Ao longo dos anos do regime instituído a 11 de Novembro de 1975, assistimos à dança de cadeiras nos órgãos de soberania (Assembleia Nacional, Tribunais Superiores, Ministério Público), Departamentos Ministeriais, Governos Provinciais e outras instituições públicas, sem que se tenham verificado melhorias profundas com impacto na economia e no bem-estar colectivo. Porquanto, o problema, não são as pessoas, é o sistema que está mal estruturado. Por isso, o meu entusiasmo em 2017 foi bastante cauteloso, pois, sem as reformas fundamentais do sistema político, nenhum programa de reformas iria produzir os efeitos desejados, associado ao facto de que o sistema sempre assentou na gestão da manutenção do poder político, não importa o custo do seu impacto no bem-estar colectivo.
A deformação estrutural crónica da economia angolana é bem conhecida, até mesmo pelos economistas de plateia. Em termos muito simples, pode-se dizer que o problema reside no facto de que se gasta mais do que se ganha. A criação de riqueza está concentrada num único sector, o mineiro (petróleo e diamantes), que absorve menos 4,9% da mão-de-obra, agravado pelo facto de que o conteúdo local é absorvido maioritariamente por empresas estrangeiras. O sector agrícola, que emprega mais 50% da população, assenta na agricultura de subsistência, com taxas de produtividade muito baixas, o que resulta na dependência externa para alimentar uma população que cresce de forma assustadora. Adicionalmente, dado que os fluxos de petróleo não foram devidamente geridos no período áureo, resultando num endividamento descontrolado, a amortização e o serviço da dívida, consomem 48,71% do Orçamento Geral do Estado (OGE, 2025), resultando na incapacidade do Estado de honrar os seus compromissos com os fornecedores de bens e serviços e de fazer investimentos imprescindíveis para reposição de infra-estruturas necessárias para dinamizar a economia. Os factores enumerados são as principais causas da recorrente instabilidade macroeconómica (fraco crescimento económico, elevadas taxas de inflação e altos níveis de desemprego).
Referi, em reflexões anteriores neste espaço, que a riqueza que construiu as cidades e vilas que se herdou do colonialismo português, proveio essencialmente, da produção agro-pecuária (café, sisal, milho, feijão, amendoim, girassol, banana, abacaxi, laranja, tangerina, limão, carne bovino, suíno, caprinos e avícola, etc.). Angola foi um grande produtor e exportador de muitos desses produtos em que se converteu em importador líquido. Frequentei a escola com proventos da produção de café, laranja, feijão e hortícolas diversas, de que o meu pai era um produtor respeitado (os camiões carregavam laranja na porta de casa, numa aldeia recôndita, a 24 quilómetros de Catabola - Bié). O que leva o País a gastar mais do que produz, é o facto de o investimento, ter sido, e ainda ser, direccionado para actividades consumistas, que não geram retorno. Por exemplo, gastar milhões de dólares em aeroportos onde aterram 2 a 3 aviões por dia. Gastar dinheiro no centro de convenções, cujas receitas não cobrem, simplesmente, os custos de sua manutenção, resultando na sua degradação paulatina.
Observando a forma como foram alocados os recursos do Orçamento Geral do Estado (OGE) no último período analisado (2018-2025), verifica-se que a maior fatia foi para Luanda, a capital. Os recursos foram, essencialmente, direccionados para os centros urbanos, que, por natureza, são consumidores sem retorno. As actividades predominantes dos centros urbanos são: o comércio (inclui turismo e restauração), os serviços e a indústria, de limitada capacidade de absorção de mão-de-obra indiferenciada. A percepção que os provincianos, como este escriba, têm é de que em Luanda não se trabalha, ao contrário do que é costume nas províncias (8 horas de trabalho e não 8 horas no trabalho).
Luanda é, por natureza, um centro consumista, onde se vive na ilusão e na fantasia de uma vida afortunada (uma minoria). Porém, é a província que absorve a maior fatia da despesa pública. Portanto, entende-se por que é que Luanda está abarrotada de gente vinda de todos os cantos do País, atrás do maior bolo das migalhas dos petrodólares. Outrora, como várias vezes referi neste espaço, a riqueza era gerada no meio rural (em 1970 a agricultura era responsável por quase 20,00% da riqueza nacional e o café representava cerca de 35% das exportações. A produção agrícola absorvia a maioria da população, os programas de extensão rural melhoram substancialmente a produtividade dos produtores rurais, e, consequentemente, também o rendimento das famílias, com os proventos financiaram a instrução dos filhos.
Entretanto, mais do que discutir a razão do insucesso das reformas e a consequente continuação da degradação das condições de vida das famílias angolanas, que se assiste, é perfilar a minha visão da forma como se pode reverter o quadro da actual incapacidade da economia gerar riqueza. Por um lado, tenho a consciência de que se trata de uma tarefa gigantesca, pois as pessoas se confrontam com o imperativo da satisfação das necessidades básicas (saciar a fome, assistência médica e medicamentosa, educação, etc.), há pressa em reverter este quadro.
Mas, por outro lado, me parece facilitada a situação, pois fico com a impressão de que fazer uma inversão de 360º do modo de actuação despiciente actual, bastaria para reverter o quadro! Como? Eliminando os consumos supérfluos (aquisição de viaturas de top de gama, viagens para o estrangeiro, benesses dos governantes, tais como, Ministros, Secretários de Estado, Governadores e Vice-governadores, Administradores Municipais e Comunais, eliminação de eventos que não adicionam valor, etc.), assim, reverter a pirâmide das prioridades. Inverter a prática de o OGE destinar-se apenas ao pagamento de salários da função pública e à amortização da dívida.
Por outro lado, entendo que, há reformas políticas que não podem esperar, é o caso da titularidade da terra, a implementação das autarquias, e a responsabilização política dos que exercem funções no Governo, hoje relegados a auxiliares do Titular do Poder Executivo (TPE), não respondendo, perante a Assembleia Nacional (AN) pelas suas acções. Priorizar os programas direccionados à extensão e ao fomento da produção agrícola. Por exemplo, o lançar um programa de extensão rural que conecta os programas de fomento em curso (envolvendo organizações não governamentais, com experiência comprovada), com a meta de, até 2030, envolver mais de 3 milhões de produtores. Há que, urgentemente, ocupar milhares de pessoas disponíveis na actividade agrícola, com programas que melhorem as práticas agrícolas, introduzindo mecanização e irrigação, de modo a melhorar progressivamente a produtividade das culturas, com ela, o rendimento dos agricultores. É preciso fazer com que as pessoas tenham capacidade de consumir, ou seja, o poder de compra, para que quem produz possa vender, sem o qual a economia não se reproduz. Para o sector industrial o meu foco é funcionar com os níveis do valor acrescentado bruto (VAB) e agravar os direitos aduaneiros para os produtos acabados, ir reduzindo o agravamento aduaneiro à medida que há incorporação de factores de produção locais.
Um aspecto a ter em conta nas reformas que preconizo, é a forma como se lida com a instrução das crianças e jovens deste País. Como professor, acompanho com profunda preocupação, as competências, quer científicas, técnicas como de atitude que as instituições de ensino deste País, estão a passar aos homens e mulheres de amanhã. Tem de se reverter o actual quadro de haver apenas escola. Tem de se olhar para o ensino, que mesmo sem paredes, veicula o conhecimento, só com gente instruída se pode acompanhar as transformações que ocorrem neste mundo global, acontecendo a uma velocidade supersónica. Ademais, não se pode esquecer o investimento nos cuidados primários da saúde, em vez do actual paradigma de construção de unidades hospitalares de referência com tecnologia de ponta, sem especialistas, tão pouco consumíveis para as manter funcionais.
Foi demonstrado que, efectivamente, o problema não está nos programas de reformas, que, conceptualmente, foram bem concebidos, desde o SEF ao PEM. O que se passou foi que o político condicionou o aprofundamento das políticas económicas. Portanto, a grande questão é o sistema político existente, que se contenta em manter o equilíbrio para gerir a manutenção do poder político, não importa a condição de vida do soberano. Espero, sinceramente, não ter defraudado a expectativa dos leitores nesta última reflexão, em que me propus a dar a minha perspectiva de como alterar o quadro de infindáveis programas de reformas que, na prática, não reformam. Provavelmente, esperavam uma outra dimensão de abordagem de sugestões de novos programas de reformas. A questão é que a razão por que as várias tentativas de reformas não são bem-sucedidas é o sistema económico vigente, que de boca para fora apregoa uma economia de mercado, mas as práticas são do centralismo democrático (comunismo).
*Economista

