No caso concreto do desporto, é necessário fazermos um brevíssimo enquadramento histórico do nosso percurso enquanto Nação independente, para que percebamos melhor a realidade dos nossos dias. Os primeiros anos da nossa independência foram caracterizados por um amplo movimento de massificação desportiva (desporto para todos), estruturado num modelo de inspiração socialista. Naquela altura, o desporto assentava sobre três pilares: escolar e de recreação; militar e federado. O Estado era, por si só, praticamente um agente desportivo, agindo por acção directa de unidades fabris suas, as célebres Unidades Económicas Estatais (Bolama, Sociborda, ERT, Ferrangol, TAAG, Rodoviário, Cuca, Nocal, etc.) e mesmo através de estruturas administrativas públicas civis e militares (quem não se recorda dos Dínamos, por exemplo).

Após os ventos de mudança política ocorridos com a queda do muro de Berlim em 1989, com a Perestroika do Mikhail Gorbachev, na antiga URSS, e até antes destes factos com as modificações no nosso sistema económico resultantes da implementação do SEF (Programa de Saneamento Económico e Financeiro) e regime político já em 1991, consagrados no ano seguinte com as primeiras eleições multipartidárias, a matriz do nosso desporto se alterou para uma posição diametralmente oposta, dando-se lugar ao associativismo puro, deixando o desporto de ter o amparo institucional directo do Estado e passando a ser visto como uma responsabilidade praticamente exclusiva das pessoas, dos sócios dos clubes repentinamente transformados em verdadeiras associações, deixando de ser departamentos ou secções de unidades económicas estatais.

Sem poder contar com o suporte financeiro do Estado, a questão do financiamento à actividade desportiva, ora entregue a responsabilidade dos cidadãos, passou a ser um tema bastante desafiante e diante das extremas dificuldades e absoluta escassez de recursos financeiros, durante largos anos, apontou-se como uma solução praticamente milagrosa a aprovação de uma lei do mecenato, sendo a falta dela até ser aprovada, apontada como o principal problema do desporto nacional.

Passado então estes quase 13 anos após a aprovação da tão almejada Lei do Mecenado e quase dez após a sua regulamentação, a constatação que está diante de todos nós é que os resultados efectivos da sua aplicação, pelo menos no domínio desportivo, são residuais para não dizer praticamente nulos.

Diante deste balanço manifestamente negativo, impõe-se, em minha opinião, um olhar geral para o nosso "ambiente desportivo" e a sua articulação com o sector privado, um revisitar às opções legislativas feitas (será que os benefícios fiscais são suficientemente apelativos para os mecenas? Até que ponto os potenciais beneficiários e mecenas estão em condições de corresponder às exigências burocráticas e procedimentais previstas na Lei, entre outras questões).

Definitivamente, faltam-nos motivos para celebrarmos este marco de treze anos de vigência da Lei do Mecenato, mas talvez esta dura realidade nos sirva para apontarmos para um outro caminho, numa direcção, eventualmente, totalmente oposta, indo para além desta tentativa de se regular o altruísmo e a bondade das pessoas e instituições, tentando captar, de modo pragmático, o interesse comercial que move a actuação dos potenciais mecenas que, normalmente, não são instituições de caridade, mas, sim, empresariais e estas são movidas pelo lucro, algo que a actual Lei do Mecenado afasta totalmente e talvez, fazendo uma simples conjectura, esteja precisamente aqui a raiz de todo o mal. n

*Jurista e Presidente do Clube Escola Desportiva Formigas do Cazenga