Apesar de as principais linhas do noticiário internacional sobre mais um dia de protestos em Cartum indicarem que as forças policiais usaram gás lacrimogéneo e balas de borracha para dispersar os manifestantes que se juntaram nas proximidades do Quartel-General das Forças Armadas sudanesas, há relatos que apontam para um posicionamento dos militares em defesa dos manifestantes, cortando ruas para impedir o acesso dos seus veículos e disparando mesmo para o ar como forma de aviso aos policiais para se afastarem do local.
Foi por causa dessa intervenção dos militares - até aqui um dos pilares de suporte do poder de Bashir, que assumiu o poder através de um golpe de estado em 1989 - que a polícia não foi capaz de dispersar os milhares de manifestantes que foram ter com os militares para lhes pedirem apoio para afastar o Presidente, obrigando-o a sair sem mais violência.
Os protestos contra Bashir começaram há vários meses mas recrudesceram nas últimas semanas.
Omar al-Bashir, de 75 anos, é um dos mais antigos homens no poder em África actualmente, depois de Robert Mugabe, no Zimbabué, ter sido afastado pela tropa em finais de 2017, e de José Eduardo dos Santos, em Angola, ter cumprido com o compromisso de deixar a política activa em 2018, só Teodoro Obiang Nguema, na Guiné-Equatorial, Yoweri Museveni, no Uganda, Dennis Sassou Nguesso, na República do Congo, e Paul Biya, nos Camarões estão há mais tempo a comandar os seus países.
Por detrás destes protestos, tal como sucede na Argélia - admite-se que tenha tido influência no SUdão - com Abdelaziz Bouteflika, está o tempo excessivo de poder do antigo coronel sudanês, que conseguiu assumir as rédeas do Sudão em 1989, através de um violento golpe de Estado à frente de um grupo de militares, mas essencialmente a severa crise económica que o país atravessa, com esta a revelar-se com estrondo depois de o Sudão do Sul ter conseguido a independência em 2011, retirando a Cartum o domínio dos principais poços de petróleo.
Nos protestos de hoje estiveram dezenas de milhares de jovens, mas esta massiva manifestação de descontentamento popular levou para as ruas de Cartum também mulheres e idosos em grande número, tendo depois a concentração "marchado" para o complexo miltar da capital sudanesa, situado numa das margens do Rio Nilo.
Nas últimas semanas, de acordo com organismos internacionais de defesa dos Direitos Humanos, garantem que morreram dezenas de pessoas, sendo que a lista de vítimas dos acontecimentos de hoje não foi revelada pelas autoridades, mas algumas ONG"s temem que tenha ocorrido, apesar da protecção dos militares, um massacre.
Na origem dos protestos que podem, em breve, derrubar o Presidente sudanês, que tiveram início a 19 de Dezembro, esteve uma decisão do Governo em aumentar o preço do pão para mais do dobro, tendo rapidamente alastrado para todo o país.
Em resposto aos crescentes protestos, Bashir decretou, em Fevereiro, o estado de emergência no Sudão, o que levou a uma ligeira baixa na intensidade das manifestações, com a repressão policial na linha da frente dos instrumentos de dissuasão contra os protestos, que, mesmo assim, não foi suficiente para este nova vaga de descontentamento, que surgiu no passado Sábado.
Segundo as agências, os homens do poderoso NISS, sigla em inglês para o serviço de segurança e inteligência, apoiados pela polícia antimotim, reagiram com forte violência contra os manifestantes, que responderam mantendo-se no local enquanto puderam, contando, primeiro com a inércia dos militares e depois com a acção destes no sentido de protegerem os manifestantes, embora de forma isolada e sem que ainda possa esse gesto ser entendido com um claro reposicionamento estratégico das Forças Armadas neste "conflito".
No entanto, alguns analistas citados pelas agências admitem que dificilmente Omar al-Bashir poderá sair desta situação com o poder intocado, sendo incerto que o consiga manter, mas é garantido que, se ficar, terá de proceder a reformas profundas e rapidamente.