directo desta guerra entre Rússia e Ucrânia, e indirectamente pela via das sanções aplicadas a Moscovo, cujo refluxo nas economias ocidentais parece ter apanhado toda a gente de surpresa.

Os sinais...

... sobre a impaciência ocidental Europa e EUA, são cada vez mais notados, e também na China e na Índia, países que, apesar de alguns ganhos de curto e médio prazo, como o acesso à fonte inesgotável do crude e do gás russos a preço de saldo, estão condenados a também sentir esse ricochete no longo termo devido ao afunilamento dos seus mercados principais de exportação devido à crise económica, com, por exemplo, a recessão já sentida na Alemanha e noutros países europeus, e ainda não afastada totalmente dos EUA.

Olhando para os editoriais dos grandes jornais norte-americanos, como The New York Times, The Wall Street Journal ou The Washington Post, entre outros, são comuns, por estes dias, artigos onde se aponta sem rebuço para a difícil conversa que Zelensky vai ter com o Presidente Joe Biden, na Casa Branca, esperando-se que o chefe do regime ucraniano seja "convencido" da inevitabilidade de fazer um desvio da sua estratégia de guerra.

Com as eleições de 2024 à porta, e com uma crise económica entre muros, Biden, que procura um segundo mandato contra, provavelmente, o republicano Donald Trump, que tem apostado em dizer que é urgente acabar com aquela guerra, e que parece ser a ideia da maor parte dos norte-americanos agora, contra o que se verificava há apenas alguns meses, tem de conseguir uma de duas coisas:

- ou que a Ucrânia ganhe a guerra, expulsando os russos, o que é já evidente não ser possível, pelo menos nos próximos meses, face aos resultados escassos na contra-ofensiva e a brutalidade das baixas em vidas humanas e material de guerra;

- ou que os contendores cheguem à mesa das negociações rapidamente, sendo que, também aí, os EUA precisam de garantir que Moscovo abre mão, em larga medida, dos territórios que ocupa hoje.

Se, até aqui, Zelensky apostava tudo na derrota estratégica da Rússia no campo de batalha, como exigiam os principais lideres ocidentais e seus grandes fornecedores de armas e dinheiro para alimentar o esforço de guerra, de Joe Biden à presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, especialmente com a longamente preparada contra-ofensiva que começou a 4 de Junho, mas que, ao fim de 100 dias, deu resto quase zero, agora o azimute começa a pender claramente para o tabuleiro negocial.

Joe Biden, se a perspectiva da imprensa ocidental estiver certa - e deve estar, porque todos recebem a informação das mesmas fontes -, vai apertar o seu "amigo" Zelensky de forma a conduzi-lo para um acordo com Moscovo, eventualmente convencendo-o de que os russos também estão desejosos de acabar com o conflito devido à erosão da sua economia gerada pelas sanções ocidentais - o que está ainda por provar se essa erosão é substancial a esse ponto.

Sabe-se que os europeus, o que pode ser demonstrado pela saída de cena quase total da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que passou de figura de primeira linha no incentivo aos ucranianos para manterem a guerra acesa, para "desaparecida em combate", estão numa esquina da história a virar para o lado contrário da defesa da guerra.

Basta, para o constatar, verificar as cada vez mais expressivas manifestações antiguerra em países como a República Checa, ou Chéquia, na Bulgária, na Eslováquia, na Alemanha, com as sondagens na Eslováquia a darem como certa a vitória eleitoral de um partido que defende terminar com o apoio a Kiev, com a extrema-direita nazi a crescer com ruidoso estrondo nas regionais alemãs, muito graças ao discurso antiguerra e anti-apoio a Kiev...

Mas também Moscovo está a ser apertado com a suavidade dos gigantes, desde logo pela China, que começa a sentir na pela as agruras da guerra, com dados económicos cada vez mais sensíveis, redução das exportações, menos consumo de energia, uma crise interna de divida que começa a assustar, mesmo além fronteiras, ou da Índia, os grandes parceiros dos BRICS.

E isso mesmo é constatável com o périplo do ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, por vários países antes de chegar esta semana a Moscovo, para quatro dias de encontros, desde logo com o seu homólogo, Sergei Lavrov, e com o líder do Conselho Nacional de Segurança da Rússia, Nikolai Patrushev, e com o ex-Presidente, Dmitri Medvedev.

Algumas fontes admitem que Yi possa ir a Kiev depois de deixar Moscovo, até porque o que o Kremlin tem dito amiúde nestes dias, especialmente pela boca do Presidente Putin, é que Moscovo não pode negociar com Zelensky porque este assinou, em meados de 2022, um decreto que o proíbe de negociar com... Putin.

E, apesar de uma equidistância estratégica mas pouco respeitada por norte-americanos e ucranianos, a China será sempre "bem vinda" em Kiev, como o próprio Zelensky o disse repetidamente, o que faria de uma eventual ida a Kiev depois de ter estado em Moscovo, incidir em Wang Yi uma nova luz de esperança para acabar com esta guerra, que já está a ser demasiado longa e excruciante para o mundo inteiro.

O sinal vindo de Vladivostok

A visita do Presidente da Coreia do Norte à Rússia, na semana que passou, encontrando-se com Putin, deixou uma marca indelével nas relações entre os dois países, e uma não menos importante no conjunto dos dois pontos quentes no mundo de hoje, a guerra na Ucrânia e a crise Pequim-Taiwan, mas também um sinal de que alguma coisa de muito importante ocorreu no mesmo tempo da estadia de Kim Jong-um no extremo oriente russo.

Primeiro, os analistas apontavam para um negócio de troca de armas por tecnologia de satélites, com Pyongyang a fornecer munições a Moscovo de forma a garantir que estas não faltarão na frente de combate, recebendo apoio no seu programa espacial; depois, que seria apenas um reforço na cooperação bilateral em áreas não abrangidas pelas sanções do Conselho de Segurança da ONU subscritas pela Rússia, o que agrega o comércio de armas, impondo, ou servindo para justificar, um volte-face nesta perspectiva.

O negócio das armas, segundo algumas análises, feneceu porque chegaram informações do ocidente em como estavam a correr sérios esforços por parte dos EUA e da Europa para levar Kiev a mostrar menos resistência à possibilidade de negociar com Moscovo, o que encaixaria neste "pressing" chinês em Moscovo e, provavelmente, depois, em Kiev.

Certo e seguro é que a possibilidade de Moscovo fornecer à Coreia do Norte tecnologias de uso de guerra pode ter sido um mero "jogo de póquer" com um "bluff" de Putin sobre os países da região, Japão e Coreia do Sul, que têm estado a enviar armas para a Ucrânia mas que, de acordo com esta jogada, deveriam recuar nesse apoio porque uma Coreia do Norte mais forte exige mais garantias de segurança e capacidade de resposta.