Esquecem, propositadamente, a realidade do que eram os Estados Unidos à época; são incapazes de compreender, por sofrerem de falta de uma cultura, essa sim, basicamente democrática, que as realizações e o percurso de Cuba são resultado de uma acção essencialmente colectiva; ou seja, na óbvia impossibilidade de culparem o povo cubano, unificam em Fidel toda a evolução do pensamento político da Ilha, como se os cidadãos cubanos fossem indigentes intelectuais, incapazes de pensar e de conduzir colectiva e autonomamente qualquer acção ao longo da sua vida.
É difícil, dada a arrogância e uma autopresumida superioridade moral com que escrevem e que despudoradamente querem impor ao mundo, conseguir encontrar alguns pontos em comum connosco, que, vistos de longe como os cubanos, não temos nem cérebro nem inteligência para podermos pensar ou opinar.
Ter o direito de discorrer sobre o Homem que tomava partido por um ou outro dos sistemas ideológicos que, em fases evolutivas diferentes, coexistiam numa mesma época e num dado meio; aceitar que o ser humano, por não poder ser indiferente à realidade social à sua volta ou era conformista e aceitava o sistema dominante ou era revolucionário e abraçava o sistema ideológico oposto; estudar (pelo menos tentar...) a rebeldia nascida com a Revolução Cubana e a sua evolução que atingiu desenvolvimentos que conduziriam posteriormente a que esta impusesse à então União Soviética uma tomada de posição definitiva quanto à luta de libertação em África, em particular em Angola, decisiva para a libertação do apartheid, com quem grande parte dos países ocidentais conviveu sempre bem e sem grandes problemas morais nem existenciais; um bloqueio criminoso, que dificulta diária e persistentemente as condições de vida dos cidadãos cubanos; uma propaganda de mais de cinco décadas, que em Cuba e fora dela vive sustentada pelas autoridades norte- -americanas num projecto de vida anticubano e anti-humano, provocando, armando ciladas, e se necessário utilizando armas básicas (alimentação, bens de primeira necessidade) como no tempo mais grave que Cuba viveu, após a implosão da União Soviética; chegar ao extremo de inventarem poetas, como Armando Valladares, que fingia estar paraplégico e ser um intelectual cubano na prisão e, afinal, não era nem poeta nem paraplégico e que, desembarcado aos EUA, foi nomeado por Ronald Reagan - este sim, um verdadeiro criminoso - embaixador dos EUA na comissão de direitos humanos da ONU... tudo isto são arroubos de quem defende ditaduras, como se não sofrêssemos diariamente e toda a nossa vida a imposição das televisões, dos jornais, das rádios, dos formadores de opinião, dos intelectuais de serviço, dos pseudojornalistas facebookianos, da lavagem ao cérebro que nos fazem todos os dias, da imposição de estilos de vida e de sistemas políticos com os quais nem a África nem a América do Sul têm cultural e sociologicamente nada a ver.
Já lhe chamam a era da pós-verdade. Chegaram ao limite da estupidificação humana e os seus conceitos de democracia, esgotados pela dependência absoluta das novas máfias mundiais, empurram os seus povos a votar em neonazis, como na Holanda, na França, na Alemanha. O seu desgoverno é tal que democraticamente permitem que a candidata derrotada às eleições dos seus aliados de eleição, os inevitáveis Estados Unidos, as tenha ganho com dois milhões de votos de diferença. A liberdade ocidental, que pode ser facilmente resumida na velha história dos ricos e pobres terem o mesmo direito a dormir debaixo das pontes, não pode já ser levada a sério. Os povos diminuídos intelectualmente, que somos nós, os que não pertencem aos "escolhidos", não podem fazer revoluções nem ter direito ao seu próprio caminho e às suas próprias escolhas que não sejam as que Paris, Bona, Washington, Roma ou Londres entendem melhores para nós.
Ainda que seja às escondidas, leiam os números da Organização Mundial da Saúde, do UNICEF, do Instituto de Desenvolvimento Humano. O Partido Comunista Cubano, a sua direcção, os seus militantes tiveram de fazer escolhas, quando se atreveram a pôr em cheque a autoridade que europeus e norte- -americanos continuam a achar, séculos depois, que têm sobre todos nós. Cuba tinha de escolher e escolheu. Como vai escolher o seu próximo futuro. Um povo culto, politizado, preparado, capaz de criticar as opções dos seus dirigentes a partir das votações que faz nas ruas, nas avenidas, nas assembleias de bairro, quando elege os candidatos às várias estruturas do poder de estado. Isto chama-se poder popular e gostaríamos de conhecer um político ocidental que aceitasse ser discutido, proposto e contraditado pelos seus concidadãos, a começar pela rua onde mora. A isto chama-se poder popular.
Perguntem a Alicia Alonso; a Sílvio Rodriguez; a Pablo Milanês; ao próprio Leonardo Padura.
Fidel Castro limitou-se a ser cubano e a interpretar a maneira muito própria de ser dos seus compatriotas, nas qualidades e - sem problema nenhum, que Fidel nunca se importaria - nos seus defeitos. Só isso foi suficiente para manter viva a chama da utopia...