Como sabemos, o FMI é uma instituição criada para ajudar países que se encontrem com dificuldades de financiar os seus orçamentos e de equilibrar a balança de pagamentos. Contudo, ao contrário de outras instituições financeiras, esta concede crédito olhando mais para as reformas de gestão macroeconómica que o país beneficiário predispõe-se a implementar do que para as taxas de juro dos empréstimos (geralmente, muito baixas).

Angola, por sua vez, é um país com elevado potencial de crescimento económico, traduzido numa elevada quantidade de recursos humanos, numa extensa riqueza natural e em inúmeras necessidades básicas das famílias por satisfazer, mas que viu a sua principal fonte de receitas fiscais a contrair para cerca da metade, desde o segundo semestre de 2014. Desde esta altura, as necessidades de financiamento do país elevaram-se, o estoque de dívida tem acelerado (estima-se que cresça 63.9%, entre 2013 e 2016) e os desequilíbrios macroeconómicos agravaram-se consideravelmente. Só por efeito da inflação, as famílias perderam mais de metade do poder de compra e a moeda local desvalorizou 60% em relação ao dólar. Pior, as soluções para os problemas não são fáceis e requerem um conjunto de compromissos com alguma sensibilidade política.

Para realizar o seu potencial, Angola precisa de financiamento, porém, sustentável. A abertura que o Governo de Angola faz ao FMI é, antes de mais, uma declaração de preocupação com os indicadores de sustentabilidade da dívida de Angola. Embora tenhamos um rácio Dívida-PIB dentro dos limites recomendados, as condições actuais da economia, a capacidade de execução fiscal e o risco perceptível pelos mercados financeiros (interno e externo) apontam para uma aceleração do estoque da dívida, nos próximos anos, com potencial de inviabilização da capacidade do país de cumprir com os seus compromissos financeiros.

Face à actual situação, o Governo de Angola tem vindo a diagnosticar, a estudar e a divulgar várias medidas de estabilização e crescimento económico, muitas delas, contudo, pouco concretas. Passado um ano e meio em crise, tudo indica que o Governo está disposto a ir mais longe nas reformas. Mais do que isto: o Governo, tal como recorda o comunicado do Ministério das Finanças, já tem uma ideia do caminho a percorrer (descrito na Estratégias de Combate à Crise, na Estratégia de Aceleração da Diversificação da Economia e no Plano Nacional de Desenvolvimento), precisando do FMI a assistência técnica e financeira necessária para percorrê-lo de forma eficiente.

Afinal, que reformas estão em causa? Parece-me ser esta a questão essencial que muitos angolanos estarão a colocar. A esta altura, ainda não existe uma lista de reformas. O pedido ora formulado pelo Governo de Angola, a ser aceite pelo FMI (e será, de certeza), dará lugar a uma ronda de negociações que terá como principais parâmetros o valor do financiamento, a série de desembolsos, a duração das amortizações (vigora um limite máximo de 10 anos, neste tipo de acordos), as reformas de gestão macroeconómica e as metas de política macroeconómica. Relativamente à série de desembolsos, realçamos que o valor máximo acumulado que Angola pode receber à luz deste programa, considerando a quota do país no Fundo (740,1 milhões de Direitos Especiais de Saque - SDRs), os limites estabelecidos para um programa normal (435% da quota, não havendo "pedidos excepcionais") e a taxa de câmbio de hoje (1,4 USD por cada SDR), é de 4,5 mil milhões de dólares).

Mais concretamente, o FMI poderá exigir ao Governo de Angola uma maior flexibilização da taxa de câmbio, dentro de um intervalo que não eleve a inflação para níveis incontroláveis. O FMI poderá ainda insistir na redução do sector administrativo e empresarial do Estado; solicitar um plano detalhado de privatização de várias empresas públicas (por via de um mercado accionista, muito provavelmente); poderá estabelecer metas para a reforma fiscal; reformas ao sistema de segurança social; solicitar a participação na reforma da Sonangol e de alguns bancos públicos; solicitar a alteração do modelo de endividamento interno do Estado por forma a facilitar a descoberta de preços; simplificação do ambiente de negócios enfrentado pelos investidores; a publicação regular de contas do Estado e do Fundo Soberano. A intervenção do FMI será não só ao nível das grandes políticas, como também ao nível operacional, como o ritmo de crescimento dos agregados monetários, a utilização das reservas internacionais líquidas, a trajectória de endividamento externo. Havendo um acordo, as missões à Angola serão mais frequentes com o objectivo de analisar a consistência entre as medidas de política e as metas definidas.

Portanto, considerando a necessidade de financiamento do Governo de Angola (que será muito superior aos USD 1,6 mil milhões solicitados em 2009), em troca de financiamento, experiência e garantia reputacional, o FMI tentará influenciar ao máximo a vida económica de Angola, de tal forma que as negociações que terão início nas Reuniões de Primavera (FMI-Banco Mundial) que terão lugar a partir de 15 de Abril, em Washington D.C., poderão ser as mais complexas da história da diplomacia económica de Angola, durando algumas semanas corridas. Aliás, antes da aprovação do programa pelos directores do FMI, há um conjunto de Acções Prévias que o país terá que demonstrar ter implementado.

Felizmente, o Governo de Angola já vem implementando medidas de reforma desde 2015, e já acumulou uma extensa experiência no relacionamento com esta instituição e com os processos de negociação de financiamento, o que permitirá ao país, em última instância, decidir a melhor trajectória de estabilização e crescimento. Boa sorte aos negociadores!