Em dois anos e meio de conflito com a Rússia, Volodymyr Zelensky somou vitórias e derrotas políticas, interna e externamente, mas conseguiu manter o "forte" seguro com um núcleo duro empenhado e eficaz a convencer o "Ocidente" a alimentar o seu esforço de guerra.
A cabeça desse núcleo duro para o exterior foi sempre o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmitry Kuleba, que agora surge nos media internacionais como o cabeça de proa da debandada no Governo em Kiev.
Oficialmente, Zelensky mandou explicar, e é essa versão que corre pelas páginas dos jornais amigos do ocidente, que se trata de um "rejuvenescimento" no comando das operações, que passará também pela equipa de conselheiros e, provavelmente, na estrutura militar.
Algumas fontes sublinham que esta mudança alargada no Executivo de Zelensky só foi lançada para diluir o impacto da saída de Kuleba, que é, de longe, logo a seguir ao próprio Presidente, a cara mais relevante do xadrez ucraniano e cuja saída é um duro golpe no jogo internacional, onde Kiev tem a fonte da sua ainda relevante capacidade de resistência à invasão russa.
Kuleba e mais quatro
Com Kuleba deixam o poder os importantes mas apagados ministros das Indústrias Estratégicas, a vice-primeira-ministra para a Integração Europeia, o do Ambiente e o da Justiça, além de dois dos seus conselheiros...
Isso, especialmente nos EUA, onde o até ao final de 2023, o timoneiro da diplomacia ucraniana se passeava nos corredores do Departamento de Estado como se estivesse em casa, e que permitiu a Zelensky mostrar um músculo a Moscovo que já não existe.
Já não existe e que se está a enfraquecer a cada dia que passa e se aproximam as eleições Presidenciais de Novembro, um calendário que coincide com um crescente cansaço da guerra anto em Washington como na Europa.
Alias, na Europa acaba de ter lugar o maior golpe nas aspirações de Zelensly ver aumentar o apoio à sua guerra, com a vitória da extrema-direita nazi alemã, anti-guerra e pró-Rússia, nas regiões da Turingia e Saxonia, pela promeira vez desde o fim da II Guerra Mundial.
Com tudo a arder à sua volta, e depois, como o Novo Jornal noticiou (ver links em baixo), Kuleba procurou, nos últimos meses, com cobertura política de Zelensky, abrir novos caminhos para a paz sensata com Moscovo, mas, por razões pouco evidentes no panorama mediático internacional, esse caminho foi sempre interrompido com novas ameaças feitas em Kiev contra Vladimir Putin.
A última das quais, pouco sensata para quem insiste em reafirmar que quer a paz, foi o pedido do Presidente ucraniano ao Governo da Mongólia para executar o mandato de captura internacional do Tribunal Penal Internacional (TPI) contra Putin, na visita que o Presidente russo realizou àquele país, que é membro daquela instância judicial internacional, nos últimos dias.
Pedido esse que, ao ser ignorado pelo Presidente da Mongólia, Ukhnaagiin Khürelsükh, que, pelo contrário, usou de pompa e circunstância no acolhimento a ele dedicado, reforçou ainda mais o vigor internacional de Vladimir Putin e foi uma derrota diplomática para Zelensky, que viu o TPI a perder ainda mais no pouco crédito internacional que tinha e era uma das suas ferramentas mais sonoras na perseguição do Ocidente ao chefe do Kremlin.
Os media ocidentais e russos com "verdades" distintas
A imprensa ocidental e aliada de Kiev aborda este assunto como sendo um rejuvenescimento do poder de Zelensky, que procura mais eficácia na sua estratégia de esmagar a Rússia como meio de chegar à paz, e que consta do plano de paz que vai levar por estes dias a Washington.
Enquanto os media russos e nos canais nas redes sociais menos sujeitos ao guião de Washington, o tema é abordado na perspectiva de uma procura de Zelensky reforçar o seu poder interno, que já só depende da Lei Marcial em vigor, porque o seu mandato já caducou em Maio, estando por isso a sua relegitimação eleitoral suspensa.
Com esta alteração nas peças do xadrez do poder em Kiev, Zelensky consegue ainda outra mais valia, que é esconder mediaticamente o erro estratégico que mostrou ser a invasão da região russa de Kursk, onde, apesar de ter conseguido ocupar cerca de 800 a 1000 kms2, e dezenas de aldeias, todos os objectivos ficaram por cumprir.
Além de ter empenhado nessa empreitada as suas últimas reservas militares capazes de combate, com elevadas perdas em vidas e material, os russos não desviaram forças do Donbass, onde continuam a ganhar território hora a hora, não conseguiu ocupar a central nuclear russa de Kursk, e ficou sem qualquer moeda de troca para futuras negociações porque o que ocupa na Federação não possui nem valor estratégico nem é visto em Moscovo como humilhação,
Isto, porque, como explicava recentemente John Mearsheimer, da Universidade de Chicago e um dos mais proeminentes e respeitados especialistas norte-americanos em geoestratégia e política internacional, "numa guerra de atrito como a que decorre na Ucrânia, o valor das vitórias não está nas áreas ocupadas, está na depauperação em capacidade de combate do inimigo".
E John Mearsheimer sublinha que uma das mais "evidentes falhas" das análises que se fazem a esta guerra no ocidente é ignorar que a Rússia está a dar prioridade a essa dimensão de destruir material militar ocidental na posse da Ucrânia e provocar baixas nas unidades que Kiev ainda dispõe na frente de combate.
A ocupação territorial pelos russos é uma mera consequência do sucesso na redução da capacidade militar da Ucrânia e não um objectivo em si, frisou John Mearsheimer num recente podcast divulgado nas redes sociais.
O Ocidente está cansado da guerra
Tudo isto, num momento em que em Kiev cresce a irritação com o evidente retrocesso dos seus aliados ocidentais na disponibilização de mais equipamento militar e reforço financeiro aos ucranianos.
A ponto de Dmitry Kuleba, num dos seus derradeiros actos enquanto comandante da diplomacia de Kiev, ter ido a Bruxelas espetar um ferrete nos seus colegas: "Se não forem tomadas decisões ousadas no reforço do apoio à Ucrânia, não poderão acusar os ucranianos pela derrota mas sim queixarem-se de vós mesmos".
Isto não foi apenas uma demonstração de coragem de Kuleba, foi Kuleba a dizer aos aliados europeus da Ucrânia que a Ucrânia está a perder a guerra e que é urgente mudar de planos para lidar com este problema.
O que não é desconsiderado nas palavras do próprio Presidente Zelensky quando, a propósito deste "rejuvenescimento" do seu Governo, veio, em mais um vídeo, dizer que "refrescar o Executivo era fundamental quando se aproxima um Outono muito importante" para a guerra.
Nesse vídeo, segundo The Guardian, prometeu uma "abordagem diferente" quanto à política interna e externa, que acrescenta ter-se tratado de uma manobra desenhada pelo Presidente e pelos seus conselheiros mais próximos, Mikhail Podoliak e o seu chefe de gabinete, Andrii Yermak, que muitos começam a dizer que é quem efectivamente manda em Kiev, para dar novo vigor à capacidade de resistir aos russos.
Nesse mesmo vídeo, Zelensky sublinhou que "as instituições do Estado devem estar preparadas para a Ucrânia atingir os seus objectivos" naquele que vai ser "o Outono mais importante" deste conflito que já leva mais de dois anos e meio.