Nesta semana, volto ao mesmo tema por ser verdadeiramente importante e porque a sua não aplicação prática é, em boa verdade, um perigoso abismo no percurso, na arrumação e sistematização do nosso sistema desportivo, uma peça que faz realmente falta no puzzle.
O desporto, até por definição, é uma actividade predominantemente física, exercitada com carácter competitivo. Cobrir os riscos, através da instituição do seguro obrigatório, é uma necessidade absoluta para a segurança e salvaguarda da integridade e saúde dos praticantes.
A doutrina vem apontando um conjunto de riscos susceptíveis de serem abrangidos pelo seguro desportivo, nomeadamente, os riscos sobre a integridade física dos praticantes, os riscos sobre a integridade física dos espectadores ou terceiros, os riscos a que estão expostos os recursos humanos afectos ao evento desportivo e, bem assim, os riscos inerentes à deslocação para o local em que se realiza o evento desportivo.
Em relação ao nosso ordenamento jurídico, a constatação que faço é que ter únicas referências legais previstas nos artigos 61.º, 62.º e 63.º da Lei n.º5/14, de 20 de Maio, Lei do Desporto, uma espécie de "fio condutor" por onde passa todo o nosso sistema desportivo consagrando a obrigatoriedade do seguro desportivo são manifestamente insuficientes.
Bem à nossa boa maneira, ao invés de esgotarmos pelo menos as questões mais relevantes num único diploma legal, o n.º 2 do artigo 62 da Lei n.º5/14, de 24 de Maio, remete para um diploma próprio o tratamento legal a esta questão tão relevante que é o seguro protector da actividade desportiva.
Ao fim de quase onze anos de vigência da lei, o almejado diploma próprio não chegou ainda a ser aprovado.
Todavia, não obstante este vazio legislativo que referi, não se pode alegar, de modo algum, que a obrigatoriedade legalmente prevista esteja invalidada.
Estão perfeitamente em vigor as disposições que, de um modo geral, prevêem que o seguro desportivo é obrigatório para as instituições que organizam eventos ou competições desportivas (federações nacionais e associações provinciais), que desenvolvem a prática desportiva regular (clubes desportivos), que detêm instalações desportivas (proprietários de quadras de jogos, campos desportivos, piscinas, etc.) e organizadores de eventos desportivos.
Um exemplo que trago aqui de uma realidade que nos é relativamente próxima é a portuguesa, o custo do seguro obrigatório para o desporto de formação é normalmente suportado pelos próprios familiares dos atletas.
Reflectindo sobre esta questão, para mim, não há nada mais relevante do que a protecção, a salvaguarda e a garantia de um tratamento médico adequado aos nossos valorosos desportistas, pessoas a quem nós, adeptos, dirigentes, treinadores, espectadores, comunicação social, etc., muito devemos.
O nosso legislador foi bastante claro em relação à extensão mínima do seguro desportivo, nomeadamente, cobrindo os riscos de lesão, morte e invalidez permanente, total ou parcial, situações não tão fortuitas assim para uma actividade fisicamente tão exigente como é normalmente a prática da actividade desportiva.
Diante da nossa realidade do dia-a-dia em que, salvo raríssimas e apreciáveis excepções, não há um efectivo cumprimento desta obrigação legal, vejo aqui uma janela de oportunidade nas mais variadas vertentes para os diversos intervenientes mais directos, nomeadamente, as diversas federações nacionais, os clubes desportivos, os proprietários de instalações desportivas e as empresas seguradoras.
E, sim, um desafio, há de facto uma necessidade premente de se cobrir o vazio legislativo existente sobre esta matéria, mas há também uma óptima janela de oportunidade para o florescimento de óptimas parcerias comerciais entre os fazedores do desporto e o mercado do seguro. n
*Jurista e Presidente do Clube Escola Desportiva Formigas do Cazenga