São tempos de uma crise que, na sua cadeia de produção, vem expelindo em massa incontáveis embalagens de desempregados. Tempos fustigados pela desagregação dos ecossistemas. Tempos de crescente desesperança perante a ausência de soluções económicas.
Nesta crise só há espaço para o triunfo da surdina do vozeirão das redes sociais. Só há espaço para o olhar silencioso de gente flagelada pela miséria. Só há espaço para a impotência de quem não vislumbra ao fundo do túnel a ponta de um legado de justiça e de equidade social.
Nesta crise só há espaço para a glorificação da revolta de uma juventude sem rumo ou para o desespero da velhice abandonada como velhos livros atirados para fora, que já ninguém quer ler como as gravuras queimadas pelos cafezais.
Vivemos tempos de acelerada degradação social e de progressiva mediocridade política. Tempos que mobilizam mundos e fundos, promovem jogos de intrigas eleitorais, acoitam insinuações políticas rasteiras e reciclam promessas antigas.
Tempos vergados à exaustão de um discurso político esgotado. Tempos que se regem sobretudo pela falência intelectual e espiritual das elites dominantes, mas, também, em certa medida, das elites que incorporam o chamado contra-poder. Tempos de avidez de poder sem freio em que, uns e outros, já não olham a meios para atingir os fins!
Precisamos, por isso e urgentemente, de sair do pântano em que nos encontramos atolados. Precisamos de recuperar o fôlego emocional gerado há quatro anos com a chegada de João Lourenço ao poder e de o transformar num salto real na qualidade de vida dos cidadãos.
Mas, ao tentar recuperar a confiança daqueles que depositavam tanta esperança na sua liderança, o Presidente precisa de reconhecer erros de governação que, em tempos de amargura social como os que vivemos, estão hoje a empurrar para os portões do Palácio uma extensa e desguarnecida caravana de desencantados.
Não podendo o país continuar a dar um passo em frente e dois atrás, nem permanecer atado aos fantasmas do colonialismo ou prisioneiro dos erros da anterior governação, o Presidente precisa de travar a tendência de nos iludirmos com avanços às arrecuas.
Precisa de o fazer partindo do pressuposto que os alicerces do nosso edifício democrático, quer ao nível das reformas económicas, quer ao nível das liberdades políticas, são tão frágeis que destapam graves fissuras.
As canalizações de água estão rotas, as paredes desnudam fendas por todos os lados e o sistema eléctrico está inquinado. O nosso elevador social está avariado há muito tempo e faltam-nos electricistas para o concertar.
Tudo isto porquê?
Porque estamos cercados, de um e do outro lado, por uma elite atrasada, manipuladora, hipócrita, mentirosa e subserviente, que ainda não percebeu que Angola é mais importante e mais poderosa do que todos nós.
Estamos cercados por uma elite que, em 2005, convidada pelo economista e académico britânico, Paul Collier a comprar um bilhete de passagem para a Nigéria e ou para a Malásia, preferiu colocar Angola na rota do país africano, não percebendo que estava a encaminhar o nosso país para o abismo...
Estamos cercados por uma elite que, na sequência desta desastrosa escolha, como sinaliza o sociólogo guineense, Carlos Lopes na sua última obra "África em Transformação", ainda não percebeu que em vez de sermos um país reformista, somos um país rendista, isto é, um país que vive basicamente da renda do petróleo e dos diamantes.
Estamos cercados por uma elite que ainda não percebeu que ao agarrar-se a um tecto falso, a probabilidade do tecto desabar é muito maior do que a garantia de se manter seguro dentro de casa.
Estamos cercados por uma elite que, segundo o médico Manuel Vidigal, ainda não percebeu que rejeitar a arrogância estimulando a pedagogia pelas boas causas alimenta e fortalece o sentimento de cidadania e ajuda a promover o respeito dos governantes pelos governados.
Estamos cercados, há várias décadas, por uma elite com orelhas moucas. Estamos cercados por uma elite com tanto poder que representada, entre outras figuras pelo ministro do Planeamento e Economia quarta-feira afastado do governo, nem se apercebeu que andou a vestir um fato demasiado grande para os desafios da sua pequenez cerebral e traquinices políticas.
Estamos cercados pela influência de uma elite que, já em 1989, embebedada pela sobranceria marxista, decidira fazer ouvidos de mercador às recomendações inseridas num estudo elaborado por uma equipa de peritos liderada por Silva Lopes - um dos mais notáveis economistas portugueses, antigo Ministro das Finanças e antigo Governador do Banco de Portugal, e integrada também por António Guterres e Manuela Morgado - e que nos permitiria fazer uma transição deslizante da economia centralizada para a economia de mercado.

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