No nascimento do País, a Educação formal, incluindo a formação de quadros, tomou assento prioritário no programa de governação. A alfabetização nas fábricas, nos bairros, nos mercados, no campo, em todo o lado, envolvendo milhares de jovens alfabetizadores voluntários, fazia mover o País e acreditar que o futuro breve de Angola seria sem analfabetos.
Nesse nascimento, há uma natural explosão escolar, mas o novo Estado não tinha recursos humanos, financeiros, nem infra-estruturais, designadamente estabelecimentos escolares suficientes para responder a essa demanda natural do Povo que com David Zé cantava, "Crianças de Angola, vocês terão escola, terão de tudo um pouco que vos faltava mwa Angola..."
Neste contexto, para que nenhuma criança e jovem ficasse para trás, o MPLA recorre aos aliados socialistas, particularmente Cuba. Milhares de crianças e jovens de todas as províncias angolanas, de todos os grupos sócio-culturais e de todos os géneros são enviados para a Ilha de Fidel Castro para estudarem e se formarem.

É em Cuba, principalmente na Ilha da Juventude, que muitos desses pequenos bolseiros angolanos aprenderam as primeiras letras ou um ofício, fizeram um curso médio, licenciatura ou uma pós-graduação.
O País de José Martí, ao mesmo tempo que ajudava as FAPLA (Forças Armadas Populares de Libertação de Angola) a defender a soberania nacional, também participava da batalha pelo desenvolvimento e combate à pobreza, albergando nas suas escolas milhares de angolanos.

Apesar do criminoso embargo norte-americano a Cuba, em vigor há mais de 60 anos, a Ilha caribenha envia para Angola professores de diferentes níveis de ensino e outros técnicos dos mais diversos sectores sociais e económicos, mormente a agricultura, indústria e saúde. Nesta última área, segundo a OMS, a Pátria de Fidel tem o melhor sistema do Mundo.
No quadro dessa prioridade atribuída à Educação, todos os anos, outras centenas de jovens angolanos eram enviadas para países socialistas da Europa, nomeadamente URSS, Hungria, Checoslováquia, Roménia, Polónia, RDA, Bulgária e Jugoslávia, para cursos técnicos, médios ou superiores.

Paralelamente, no País, a campanha de alfabetização seguia o seu rumo com muita eficiência e a taxa de analfabetismo caía consistentemente. Neste processo, destaca-se o grande contributo da Organização da Mulher Angolana (OMA, liderada na década de oitenta por Ruth Neto), principalmente nas zonas rurais e na alfabetização de mulheres em geral. Papel reconhecido pela UNESCO.

No entanto, a partir da segunda metade dos anos 80 (muito antes dos fracassados Acordos de Bicesse) com a adesão do MPLA às leis da selvajaria (economia) de mercado, a Educação vai perdendo o lugar de primazia. Angola adopta os ditos programas de reajustamento económico ou estrutural, com realce para o famigerado SEF (Saneamento Económico e Financeiro) que ataca as bases do Estado social.

Seguindo receitas do FMI, Clube de Paris e afins que defendem a diminuição das despesas do Estado, sobretudo das áreas sociais, o MPLA passa a privilegiar os luxos e o supérfluo da elite política em vez da Educação e, assim, abre caminho para dificultar a tomada de consciência dos cidadãos sobre os seus direitos. E, objectivamente, a tomada do Poder pelo Povo, defendida por Samora Machel.

Falsos marxistas, beneficiando da famosa acumulação primitiva de capital, transformam-se nos novos capitalistas, os candongueiros do Poder. Esses novos-ricos do MPLA-FMI, abertamente egoístas, colocam a aposta prioritária na Educação no papel, mas fora da execução prática, porque o mais importante passou a ser o enriquecimento ilícito dessa elite política perversa.
"Governantes insensíveis que pouco se importam com a educação dos pobres" como denuncia o presidente do Movimento dos Estudantes Angolanos (MEA), Francisco Teixeira.

A situação piora anualmente de tal forma que, de um direito ou "dever revolucionário", estudar passou a privilégio reservado a alguns, designadamente aos filhos dos candongueiros do Poder, novos exploradores no sistema endo-colonialista.
Dá-se a reprodução do sistema colonial fascista português. A escola passa novamente a instrumento de exclusão e de aprofundamento das desigualdades, de segregação e de desafricanização da sociedade.
As candongas na Escola, quer por vagas escolares, bem como para a passagem de classe de alunos, são normalizadas, hipotecando a qualidade de um ensino hoje preparado para industrializar as crianças e jovens, matando a criatividade e o pensamento crítico.

O desinvestimento na Educação deixa milhões de crianças fora do sistema de ensino (quatro milhões, dos quais milhão e meio na capital, Luanda, segundo o Ministério da Educação) ou cerca de nove milhões, de acordo com o MEA e mata a qualidade do que resto de Escola.

Esta grosseira violação de um direito humano básico assemelha-se a terrorismo político-social e mostra que a governação do País assenta em futilidades e em questões conjunturais em detrimento do estrutural.
Em 2023, uma reportagem deste Jornal apontava que 89% das escolas primárias e secundárias públicas de Angola são excluídas de qualquer tipo de cabimentação orçamental do Sistema Integrado de Gestão Financeira do Estado (SIGFE).
Esta situação, resultante da insistência num modelo político e de desenvolvimento esgotado, reprodutor de pobreza, exclusão e desigualdades, coloca Angola, segundo a UNESCO, em oitavo lugar no ranking dos países africanos com mais crianças fora do sistema de ensino.

Com cerca de 40 milhões de habitantes e quase metade da população na pobreza, Angola tem apenas 12.500 escolas para todos os níveis de ensino, de acordo com dados oficias, mas o partido do poder criou 60 mil Comités de Acção do Partido (CAP), instrumentos de estupidificação e acefalia da sociedade.
Cabe aos CAP, uma espécie de apêndice de organismos securitários de vigilância e repressão, controlar e boicotar qualquer tentativa de revolta contra a miséria e a pobreza, incluindo a falta de escola e de ensino de qualidade.
Neste País, como denunciado há dois anos por este Jornal, 87% das escolas públicas primárias e secundárias funcionam sem acesso à água canalizada, 82% sem energia eléctrica, 60% sem casas de banho e 12% têm salas de aula ao ar livre.
Se em 1975 o MPLA mobilizou a juventude para a gigantesca batalha de alfabetização, ao mesmo tempo que recorreu à ajuda de países como Cuba para cumprir o desiderato de dar Educação a todos, porque Angola hoje, membro da SADC, não opta por esse caminho?

Porque não recorrer a países da região com cobertura escolar completa (Namíbia, Botswana e Lesotho, entre outros) para suprimir muitas das carências nesse domínio?
E porque não continuar a solicitar ajuda à Cuba e com isso travar o crescimento da taxa de analfabetismo que subiu dos 25% em 2016 para os actuais 34%, segundo diversos estudos.

Para isso, seria necessária vontade política para mudar o modelo político de desenvolvimento. Era também preciso apostar em políticas e políticos direccionados para resolver os problemas do Povo, colocando a Escola em lugar cimeiro, como primeiro passo para a cidadania e instrumento determinante para o combate à pobreza e à criminalidade.
Enquanto isso, criticamente questiona-se, "E a vida que a gente teria se a educação fosse prioridade na periferia!?, como faz o músico Paulo Flores em "Isto é que é Economia".