Um total de 22 individualidades angolanas, de diferentes sensibilidades, foi desafiado pelo Novo Jornal a apresentar aquilo que consideram ser o estado da Nação, um desafio que, entre outras coisas, pode servir de apoio ao Presidente da República, que, de acordo com o artigo 118.º da Constituição da República de Angola, fala à Nação na "abertura do Ano Parlamentar", no dia 15 de Outubro, este sábado, portanto.

As constatações destas individualidades sobre o País real passam pela política, justiça, economia, comunicação social, sociedade, educação, ambiente, desporto e cultura.

Por exemplo, Luís Paulo Monteiro, bastonário da Ordem dos Advogados de Angola (OAA), é quem abre o espaço do estado da Nação do semanário NJ, cuja edição já está nas bancas ou em formato digital.

O jurista constata que, depois do recente encontro entre o Presidente da República e os líderes dos partidos na oposição, há sinais de que o País político deu o primeiro passo para a estabilidade entre os principais actores políticos, na perspectiva de uma consolidação do Estado Democrático e de Direito. E destaca a iniciativa do Governo na criação da Comissão Interministerial para a identificação dos constrangimentos e apresentação de soluções para a massificação do processo de registo de nascimento e emissão do Bilhete de Identidade.

Apesar da presente iniciativa que visa massificar o acesso à nacionalidade angolana, o bastonário da OAA nota que o erro está na "repetida fórmula escolhida pelo Executivo", que, na sua opinião, "não tem permitido sucesso para a situação concreta".

E visando corrigir o facto, Luís Paulo Monteiro sugere a concessão ao Ministério da Justiça, departamento ministerial responsável pela emissão de documentos de nacionalidade angolana, um prazo para atingir a meta pretendida pelo Executivo.

O analista Victor Ramalho, secretário-geral da UCLA, também apresenta a sua constatação do País político. O articulista sublinha que Angola teve um crescimento negativo de 2016 a 2020 e que essa realidade foi ligeiramente corrigida neste ano de 2022 e prevê que 2023 poderá registar um crescimento económico inferior ao do ano em curso.

Para Victor Ramalho, o Presidente da República tem a ideia "precisa de que a fórmula" de ultrapassar os constrangimentos existentes no País "implica a consciência" de que os resultados das últimas eleições abriram um novo ciclo que não será fácil de prosseguir perante a crise mundial, inovadora e incerta que busca "um novo quadro político geoestratégico".

Tito Cambanje, advogado e quadro do MPLA, constata, no seu estado da Nação, que a maioria dos angolanos confia nos «camaradas» e no seu presidente João Lourenço. E, como sugestão dos problemas que regista, o político propõe um investimento consistente na educação, formação e investigação científica.

Visando rapidamente alcançar o nível de conhecimento técnico e científico de que Angola tem necessidade. Como proposta não é tudo: Tito Cambanje aponta também haver a necessidade de se exigir, nos contratos com as consultoras internacionais que trabalham com o Estado, que actuem intimamente com as universidades, para que deste modo o conhecimento "acabe por ficar" com os nacionais.

O jornalista Reginaldo Silva, e membro da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERCA), também olha para o País político, e não faz nenhuma observação sobre o estado da imprensa. Aparentemente céptico sobre a eventual rigorosidade do Presidente na recolha e apresentação dos dados relativos ao País real, sublinha que gostaria de acreditar que o "verdadeiro resultado das eleições de 24 de Agosto aconselhe" João Lourenço a estruturar o seu discurso de acordo com a realidade.

Entre outras coisas, apresenta dúvidas sobre se este mandato de João Lourenço deverá ser mesmo o último, em respeito à Constituição da República de Angola.

Ainda no campo político, Bernardino Neto, especialista em Relações Internacionais, chama a atenção ao risco do crescente negacionismo em relação às instituições, e sublinha que não se vence com gritarias.

Embora não cite os nomes das personagens nem os factos em concreto, Bernardino Neto, por sua vez, faz uma alusão ao recente encontro entre o Presidente da República e os líderes na oposição, e apela para que se perceba que as «tensões» não se resolvem com simples audiências.

"Não se deve fingir com palmadinhas nas costas, sorrisos amarelos e fotos em páginas de jornais. Angola está compelida nos excessos e abusos de um total negacionismo institucional, incluindo líderes que falam a espumar. Essa realidade não deve aparentar ser um problema que se resolve com simples audiências", escreve o especialista em Relações Internacionais.

Já Maurílio Luiele, membro da Comissão Política da UNITA e ex-deputado à Assembleia Nacional, traça um panorama nebuloso do actual estado da política angolana. O político reitera as críticas do seu partido sobre o processo eleitoral, dizendo que não se respeitou a vontade do povo, e constatando que a estagnação de Angola no que se refere à progressão democrática, resulta da recusa do MPLA a quem denomina como partido-Estado.

«Má qualidade de infraestruturas» entre as razões apontadas para o fraco investimento privado

O economista Neto Costa é, entre as figuras notáveis desafiadas pelo NJ para apresentarem as suas constatações sobre o País real, e consequentemente apresentar sugestões para a melhoria do que venha a estar mal, a única que figura que fala sobre o estado da economia angolana.

Constata haver insuficiente investimento privado e de longo-prazo, e considera que a presente realidade que constata se justifica com a "má qualidade das infraestruturas" do País, "elevada burocracia na concessão das licenças exigíveis para o desenvolvimento da actividade económica, dificuldades no registo e transmissão legal de propriedade", bem como o "baixo índice de capital humano".

O investimento produtivo no sector não-petrolífero e diamantífero, incluindo o investimento directo estrangeiro, também não passa despercebido da observação de Neto Costa, para quem o investimento não tem sido suficiente para assegurar um crescimento económico robusto, o que, na perspectiva do especialista, não contribui para a redução do desemprego e, consequentemente, da pobreza.

Entre outras coisas, Neto Costa destaca os esforços que o Governo tem direccionado para a concessão de benefícios fiscais e aduaneiros e para o aumento do crédito ao investimento produtivo - disponibilizando, neste caso, fundos para o efeito, bonificando as taxas de juro e concedendo garantias do capital mutuado, e aos quais, como refere o articulista, o BNA se associou com a publicação sucessiva dos Avisos n.º 4/2019, de 3 de Abril; n.º 10/2020, de 3 de Abril; e n.º 10/2022, de 10 de Abril, referentes à concessão de crédito a um conjunto de actividades produtivas e conexas. No entanto, os esforços supracitados, constatas o economista, têm-se revelado ineficazes e inefectivos.

«Milhares de crianças continuam fora do sistema de ensino»

O estado da Educação, um sector considerado fulcral para o desenvolvimento do País, também contém muitos problemas, segundo constatam cinco das 22 figuras que escrevem na edição semanal do NJ.

António Pacavira, presidente da Associação Nacional do Ensino Particular (ANEP), a jornalista Luzia Moniz, a activista Alexandra Simeão, e o presidente do SINPROF, Guilherme Silva, lamentam que todos os anos "milhares de crianças" fiquem fora do sistema de ensino.

Além do número elevado de crianças que acabam por não estudar a cada ano, António Pacavira aponta também a falta de projectos técnicos, nomeadamente a carta escolar que permite com a devida antecedência prever quantas crianças terão acesso à creche, ao jardim-de-infância e à escola nos cinco anos seguintes, bem como a "falta de merenda escolar e a política pública do livro escolar", como situações que atrofiam o sistema geral de ensino.

João Serôdio, docente universitário, para quem a Educação é a base que permite o desenvolvimento sustentável de uma sociedade, é de opinião de que o ensino privado continua sem regras devidamente definidas, o que na sua perspectiva tem permitido "vários casos de desorganização, de corrupção e de abuso de autoridade por parte de quem deve controlar".

«Aumento da fome» no País domina a constatação social

Carlos Cambuta, director-geral da Associação de Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA), que recentemente publicou um relatório com base do que constatou em diferentes municípios do País, e em que concluiu que a "pobreza extrema" em Angola "vai além da realidade estatística" do Governo, prefere, no seu estado da Nação, questionar sobre se o Presidente da República projecta "erradicar a fome e a pobreza", que segundo a sua análise "assola a maior parte da população angolana".

No mesmo diapasão de Carlos Cambuta, Geralda Embaló, jornalista, directora-geral-adjunta do jornal Valor Económico e correspondente do Comité de Protecção dos Jornalistas para os países lusófonos, centra o seu discurso no fenómeno da fome, em que, de acordo com as Nações Unidas, como a própria Embaló faz referência, Angola figura entre as 20 Nações "foco da fome" no mundo.

A profissional da comunicação social sublinha ainda que 38% das crianças angolanas com menos de cinco anos de idade sofre de desnutrição crónica.

Sérgio Calundungo, coordenador da OPSA, também procura encontrar respostas a uma série de questões, como por exemplo, quantos cidadãos ao longo dos primeiros cinco anos de mandato do Presidente João Lourenço, conseguiram escapar à pobreza, e quantos dispõem de oportunidade e recursos para controlar as suas vidas.

Para o líder da OPSA, há "muita desigualdade" social entre os angolanos.

No seu modo peculiar de divulgar factos através de desenhos, Sérgio Piçarra, jornalista e cartoonista, traça a vida de boa parte dos angolanos por meio da figura que criou, chamada Mankiko, um indivíduo que viu a sua situação socio-económica deteriorar-se com a saída de José Eduardo dos Santos do poder, e a ascensão de João Lourenço.

Imprensa: «órgãos públicos continuam sob cortina de ferro do Executivo»

Embora seis profissionais da comunicação social estejam entre as figuras desafiadas pelo NJ para exporem as suas constatações sobre o estado do País, Teixeira Cândido, secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas de Angola, é o único que aborda, neste exercício, questões de fundo que têm que ver com o estado da imprensa.

O sindicalista traça um quadro negro sobre o actual contexto do sector e diz que, face ao que tem sido tradicional nos discursos do Presidente da República, não tem qualquer expectativa de que na alocução de João Lourenço sejam "conhecidas ideias reformistas ou estruturantes" para a comunicação social.

"É ainda um exercício de romantismo acreditar numa evolução da comunicação social quando o Executivo não dá sinais de se desfazer do monopólio televiso (TPA, ZIMBO e por arrasto ZAP) e da omnipresença no sector radiofónico (41 canais, dos quais 37 da RNA, e quatro da Rádio MAIS), escreve Teixeira Cândido, para quem a imprensa pública continua, "à luz (...) da revisão legislativa, debaixo da cortina de ferro do Poder Executivo, que nomeia os conselhos de administração" dos respectivos órgãos.

Ambiente

No quadro ambiental, Vladimir Russo, ambientalista, é o único entre as 22 figuras notáveis que faz uma observação sobre esta área. Considera haver muitos problemas no sector, e propõe maior responsabilização das atitudes e acções que "ponham em perigo o ambiente natural e construído, punindo exemplarmente quem venha a estar em contravenção com a lei e coloque em perigo a biodiversidade e os recursos naturais".

Saúde

No âmbito do sector da saúde, o médico Jeremias Agostinho sublinha, por escrito, ao NJ, que o País tem, nos últimos anos, enfrentado diversos desafios que se prendem com a falta de recursos humanos, financeiros e infra-estruturas funcionais.

O especialista observa também que, face à pandemia da Covid-19, se "interrompeu a trajectória de redução da morbilidade e mortalidade por malária, VIH e tuberculose". E no momento, face ao facto de que a situação da Covid-19 se encontra estabilizada, Jeremias Agostinho apela às autoridades para que dêem maior atenção ao sistema de saúde na sua vertente mais preventiva, garantindo a inclusão de mais vacinas para "crianças menores de cinco anos (...), como é o caso da vacina contra a malária, meningite C, VASPR, febre tifoide e o HPV".

Literatura no plano cultural

José Luís Mendonça, jornalista e escritor, que tem emprestado o seu profissionalismo para o segmento cultural, opta, no seu estado da Nação, por sugerir mais incentivo à leitura. E destaca a aprovação do Decreto Presidencial 105/11, de 24 de Maio, que define a Política Nacional do Livro e da Promoção da Leitura, bem como o Despacho Presidencial 123/18, de 11 de Setembro, que cria a Comissão Nacional Multissectorial para o Acompanhamento e Implementação da Política Nacional da Livro e da Leitura.

Para o escriba, os normativos são fruto de uma visão cultural do desenvolvimento de País em estado de crise que exige uma resposta "muito específica" no domínio da leitura.

"O fenómeno social da desleitura em Angola é gravíssimo", escreve José Luís Mendonça, que acrescenta que o País tem de produzir e lançar no mercado pelo menos 100 mil exemplares de livros por ano.

Desporto e actividade física «vêm perdendo importância»

N"Gouabi Salvador, jurista e presidente do Clube Formigas do Cazenga, tem a expectativa de que, neste segundo mandato de Presidente da República, João Lourenço lance as bases para a mudança de paradigma no sector, como a adopção de uma estratégia de programas concretos de desenvolvimento do desporto de médio e longo prazo.

Rui Matias, jurista, igualmente preocupado com o estado do desporto, constata que o segmento, à semelhança da actividade física, vem perdendo peso em termos de importância, e aponta o fraco investimento em infraestruturas.

Pode ler na íntegra as opiniões sobre o estado da Nação das 22 persolidades desafiadas pelo NJ na edição semanal , nas bancas, ou através de assinatura digital, pagável no Multicaixa. Siga o link: https://leitor.novavaga.co.ao/