O golpe conduzido pela estrutura castrense foi justificado horas depois da detenção do primeiro-ministro Abdalla Hamdok, nomeado em 2019 no rescaldo da deposição, também pelos militares, do então Presidente Omar al-Bashir, após longas semanas de protestos populares a exigir a sua saída devido à grave crise económica que o país atravessava.

Agora, igualmente com origem nos quartéis, o governo sudanês, que juntava forças armadas e a sociedade civil, liderado por um primeiro-ministro civil, acabou "destronado" quando as ruas estavam a ser palco de protestos populares a exigir mudanças, alguns mesmo a pedir que os militares assumissem de vez o poder.

Mas, aparentemente, uma maioria da população está contra este golpe na democracia que estava a ser retomada via o já usual período de transição e isso é perceptível nas ruas das principais cidades sudanesas, onde milhares se manifestam contra mais esta alteração à norma constitucional que estava, embora ainda por concluir, a ser desenhada novamente.

Num gesto que está a ser lido como uma abertura para a pacificação das ruas, onde milhares continuam a opor-se a esta travagem forçada no processo de democratização, o primeiro-ministro, Abdalla Hamdok, que estava detido desde segunda-feira, viu os golpistas permitirem o seu regresso a casa, embora a situação esteja ainda longe de ser segura.

Abdalla Hamdok estava sob pressão dos golpistas para apoiar o golpe mas este recusou fazê-lo deste a primeira hora.

A tomada de poder pelos militares está, no entanto, a ser criticada severamente pela comunidade internacional, com a ONU à cabeça - o Conselho de Segurança deve tomar nas próximas horas uma posição firme contra este golpe e exigir a retoma do processo de transição -, mas também da organização pan-africana União Africana e pelas sub-regionais que integram o Sudão, nomeadamente a Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagios (CIRGL) actualmente liderada por Angola.

Com 43, 5 milhões de habitantes, o Sudão é um país com uma localização estratégia na África Oriental, integra mesma a COMESA (Mercado Comum para a África Oriental e Austral) e tem vivenciado, nas últimas décadas, uma situação de permanente conflito, primeiro com os actuais vizinhos do Sul, o Sudão do Sul, e depois com golpes de Estado tentados e conseguidos.

A violência tem feito caminho ao longo da atribulada história sudanesa, cuja independência do antigo império britânico foi conseguida em 1952, tendo já, além das escaramuças permanentes com raízes étnicas, esta país viveu três guerras civis, entre 1955 e 1972, depois entre 1983 e 2005 e, por fim, entre 2013 e 2020.

Com internet cortada e aeroportos e fronteiras fechadas, a crise actual pode, segundo alguns especialistas citados pelas agências, levar o país a um novo e prolongado conflito interno que se sabe como começou mas sem que se possa perceber como vai acabar.

Isto, apesar do líder golpista, que, recorde-se liderava o anterior Governo de transição, ter assumido o compromisso de manter o esforço para que em 2023 tenham lugar eleições gerais livres, justas e transparentes.

No último balanço feito por organizações locais, ligadas aos protestos, nomeadamente a Associação dos Profissionais, pelo menos 10 pessoas morreram desde o golpe de segunda-feira e mais de centena e meia ficaram feridas, muitas delas com gravidade.