O primeiro a aparecer foi o "Homem Bom Militante", obediente e patriota. Esse rapidamente foi afastado pelo excesso de pureza e surgiu o "Homem Dirigente" autoritário que mandava e os outros obedeciam sem reservas. Depois surgiu o "Homem Intriguista" que, por incompetência, encontrou caminhos para fazer nascer a dúvida contra os mais capazes, contribuindo para a destruição dos seus pilares militantes, fazendo com que muitos fossem, literalmente, destruídos e outros definitivamente proscritos. A seguir, surgiu o "Homem Servil" que carregava qualquer pasta, por mais disparatada que fosse o seu conteúdo e por mais desonesta que fosse a atitude do seu chefe. Sem perda de tempo nasceu o "Homem Estamos Juntos" mais arejado e cordial, mas que foi um dos principais engenheiros da desgraça colectiva, pela natureza perversa das suas duas caras. Durante anos, fomos vendo o fortalecimento do "Homem Corrupto", sendo esse um dos mais resistentes a qualquer mudança e culpado de todas as nossas desgraças. Finalmente, temos o "Homem Assustado", aquele que, não querendo perder o Poder, nem as principescas mordomias do Estado, multiplicou os gabinetes do ódio, tornou-se dissonante cognitivo e perdeu a vergonha quando olha para os seus filhos e lhes mente na cara. Estou plenamente convencida de que o efeito dos resultados de curto-prazo deste "Homem Assustado" só poderá ser medido pela Escala de Richter.
Por baixo dos pés destes descendentes do trágico "Homem Novo" está um País dilacerado pela dor, pela fome e pela injustiça de viver sem dignidade. Neste País, os seus habitantes construíram um novo mundo para poderem sobreviver. Neste mundo, há escolas nos quintais que acolhem milhares de excluídos. Há postos médicos sem médicos nem diplomas, que aliviam a dor de quem não pode pagar a saúde pública gratuita. Existe um imenso mercado popular cujas regras foram criadas para integrar todo o tipo de necessidade e promoção do abastecimento da população que menos tem e que é a maioria. A precariedade dos salários fez nascer um modelo de crédito abrangente e sem burocracia (Kixikila) que não tem malparados, porque não é gerido por uns miúdos atrevidos com fatinho Slim, que, apesar de terem ido à universidade, não aprenderam a ser eficazes no seu trabalho ou não se teriam torrado tantos milhões de dólares em programas de alívio à pobreza que foram tão imprestáveis como um carro sem motor. Neste submundo, as mulheres analfabetas são as que produzem riqueza. Aqui a solidariedade é regra. Aqui ninguém fica para trás. Aqui as crianças ainda sonham à volta da fogueira sonhos de bondade que enchem o estômago e não deixam morrer a esperança.
Neste outro país onde vive a maioria dos angolanos, nasceram filhos que extrapolaram o conceito de nacionalidade e são ANGOLA. Aprenderam a respeitar a terra onde estão enterrados os seus avós, pais e os seus filhos ainda crianças. São eles a geração responsável pelo nascimento de um NOVO HOMEM NOVO. São estes os construtores do novo presente e de um novo futuro e dedicam esta integridade à memória de todos os familiares que ao longo dos séculos se levantaram contra as injustiças, contra a mentira e contra o abuso de poder, viesse de quem viesse, contribuindo a cada passo para a construção de um país para todos.
O Novo Homem Novo é a Geração Angola, é fruto da evolução do mundo, do acesso à informação e à livre comunicação. Não foi o abismo que se tornou menor. Foi esta geração que cresceu em todos os sentidos, que deixou de aceitar ser formatada, que tem indisciplina associativa e que não respeita a autoridade quando esta não se baseia na razão. Percebeu que afinal podia enfrentar aquilo que parecia maior do que ela, porque acordou e perdeu o medo. Aprendeu a desafiar a ditadura do pensamento único, das ordens superiores e do medo irracional. A maioria não conheceu o colono, não viu a guerra, não conheceu os líderes do triste Acordo de Alvor nem é refém de memórias alheias.
A Geração Angola quer ser parte das soluções realistas, eficientes e honestas. Percebeu que num mundo hostil quem quer sobreviver tem que se comportar como a águia que a meio da sua vida olha para si com as penas pesadas, as garras fracas e o bico mole e percebe que se não der início a uma natural metamorfose será eliminada. Assim, esta águia prepara um ninho num local inacessível, colocando lá tudo o que precisa para sobreviver durante meses. E a seguir com o seu bico envelhecido arranca as pesadas e velhas penas que a impedem de voar alto. Arranca as garras que estão fracas e não permitem caçar e transportar presas pesadas. E no fim parte o bico conta uma pedra. Depois senta-se e espera que tudo isto cresça durante vários meses. Quando, finalmente, sai deste violento renascimento é tão eficaz como quando era jovem e robusta e pode viver em paz e segurança, com competência renovada para enfrentar qualquer combate pela sobrevivência durante a outra metade da sua vida. A forma do tempo é um processo interessante e pleno de sabedoria. Enquanto uns se fortalecem na espera convicta, outros desintegram-se na actuação desajeitada e incongruente.
A Geração Angola não admite uma governação feita debaixo do tapete. Não aceita continuar a viver no País dos abandonados, nem é submissa perante os bens materiais. Exige Direitos Humanos, conhece o poder que tem por ser jovem e representar a maioria da população angolana, conhece a emergência de todas as prioridades pois nasceu na precariedade em todos os sentidos e tem a corrupção como principal alvo. Substituiu a democracia decadente existente em África pela "Humanocracia" onde o poder passa a ser transversal em vez de vertical e privilegia a felicidade das pessoas e o consenso.
Nestas eleições ouvimos o som estridente do alarme social contra a postura desajeitada, conivente, arrogante e mal-educada do governo nos seus 5 anos de mandato. Um mandado que dividiu e ofendeu os angolanos, com uma linguagem inaceitável para quem quer ser líder de todos os cidadãos. Um mandato ensombrado pelo lado mais escuro da gestão do dinheiro do povo. Um mandato que ignorou, de forma olímpica, a emergência das necessidades do povo considerando a fome relativa e deixando no corredor da morte milhares de crianças seropositivas sem acesso aos antirretrovirais o que é um crime contra a Humanidade. Este alarme pode ter sido ignorado pelas instituições militantes como são a CNE e o Tribunal Constitucional. Felizmente no Tribunal Constitucional ainda há uma réstia de esperança pela presença da nobre Meritíssima Juíza Professora Doutora Josefa Webba Neto que no seu voto de vencida mostrou que afinal "não se podia decidir sobre o que não se viu". Quando um povo fala de forma reiterada e os seus líderes não escutam é preocupante porque o povo é o soberano. Mas mais preocupante é enfiar a cabeça na areia e festejar uma vitória de papel com pés de barro quando o povo já mostrou que a paciência foi elástica, mas que já não será definitiva.