Numa altura em que várias fontes ocidentais e russas apontam para o iminente colapso da capacidade de manutenção do esforço de guerra por Kiev, a organização militar ocidental liderada pelos EUA que está por detrás da resistência ucraniana à invasão russa que começou há quase dois anos, a 24 de fevereiro de 2022, a NATO, veio confirmar que essa informação é correcta, com o seu "chefe", Jens Stoltenberg, a admitir que uma derrota ucraniana é agora o cenário mais provável."

E a razão para este pessimismo entre os aliados de Kiev é que os EUA estão sem dinheiro para enviar para a Ucrânia e sem armas para manter a frente de guerra acesa, os europeus também não estão a manter o mesmo fluxo de apoio em armas e dinheiro ao Governo de Zelensky, apesar de promessas em sentido contrário, e, nalguns casos, começa mesmo a surgir uma animosidade com Kiev, como é o caso da Polónia, que foi até há bem pouco tempo o seu mais empenhado aliado na Europa.

Outra razão para o pessimismo transmitido por Volodymyr Zelensky horas antes de se dirigir aos membros do G7, reunidos no Japão, que concentra os países mais industrializados do mundo, é a anormal vaga de frio que assola a Europa ocidental que faz regressar as atenções para a dependência do gás natural russo, que em 2022 não se fez sentir porque os EUA garantiram parte do fornecimento cortado por Moscovo devido às sanções da União Europeia e o Inverno foi, nesse ano, especialmente ameno.

O G7 é ainda o grupo dos principais aliados de Kiev e a plataforma de Estados que se confronta com o eixo Moscovo-Pequim na batalha global por uma nova ordem mundial e que tem na guerra da Ucrânia um dos seus palcos mais incandescentes, o que faz com que Zelensky ainda mantenha alguma capacidade de negociação pela manutenção dos apoios ocidentais.

Todavia, essa continuidade é cada vez mais difícil porque a Administração Biden, democrata, não está a conseguir lidar com a maioria republicana na Câmara dos Representantes, que faz com que o Congresso norte-americano seja actualmente território político dominado pelos apoiantes de Donald Trump, candidato às eleições Presidenciais de 2024, contra Joe Biden, que é claramente contra o apoio dos EUA a Kiev.

E nesta alocução ao G7, por videoconferência, Zelensky tem, nesta quarta-feira, 06, uma derradeira oportunidade para convencer os seus aliados para não o abandonarem, porque se tal vier a suceder, o desfecho da guerra estaria traçado com uma derrota clamorosa da Ucrânia.

Isto, quando se desenrola em Kiev uma situação dramática de luta pelo poder entre a Presidência e o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, o general Valery Zaluzhny, devido a claros desentendimentos sobre a condução da guerra, com notícias de que pode estar para breve um golpe militar em Kiev, sendo essa possibilidade já admitida por alguns dos mais importantes media ocidentais, principalmente porque a cifra de perdas entre as forças ucranianas é gigantesca e o país não está a conseguir repor as baixas na frente de guerra.

Com esse défice de recrutamento, Kiev está já a arregimentar jovens nas escolas secundárias, o que levou a engrossar a repulsa social pela guerra, contrariando o fervor nacionalista inicial, sendo essa mortandade nas trincheiras o factor-chave do alegado desentendimento entre Zelensky e Zaluzhny, porque o Presidente ucraniano entende que a única forma de manter aceso o apoio ocidental é não mostrar quaisquer fraquezas na capacidade de combate.

Isto, mesmo quando já é por todos admitido que a contraofensiva ucraniana que começou em Junho, com um manancial de apoio militar da NATO quase ilimitado, se revelou um fracasso absoluto, embora do lado russo, onde as baixas em combate são igualmente avassaladoras - tem apenas maior universo de recrutamento - não possa ser declarada qualquer vitória, porque, no terreno, as suas unidades mostram igualmente incapacidade de tomar novos territórios.

Putin no Médio Oriente

Não menos importante para a Ucrânia é a aparente decisão do Presidente russo desafiar a ordem ocidental ao ignorar o mandato de captura do Tribunal Penal Internacional, deslocando-se esta quarta-feira, 06, à Arábia Saudita e aos Emirados Árabes Unidos, dois dos seus aliados na OPEP +, a organização que agrega os Exportadores de Petróleo (OPEP) e a Rússia, e que tem imposto derrotas sucessivas aos EUA nas suas múltiplas tentativas para pressionar uma baixa no valor do crude nos mercados internacionais.

Esta questão tem especial importância quando ocorrem cenários de grande complexidade no negócio do petróleo, especialmente na América do Sul, onde a Guiana acaba de emergir como um gigante do sector vindo do nada, depois de descobertas de reservas gigantescas no seu offshore, podendo esse novo actor desestabilizar os mercados ao criar excedentes de ofertas apesar dos esforços da OPEP+ em manter a oferta ligeiramente abaixo da procura para garantir preços vantajosos para os exportadores.

E essa importância cresceu de forma aguda depois de em Caracas, o Presidente venezuelano, Nicolas Maduro, ter feito um referendo popular, que ganhou, pedindo o apoio do povo para uma tomada pela força de parte do território da Guiana, historicamente disputado pelos dois países, coincidindo esta retoma do assunto com a chegada da gigante norte-americana Chevron ao offshore da Guiana, país situado no norte da Venezuela e do Brasil.

Com a chegada de Vladimir Putin a Riade, e depois a Abou Dabi, estes países dão um recado ao mundo claro, que é a decisão de não permitir que nada se interponha na sua estratégia sobre e para os mercados petrolíferos, onde está a grande fonte de rendimento para as suas petroeconomias, podendo mesmo estarem cima da mesa uma posição sobre a questão da Guiana/Venezuela, que, a evoluir como tem evoluído até aqui, irá ser um desafio extra para essa mesma estratégia.

Isso, porque este pequeno país sul-americano vai poder, em breve, injectar mais de três milhões de barris de crude por dia nos mercados internacionais, o que seria uma "dádiva" dos céus para os interesses norte-americanos e europeus, que vivem uma crise severa de inflação e de ameaça de recessão muito centrada na questão energética, especialmente no petróleo, que tem estado acima dos 80 USD por barril há largos meses.

Curiosamente, também Angola pode estar a ter um papel neste complexo esquema geopolítico e geoeconómico global, porque, coincidindo com a aproximação político-diplomática entre Luanda e Washington, cuja aproximação culminou com o incandescente encontro do Presidente João Lourenço com Joe Biden, na Casa Branca.

O Governo angolano, como noticiou a Bloomberg, vai desrespeitar a quota que lhe foi atribuída pela OPEP, no contexto da sua estratégia para controlo dos mercados, anunciando que vai produzir 1,18 milhões de barris por dia em vez dos 1,1 estabelecido nessas quotas estratégicas, o que serve claramente a estratégia norte-americana que precisa de mais petróleo no mercado parabaixar os preços, tendo mesmo mutilado as suas reservas estratégicas em milhões de barris em 2022 para conseguir esse fito.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.