Mesmo tendo noção de que não estarão perante uma panaceia dos conflitos que opõem o MPLA à oposição, os cidadãos gostariam de que essa jogada de antecipação do Presidente não condicionasse, como agora condiciona, a tomada de posição daqueles que não farão parte dos debates parlamentares.

Gostariam que essa discussão se traduzisse no início de um ponto de viragem na forma (diferente) de debatermos o futuro político do País.

Gostariam de a ver surgir como o primeiro grande teste à capacidade de dinamização do debate político em moldes democráticos nunca antes vistos entre nós. Gostariam disso e de muito mais. Por agora, o Presidente deu o primeiro passo.

E é verdade que, ao aceder dar a mão à palmatória perante o reconhecimento de algumas incongruências constitucionais, e ao aceitar "corrigir o que está mal" e melhorar a versão inicial da sua proposta, o Presidente conseguiu destapar o véu que durante 10 anos tornou inexpugnável o "casaco constitucional" aprontado à medida de quem o vestiu.

Mas, impondo à revisão da Constituição determinados limites, os cidadãos não deixam de pretender colocar à disposição do seu representante máximo um "casaco constitucional" mais folgado e elegante.

Gostariam, por isso, de assistir ao virar da página e de participar na desconstrução do clima de permanente "desconfiança, hipocrisia e de disputa azeda dos méritos das conquistas políticas e sociais" em que assenta a relação entre o MPLA e a oposição. Gostariam, mas não vai ser assim.

Não sendo ainda desta vez que será assim, muito dificilmente conseguirão ver ultrapassada, de forma consensual, o que o (grande) jornalista Vicente Jorge Silva qualificou como sendo "o tempo de incógnitas, incertezas e ameaças" que paira sobre o horizonte da vida dos angolanos.

Com a discussão agora iniciada - e que pode conduzir, entre outros aspectos, à reposição da presença dos ministros nas plenárias do Parlamento para a prestação de contas, à retirada da questão dos confiscos da Constituição e à alteração das regras de transição de poderes entre os Presidentes - os cidadãos gostariam de assistir a uma celebração maior.

Gostariam de assistir ao fim da mentira democrática protagonizada até hoje pelas duas partes e ao início da verdade democrática que requer a participação de todos os angolanos.

Desde logo porque, apesar de o Presidente ter assumido a liderança da revisão constitucional, nem todas as suas propostas de alteração à Lei Fundamental satisfazem e, muito menos, esgotam as preocupações de vários segmentos da oposição.

Esta mudança de visão política afigura-se, assim, inadiável tanto para quem hoje é poder, como para quem, amanhã, possa ir para a oposição. E estimulante tanto para quem hoje é oposição como para quem, amanhã, possa vir a ascender ao poder...

Por isso, é chegada a hora de a verdade democrática começar a ser vista como um decisivo suplemento energético para o fortalecimento da transparência política e da credibilidade institucional do regime.

Por isso é que o MPLA e a oposição, juntos à mesma mesa, são chamados a perceber, de uma vez por todas, que os tempos são outros. Mas não devem perder de vista uma outra questão nuclear: as preocupações constitucionais dos partidos nem sempre se confundem com as preocupações dos cidadãos.

Chegar a esta conclusão significa reconhecer que, apesar de vivermos um tempo preenchido pelo vazio ideológico e marcado pelo crescente clientelismo das máquinas partidárias, os cidadãos não estão dispostos a ir a votos diluídos pelo "conformismo, indiferença ou sentimento de inutilidade dos ritos eleitorais" de outros tempos, passados e mais recentes.

Fazê-lo convida, por isso, o MPLA e a oposição a perceberem que, perante o surgimento de novos ingredientes na nossa vida política, os cidadãos estão empenhados em desafiá-los a estarem pela primeira vez preparados para enfrentar eleições que não poderão continuar a ser vistas com a mesma irrelevância política do passado.

Tanto por parte de quem sempre se habituou a vencê-las, como quem enfia a faca na manteiga, como por parte de quem, movido pelo mesmo espírito de autoconvencimento, sempre se julgou predestinado a ser dono do poder...

Em jogo estarão desta vez novas e incontornáveis variáveis políticas. E se, por um lado, se assiste à erosão da influência do MPLA junto do (seu) eleitorado urbano desiludido com a governação, por outro, em sentido contrário, assiste-se ao reforço quantitativo da fidelidade do eleitorado do maior partido da oposição - a UNITA - que tende a surgir mais urbanizada, sem, todavia, abandonar a sua tradicional matriz rural.

Dir-se-á que durante muitos anos tivemos uma oposição que, por junto e atacado, nem sequer cabia num táxi. Esses anos passaram e agora não é bem assim, embora seja ainda muito prematuro garantir que a UNITA já tenha abandonado de todo o seu antigo discurso de ódio e de vingança.

Acreditar cegamente nisso redundaria numa ingenuidade política imperdoável. Mas, em sentido contrário, também ninguém pode garantir que a UNITA não venha a apostar numa atitude inclusiva.

Uma atitude que, perante a sua inexperiência governativa, venha a passar amanhã pela repescagem ou contratação de muitos dos quadros que vêm servindo os sucessivos governos do MPLA.

Agora, com menos músculos e mais neurónios, a UNITA está a tentar fazer aquilo que o MPLA resiste a fazer: aprender com os erros do passado.

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