Numa declaração à Nação através a partir do Palácio da Cidade Alta, o Chefe de Estado afirmou que já não é hora de "apontar o dedo uns aos outros procurando culpados" porque agora "importa que cada um assuma as suas responsabilidades na parte que lhe cabe".

João Lourenço lembrou o processo que teve início em 2019, com a criação, por despacho Presidencial, da Comissão para a Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos de 1975 a 2002 e que hoje resultou na criação de condições para este "passo importante" que hoje teve lugar e que passou pelo pedido de perdão às vítimas, que era uma das principais reivindicações dos descendentes das vítimas do 27 de Maio de 1977.

"É assim que imbuídos deste espirito, vimos, perante as vitimas destes conflitos e dos angolanos em geral, pedir humildemente em nome do Estado angolano as nossas desculpas publicas e o perdão pelo grande mal que foram as execuções naquela altura e naquelas circunstâncias", disse João Lourenço.

"Este pedido publico de desculpas e de perdão não se resume a simples palavras, ele reflecte o nosso sincero arrependimento e vontade de pôr fim à angustia que ao longo destes anos as famílias carregam consigo por falta de informação sobre o destino dado aos seus entes queridos", adiantou.

João Lourenço acrescentou ainda que já na quinta-feira, 27 de Maio, quando passam 44 anos dos trágicos acontecimentos, terá início simbolicamente a entrega das primeiras certidões de óbito *as famílias das vítimas do 27 de Maio de 1977.

Também terá início, juntou o Presidente da República, o início da busca pela localização e posterior entrega às famílias dos restos mortais de algumas das figuras históricas que pereceram nos acontecimentos de há 44 anos, incluindo, entre outros, os restos mortais de Nito Alves, que liderou a intentona frustrada, Monstro Imortal, Sita Valles ou Zé Van Dúnen, bem como os militares da 9ª Brigada, do Destacamento Feminino ou ainda da DISA.

Uma radiografia histórica

João Lourenço começou esta intervenção dirigida à Nação lembrando aqueles "trágicos acontecimentos que enlutaram o País a 27 de Maio de 1977, quando passavam apenas dois anos da independência nacional" pela qual tantos lutaram.

E sublinhou que nessa altura "ninguém imaginava que as divisões internas dos movimentos de libertação seriam transportadas para o interior do País no pós independência com consequências tão trágicas que deixaram feridas nos corações dos angolanos" até hoje.

E trouxe à memória aquele momento em que "um grupo de cidadãos organizados realizou uma tentativa de frustrada de golpe de Estado matando altas figuras do poder instituído, incluindo militares e civis", acrescentando que, "no intuito da reposição da ordem constitucional, teve lugar uma "reacção desproporcionada e levada ao extremo" das autoridades de então, tendo sido "realizadas execuções sumárias de um número indeterminado de cidadãos, muitos deles inocentes".

Face a essa memória trágica para Angola, Lourenço notou que "a postura de um Estado deve ser sempre que possível ponderada e comedida pelas responsabilidades maiores que tem na defesa da Constituição e da vida humana".

E, nesse contexto, sublinhou que Angola tem, "nos último anos, vindo a desempenhar na região um papel de promotor da paz, do dialogo apaziguador em conflitos internos e entre Estados", mas defendeu que se esse papel diplomático é importante, "é ainda mais importante trabalhar continuamente para sarar em definitivo as feridas prevalecentes dos (seus) próprios conflitos políticos".

E é nessa linha de pensamento que o Presidente da República lembrou que em 2019 teve lugar um momento fundamental para consolidar o processo de reconciliação que começou em 2002, com a criação da Comissão para a Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos que ocorreram entre 1975, ano da independência, e 2002, ano em que terminou o conflito armado.

E regozijou-se pelo facto de agora ser claro que o cepticismo que existia em 2019 foi dando lugar à esperança de que se tratasse de um processo sério, como agora se conclui sê-lo.