A dois dias de deixar a liderança do MPLA, e cerca de um ano depois de ter saído da Presidência da República, que memórias guarda o ex-Chefe de Estado? Da inspiração nos versos de Agostinho Neto para a luta anti-colonialista, passando pela "substituição necessária" do "Pai da Nação", sem esquecer os planos de reforma, recuperamos algumas das suas recordações, partilhadas na primeira pessoa.

Tinha "grandes dificuldades" no caminho e, desde muito cedo, seguia "lutando pela vida", até que, "aos 16 anos", entre os corredores do luandense liceu Salvador Correia, o destino de José Eduardo dos Santos - aqui reconstruído na primeira pessoa - se cruzou com a causa nacionalista.

"O que me marcou, estando a estudar no ensino secundário, além da discriminação e da diferença que havia entre os filhos de portugueses e os angolanos - sobretudo os de raça negra -, foi o facto de não termos perspectivas. Era o abismo à frente de nós. Essa foi a razão por que optámos desde muito cedo pela luta de libertação nacional", contou o antigo Chefe de Estado numa das raras grandes entrevistas que concedeu nos últimos 37 anos.

O momento retrospectivo devolve-nos ao ano de 2013, altura em que o então Presidente da República iniciava um novo mandato de cinco anos, e, diante das câmaras da brasileira Rede Bandeirantes, começava a acusar o peso dos anos no poder.

"A conjuntura não permitiu que realizássemos eleições, e fui ficando", justificou o político, admitindo que a sua permanência na Cidade Alta já somava "muito tempo, até demasiado".

Empossado Presidente de Angola menos de um mês depois de completar 37 anos, a 21 de Setembro de 1979, o apregoado "Arquitecto da Paz", desfia as memórias do seu nascimento político de mãos dadas com a História.

"Era preciso criar esperança, romper, daí ter aderido a um pequeno grupo de jovens, colegas de escola para poder trocar ideias, procurar literatura, discutir um pouco os versos de Agostinho Neto, que já circulavam naqueles meios estudantis. Foi, digamos assim, o despertar de uma consciência e de uma afirmação, no sentido de acção", contava o Chefe de Estado ao canal brasileiro.

"Era preciso criar esperança, romper, daí ter aderido a um pequeno grupo de jovens, colegas de escola para poder trocar ideias, procurar literatura, discutir um pouco os versos de Agostinho Neto, que já circulavam naqueles meios estudantis. Foi, digamos assim, o despertar de uma consciência e de uma afirmação, no sentido de acção", contava o Chefe de Estado ao canal brasileiro.

Cerca de duas décadas depois da inspiração na poesia do "Pai da Nação", José Eduardo dos Santos prestava juramento como continuador do seu legado.

"Não é uma substituição fácil, nem tão-pouco me parece uma substituição possível, é apenas uma substituição necessária", frisou um ainda inexperiente sucessor de Agostinho Neto, no discurso de tomada de posse como Presidente da República Popular de Angola, presidente do MPLA-Partido do Trabalho, e comandante-em-chefe das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola.

"Um homem do Desporto emprestado à Política"

Nascido a 28 de Agosto de 1942, com raízes familiares em São Tomé e Príncipe, José Eduardo dos Santos cresceu no bairro luandense do Sambizanga sob os grilhões do colonialismo.

"A repressão era feroz, os africanos não tinham direitos quase nenhuns. Fundamentalmente, não tinham direitos políticos, e, por conseguinte, toda a carga de opressão que os nossos pais sofriam se repercutia na família. Por isso crescemos com grandes dificuldades, lutando sempre pela vida desde muito pequenos. Mas sobrevivemos", contou o filho Presidente do pedreiro Eduardo Avelino dos Santos e da doméstica Jacinta José Paulino.

O relato pessoal é extraído da entrevista à Bandeirantes mas, em breve, talvez também se possa folhear entre páginas biográficas.

"Normalmente o que fazem os ex-Presidentes é escrever memórias. Não sei se me vou dedicar a isso ou não", equacionava o sucessor de Agostinho Neto noutra grande entrevista televisiva, cedida uma vez mais à imprensa estrangeira, no caso ao canal português SIC.

"Normalmente o que fazem os ex-Presidentes é escrever memórias. Não sei se me vou dedicar a isso ou não", equacionava o sucessor de Agostinho Neto noutra grande entrevista televisiva, cedida uma vez mais à imprensa estrangeira, no caso ao canal português SIC.

Revista à distância de cinco anos, a conversa reaviva os planos de reforma de José Eduardo dos Santos, então auto-retratado como "um homem do Desporto emprestado à Política", e de natureza multifacetada.

"Posso trabalhar em várias áreas", salientou o Presidente da República, lembrando que a sua fundação homónima "desenvolve uma intervenção social importante".

Ainda na entrevista à SIC, o Chefe de Estado partilhou os sonhos que deseja concretizar no país - o "de uma sociedade inclusiva, em que todos se sintam bem e beneficiem da prosperidade"- e na sua própria história.

"Gostaria de ser recordado como um bom patriota. Como um bom patriota", reforçou o ex-Presidente da República, na viragem para o novo capítulo da História de Angola, que tem em João Lourenço o novo protagonista.

Segundo o actual Chefe de Estado, foi "graças ao espírito magnânimo e humanista" do seu antecessor que o país superou a guerra e empreendeu "a complexa missão de garante do funcionamento das instituições do Estado democrático de Direito, premissa fundamental para o progresso de Angola".

Para o futuro líder do MPLA, ao longo da sua vida militante José Eduardo dos Santos evidenciou qualidades como "humildade, sagacidade, coragem e entrega invulgar", afirmando-se como "um grande estadista", embora" muitas vezes injustiçado".