Há meio século foi num cenário de extrema violência e de crispações políticas entre os três chamados Movimentos de Libertação Nacional (MLN) que a Independência foi proclamada por Agostinho Neto, um dos "senhores da guerra" angolana, a par de Holden Roberto e Jonas Savimbi.

Tratou-se de um conflito armado que não envolveu apenas os três MLN, mas também exércitos estrangeiros, nomeadamente sul-africano, cubano e zairense, que foram "atraídos" para o teatro da guerra por cada uma das forças que disputavam a conquista do território pela via "manu militari".

A vitória militar e política do MPLA e dos seus aliados cubanos sobre os demais oponentes, assim como a instauração de um regime monolítico por parte dessa formação não significaram, infelizmente, o fim da guerra, mas a abertura de um novo ciclo de violência que se iria arrastar por mais longos e sangrentos 16 anos.

No entanto, a abertura do País ao multipartidarismo e a realização das primeiras eleições gerais e presidenciais em Angola, em 1992, não significaram também o fim da guerra civil, mas o virar de mais uma página no capítulo da violência política.

Volvidos 23 anos de paz efectiva e do calar definitivo das armas, Angola confronta-se com a falta de paz social, a também conhecida paz dos estômagos, que resulta, em grande parte, dos sucessivos fracassos das políticas económicas implementadas pelo Executivo do MPLA, da corrupção endémica e da má distribuição da riqueza social.

Ninguém em sã consciência pode afirmar que os 50 anos de Independência foram apenas desgraças e fracassos e que nada foi feito em prol dos angolanos.

Seria injusto não reconhecer que a Independência trouxe alguns ganhos aos angolanos, sobretudo no aspecto político, mais concretamente em matéria das liberdades individuais e colectivas. Houve, de facto, alguns avanços e progressos noutros domínios, como, por exemplo, no domínio do ensino e educação, em que houve uma redução das elevadas taxas de analfabetismo, assim como aumentou substancialmente o número de quadros médios e superiores.

É inegável que a Independência enriqueceu determinada elite política/governativa, aumentou o poder de compras de certos extractos sociais, mas no plano económico e social, a grande maioria da população continua a viver com menos de dois dólares/dia, ou seja, na mais extrema pobreza, sem acesso ao saneamento básico, à água potável, à energia eléctrica, e a morrer de fome ou de doenças curáveis.

Apesar de conhecer a triste realidade em que vivem milhões de angolanos, o Presidente da República tem afirmado que os governantes angolanos construíram mais infra-estruturas em 50 anos do que os colonos em 5 séculos de colonização, como se isso, por isso, tivesse melhorado as suas condições de vida.

Por ironia da história, meio século depois da proclamação nacional, alguns dos nossos ditos "nacionalistas" que, no passado, pegaram em armas para combater a colonização lusitana escolheram a antiga metrópole colonial para viver, tendo emigrado para aquelepaís da Europa em busca de melhores condições de vida.

Muitos jovens desesperados, sem empregos, aspiram emigrar para outras paragens, sobretudo desejosos em (re)começar a vida na Tuga.

Para a nomenclatura política, Angola serviu ou serve-lhes apenas como fonte de enriquecimento ou de local onde, depois de mortos, pretendem ser sepultados.

Por caricato que possa parecer, apesar de uma série de investimentos em hospitais de "luxo", eles recorrem, volta e meia, aos hospitais da antiga metrópole colonial, à mínima dor de cabeça ou em busca de outro tipo tratamento médico para a cura das suas doenças, mesmo as de menor complexidade médica.

É também na ex-metrópole colonial onde eles têm os filhos a estudar nos melhores colégios e universidades daquele país europeu e projectam o futuro das suas proles. 50 anos depois da proclamação da Independência Nacional, os nossos autopatriotas, que fizeram as suas fortunas em Angola, à custa do saque e da pilhagem dos recursos financeiros, esmeram-se por obter a nacionalidade portuguesa, num país onde possuem sumptuosas vivendas e contas gordas depositadas em bancos locais.

Neste meio século de Independência, os angolanos, sobretudos os governantes e políticos, deveriam fazer uma pausa, reflectir em torno das sábias palavras proferidas pelo cardeal congolês Fridolin Ambongo Besungu, arcebispo de Kinshasa, por ocasião dos 60 anos da Independência do Congo.

Com as devidas distâncias e contextos, a situação por ele descrita tem paralelo em Angola, assim como noutras geografias africanas, no período do pós-independência.

O prelado católico congolês revelou algumas verdades incómodas que muitos políticos e governantes africanos não gostam de ouvir ou reagem com nervosismo quando são confrontados com a nossa triste realidade.

Segundo o cardeal Fridolin Ambongo Besungu, "as pessoas [elite política/governativa] tentaram ganhar o poder não para servir aos outros que estavam sob a sua responsabilidade, mas para ter os privilégios dos brancos".

"Para muitos, independência significava não só o fim do trabalho forçado, mas também o fim de todo o trabalho duro". "Os congoleses ocuparam, de facto, os lugares brancos, mas, como não entendiam nada do que os brancos faziam quando ocupavam este ou aquele lugar, já que não entendiam o exercício da autoridade ou o exercício dos cargos, qualquer tarefa política, sócio-económica ou administrativa era vista como a oportunidade de desfrutar de benefícios dos brancos".

"Ao observar rapidamente os 60 anos que se passaram, vemos que este grande sonho do povo congolês se despedaçou progressivamente por causa de uma série de factos e eventos. Como podemos aceitar que, 60 anos depois da independência, o povo congolês continue empobrecendo ao ponto de estar entre os mais pobres da terra hoje? Temos que reconhecer, queridos irmãos e irmãs, que, após 60 anos de independência, fracassamos vergonhosamente. Não conseguimos fazer do Congo um país mais bonito do que antes", disse, em jeito de conclusão.

O realismo e a frontalidade com que o cardeal congolês abordou o assunto pode levar-nos à triste conclusão de que há povos africanos que viviam mal com a colonização europeia, passando hoje a viver pior com as suas (in)dependências.

Daí a inevitável pergunta: fez sentido Angola gastar largos milhões de dólares com os festejos da independência, convidar 70 Chefes de Estado ou do Governo, "torrar" uma fortuna com um jogo de futebol de apenas 90 minutos, quando 11 milhões de angolanos vivem na mais extrema pobreza, 5 milhões de crianças estão fora do sistema do ensino e há milhares de pessoas que comem diariamente nos contentores de lixo? Luxos na miséria? Mania das grandezas?