A ditadura de Salazar foi responsável pelo atraso económico e social, científico e tecnológico de Portugal, por quase 50 anos, transformando-o num país politicamente isolado e dos menos desenvolvidos da Europa. Tal circunstância impediu-o de acompanhar o movimento de concessão de independência das colónias que se vivia pelo mundo. Foi a visão míope do regime salazarista que forçou o recurso à luta armada.
Divergências ideológicas e o contexto da guerra fria não permitiram a criação de uma frente única contra o colonialismo, mas a história terá de encontrar outras razões que expliquem a incapacidade de as lideranças colocarem o interesse nacional acima de qualquer outro para se pôr fim ao sofrimento dos angolanos.
Para mitigar os efeitos da luta armada, o poder colonial tentou reformas no sistema administrativo e económico, visando, ao mesmo tempo, a modernização do território, a conquista dos «corações e mentes» da população e a racionalização da exploração dos recursos materiais e humanos, mas, procurando, sobretudo, manter a situação colonial, o que implicava a manutenção das práticas repressivas. Era uma espécie de adopção e adaptação do paradigma da modernização e dos modelos dualistas com ele relacionados que dominavam a teoria da economia do desenvolvimento seguido por alguns países então recém-independentes.

O primeiro governo da Angola independente propôs-se criar uma sociedade sem exploração do homem pelo homem e abraçou o socialismo como ideologia. Ao mesmo tempo, a turbulenta transição gerou um País com a economia e a administração quase paralisadas, devido ao abandono por parte daqueles que dominavam os respectivos aparelhos. A luta ideológica da altura resultou num radicalismo que levou a estatização da economia a extremos que não se ajustavam à escassez e inexperiência de quadros e dirigentes. Com o voluntarismo dirigente e recurso à cooperação socialista, , o paradigma da modernização voltou a emergir, agora associado ao modelo soviético, que, na prática e objectivamente, acabou por se assemelhar ao modelo dualista anterior, revestido de uma centralização que ia ao encontro de tendências e práticas antigas.

O insucesso da nova política não se deveu apenas à guerra, como se pretendeu fazer crer. O voluntarismo não teve em conta o nível de desenvolvimento das forças produtivas e, sem surpresas, desaguamos na tripla e longa transição iniciada nos anos 90 e até hoje incompleta: a da economia centralizada para a economia de mercado, a do sistema de partido único para o multipartidarismo e a da guerra para a paz.
Alcançada a paz, foram dados primeiros passos para a reconstrução e para a reconciliação. Porém, uma e outra foram perturbadas por factores que afectaram a diversificação da economia e a construção de instituições democráticas. O período 2002-2008, a mini idade dourada provocada por tanto petróleo vendido a preços excepcionais, toldou as mentes e exponenciou o desejo de se manter o poder e tirar o maior partido dele.

O paradigma da modernização, sempre ele, surgiu então em modo de aceleração, por influência dos modelos chinês e do Dubai, mas sem se ter em conta, uma vez mais, a diferença de realidades. O novo modelo, afinal, apresentava-se com muitas características do modelo soviético anterior, que explicaram projectos que nada tinham a ver com economia de mercado, como a Zona Económica Especial, os pólos industriais e agro-industriais, as grandes centrais de compras e as grandes superfícies comerciais (alguém se lembra do Nosso Super?), as centralidades habitacionais, entre muitos outros desvarios.
Quando ouvimos o Presidente da República no discurso do Estado da Nação ou no do cinquentenário da independência, ou os deputados a defenderem o OGE, repetindo argumentos estafados e promessas vazias, perguntamo-nos se eles próprios acreditam no que dizem. As promessas não assentam em real vontade política, nem em capacidade de realização de instituições tão desqualificadas como as nossas e muito menos no desejo de mudança do modus operandi do Estado. Ora, esta é a principal razão do insucesso da diversificação da economia e dos sucessivos projectos descontinuados e também a principal razão da falta de rumo do nosso desenvolvimento.

A persistência de problemas sem solução, associada ao que se passou com países que o abandonaram, permite-nos concluir que o modelo da modernização está esgotado. Infelizmente, a nossa academia, com uma ou outra excepção, não tem sido suficientemente capaz de estudar e de debater a problemática do desenvolvimento. Porém, as evidências empíricas já nos permitem dizer que a participação cidadã é uma questão chave que deve ser tratada de modo aberto e sem amarras partidárias. Por tal razão, a instauração do poder local e a opção pelo desenvolvimento local inclusivo (com o envolvimento de mulheres e de jovens) e participativo, com foco em sectores que possam aquecer as economias nos municípios, como a agricultura, o comércio, a agro-indústria de proximidade e os transportes, por exemplo, e com base em micro e pequenas empresas, pode ser o caminho para uma diversificação da economia, digamos, sustentável. Trata-se, arrisco em dizer, de uma mudança de paradigma, que favorece a cidadania, o controlo cidadão e o aproveitamento dos recursos internos, ao qual se pode associar um modelo assente numa democracia construída a partir do local e das comunidades e capaz de resgatar a ética tão ausente da sociedade. É nessa perspectiva que deve ser entendido o desenvolvimento sustentável, isto é, economicamente viável, socialmente justo, politicamente inclusivo e ambientalmente responsável.

Este caminho futurista não parece possível sem o pacto de regime de que tanto se tem falado e ao qual o actual poder não presta a mínima atenção. E esse pacto não será possível sem que a reconciliação nacional seja efectiva. O fracasso do congresso da CEAST é algo que deve merecer profunda reflexão e debate. Não é aceitável que, depois de criada uma elevada expectativa, se tenha deparado com a situação nada simpática da cadeira vazia sem uma explicação pública. Perdeu-se mais uma oportunidade para desbravar o caminho da reconciliação nacional.