João Lourenço aproveitou, logo no arranque do seu discurso, feito a partir da Cidade Alta, em Luanda, para sublinhar que o facto de a Covid-19 ter impedido que a AG tivesse, como sempre, lugar de forma presencial, em Nova Iorque, isso não afastou os Chefes de Estado e de Governo de enfrentar as grades questões da humanidade.

"Não há memória desde a sua fundação, de uma situação em que os Chefes de Estado ou de Governo dos países membros da Organização das Nações Unidas, ficassem por razões alheias às suas agendas, todos impedidos de participar pessoalmente na Assembleia-Geral desta organização, que se debruça sobre os grandes temas das relações internacionais e procura delinear soluções para resolver as principais preocupações da Humanidade garantindo a paz, a segurança e a estabilidade do nosso planeta, nossa casa comum", disse na abertura da sua intervenção.

E, sem desfocar a sua atenção da grande questão que actualmente mais inquieta a humanidade, a pandemia da Covid-19 e os efeitos nefastos desta na economia global e, com especial incidência, nas economias dos países mais frágeis, João Lourenço foi claro ao demonstrar o seu "grande apreço" pela iniciativa do G-20, a organização que junta os 20 países mais ricos do planeta, que, no seu entender, "revelou uma grande sensibilidade".

Sensibilidade essa que o Presidente angolano traduziu pela "acção colectiva" defendida pelo G20 "no sentido de se aliviar a dívida dos países em vias de desenvolvimento, para atenuar o peso da responsabilidade que recai sobre esse grupo de países".

"Pensamos ser fundamental que se encare o investimento directo nas economias dos países em vias de desenvolvimento como a grande equação para o seu crescimento económico e desenvolvimento", sublinhou.

Mas avisou que um objectivo desta envergadura só será possível "se os países desenvolvidos se mobilizarem no sentido de criarem fundos de apoio ao investimento em África, a serem utilizados pelos seus investidores interessados em realizar negócios no continente africano, onde poderão produzir bens e serviços para o consumo local e exportáveis".

Mas antes, João Lourenço já tinha deixado outro reconhecimento: "Para além dos esforços feitos por nós próprios, beneficiámos também da solidariedade de outros países, de organizações internacionais, de empresas e de organizações não-governamentais nacionais e estrangeiras, assim como de cidadãos individuais, que desta forma ajudaram a mitigar os impactos da pandemia em Angola, o que desde já agradecemos".

Sem que, todavia, o foco da sua mensagem fosse debilitado pelo momento, o Chefe de Estado foi deixando avisos à navegação, e, num deles, para bom entendedor, disse que algumas virtudes humanas, como a da solidariedade demonstrada, "que sempre foi útil em momentos tão críticos como os que estamos a viver, ajuda bastante mas nem sempre é suficiente para resolver a fundo os problemas que temos que enfrentar, em consequência de situações tão complexas como as que nos preocupam actualmente", traduzindo assim a vontade africana de ver uma acção global que permita resolver os grandes problemas estruturais do continente, diminuindo algumas das suas crónicas dependências.

E João Lourenço fez questão de enfatizar que este momento, marcado pelo impacto da pandemia em todo o mundo, que "paralisou toda a dinâmica que se perspectivou em termos de retoma da economia mundial", é a oportunidade para trabalhar no sentido de resolver os grandes problemas estruturais, como o investimento massivo em África, que há muito defende.

Sobre a realidade angolana, o Presidente da República lembrou que "as esperanças de começar a obter resultados positivos depois do esforço de reestruturação da economia nacional", realizado num contexto em que foi preciso "aplicar medidas difíceis e com um impacto bastante duro sobre a vida das populações, não se vão concretizar a breve trecho".

Notou ainda que os constrangimentos actuais que "desarticulam a cadeia produtiva, afectam os preços dos principais produtos de exportação, paralisam os serviços e outros sectores vitais da economia, desencadeando níveis de desemprego bastante altos e uma situação social preocupante" e, ainda por cima, "os recursos de que o País dispunha para financiar os sectores produtivos da economia dentro da lógica da sua recuperação tiveram que ser desviados face ao contexto actual, para atender às necessidades de biossegurança e outras de carácter epidemiológico urgente, que a pandemia nos colocou".

João Lourenço teceu ainda elogios ao Secretário-Geral da ONU, António Guterres, pela forma como tem actuado face à crise global, sanitária e económica, bem como as própias Nações Unidas que "têm advogado o multilateralismo na solução dos intrincados problemas da Humanidade".

E aproveitou para se referir ao velho tema da representatividade no Conselho de Segurança, que é há muito uma exigência do continente africano de nele se ver representado.

"As Nações Unidas, no contexto actual do mundo, que configura uma realidade totalmente distinta da que esteve na origem da sua fundação, devem procurar fazer reflectir nas suas estruturas internas as características da realidade geopolítica dos nossos dias, para se tornar numa organização capaz de salvaguardar com equilíbrio os interesses globais", disse.

"Neste sentido, reiteramos uma vez mais a necessidade urgente de se reestruturar a organização de modo a que se consiga alcançar uma composição do Conselho de Segurança da ONU que melhor reflicta a representatividade dos povos, das nações e dos continentes", acrescentou.